A longa empreitada para tirar o amianto das escolas. Há obras em risco de derrapar para 2022

A longa empreitada para tirar o amianto das escolas. Há obras em risco de derrapar para 2022


A meta era o verão, mas várias escolas continuam com obras em pleno período letivo, o que já obrigou a enviar alunos para casa ou mudá-los para contentores. Zero alerta para o risco de se perderem fundos. 


Acontece (pelo menos) em Almada, Barcelos e Santarém: são várias as escolas básicas e secundárias que por todo o país continuam com o processo de retirada de amianto das instalações em período letivo e sem data prevista de conclusão. 

Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial, tinha afirmado em maio desde ano de que estavam criadas as condições para que os trabalhos relativos ao programa de Remoção do Amianto nas Escolas, que tem um apoio de 46,5 milhões de euros e representa um investimento total de 62 milhões de euros, estivessem terminados até ao final do verão. Não aconteceu. No caso da escola de Almada poderão mesmo falhar a meta de final do ano sem as obras concluídas. 

No passado dia 13 de novembro, teve início a remoção da cobertura de fibrocimento na Escola Básica da Alembrança, na freguesia de Feijó, em Almada. No decorrer dos trabalhos verificou-se “uma maior complexidade na remoção e transporte dos canaletes removidos da cobertura”, disse a câmara. Posto isto, foram acionados “de imediato” os procedimentos de segurança, assim como a ida da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) às instalações. A Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) decidiu por sua vez encerrar a escola para que houvesse “um reforço das condições de trabalho” e a comunidade escolar estivesse em segurança. 

Dia 17 as funções foram retomadas e a atividade letiva voltou em regime presencial, “depois de terem sido verificados todos os procedimentos de segurança e a avaliação da qualidade do ar no local, por entidade certificada, garantido que estão reunidas todas as condições para a reabertura deste estabelecimento escolar”. A empresa responsável pela obra submeteu à ACT a alteração do plano da remoção do fibrocimento e a nova intervenção irá decorrer entre 26 de novembro e 1 de dezembro, com aulas a decorrer. Os trabalhos para a colocação da nova estrutura terão início nos dias a seguir, “sendo eles compatíveis com o normal funcionamento da atividade escola”, explicita o mesmo documento. 

A Câmara salienta que a remoção de todas as estruturas de fibrocimento com amianto será “realizada em tempo recorde” – com seis de 15 estabelecimentos de ensino concluídos. A autarquia explicou ao i que todo o processo de remoção de fibrocimento cumpre “exigentes normas de segurança que são acompanhadas por diversas Entidades (ACT, IPAC, Coordenadora de Segurança, Fiscalização e CMA), estando asseguradas as condições de saúde da população”. Entre estas, estão a “execução de trabalhos com risco associado a ser exclusivamente realizado fora do horário de funcionamento das escolas; os procedimentos de segurança aprovados e fiscalizados pela ACT; a monitorização da qualidade do ar antes e após a realização dos trabalhos de remoção de fibrocimento realizada por um laboratório independente, cujas medições, em todas as escolas até agora intervencionadas, apresentam valores muito abaixo dos valores de risco legalmente definidos”. A Câmara salienta que “está a cumprir o planeamento previsto”, e que “tudo fará” para que os trabalhos “fiquem concluídos no prazo estipulado, tendo presente a possibilidade de imprevistos nos limites no contexto atual”.  

ZERO diz ser um risco  A Associação Ambientalista contou ao i que esteve reunida com a Câmara de Almada e que, segundo esta, o acesso aos fundos comunitários implicam a realização da obra até 2021, sob pena de perderem acesso aos mesmos. Segundo a autarquia, todos os procedimentos de segurança estão a ser cumpridos, realizando frequentemente monitorização da qualidade do ar. Mas a ZERO considera que é “um risco” remover o fibrocimento nesta altura: “por uma questão do princípio de precaução, as remoções não devem ser feitas em período de aulas, neste caso concreto, durante a noite e ao fim de semana. Porque caso existam fibras libertadas em concentrações elevadas durante os trabalhos de remoção (ou mais elevadas que os valores limite de exposição), estas podem não ser detetadas a tempo da retoma das aulas, expondo assim toda a comunidade escolar”. 

A associação ambientalista explicou que os valores de concentração de fibras de amianto recolhidos durante a remoção dos materiais ultrapassam por vezes os Valores Limite de Exposição ambiental, ou seja, “valores de referência para indivíduos que não estejam equipados com proteção individual”. Por isso, o método de remoção durante a noite para ocupação no dia seguinte “deve ser evitado, optando-se pela remoção durante pausas letivas onde após a remoção é realizada a monitorização da quantidade de fibras presentes no ar”. Tem sido referido que os valores limite de exposição não ultrapassam o estipulado na legislação (DL-266/2007), no entanto, segundo a ZERO, este apenas refere os valores limite de exposição profissional. Tendo isto em conta, existe o Valor Limite de Exposição (VLE) profissional – definido no DL nº 266/2007 – em 0,1 fibras/cm3, referindo-se à exposição de um trabalhador utilizando equipamentos de proteção individual; e o VLE ambiental – recomendado pela OMS em 0,01 fibras/cm3 referindo-se à exposição de indivíduos que desconhecem o material e o perigo a que estão expostos. Ainda assim, a ZERO, que cita OMS, realça o facto de não existir valor limite abaixo do qual a exposição ao amianto seja segura.

Pais preocupados e com queixas O Movimento Escolas Sem Amianto (MESA) contou ao i que recebe inúmeras queixas dos encarregados de educação e que se prendem sobretudo com “a falta de educação facultada, nomeadamente início e final das obras, resultados das mediações antes, durante e no final da remoção e também da justificação porque não foram feitas em horário não letivo”. A somar aos problemas, “já houve também casos reportados de acidentes e trabalhadores sem as proteções adequadas”, explicitou. 

O problema estica-se para o centro do país, no distrito de Santarém. Mais de meio milhar de alunos de trinta turmas do ensino secundário da Escola Ginestal Machado ficaram este mês duas semanas em casa, com recurso ao ensino à distância, devido ao atraso nas obras de remoção da cobertura de fibrocimento. 

Em comunicado enviado aos encarregados de educação, a direção do Agrupamento de Escolas Dr. Ginestal Machado (AEGM) informou que “na sequência do não cumprimento por parte do empreiteiro – Empribuild – na execução da remoção do fibrocimento, agravado pelas condições meteorológicas adversas nos últimos dias, e consequentes efeitos deste, revela-se fundamental, por um período previsto de duas semanas, a implementação de um plano de ensino à distância para as turmas do ensino secundário regular”. 

O MESA tem recebido relatos de escolas em Santarém cujos trabalhos ainda continuam. O i tentou contactar o presidente da Câmara de Santarém para saber o ponto de situação, mas até agora não teve sucesso.

Mais a norte, em Barcelos, a situação não é diferente “Há uma escola onde está, neste momento, a ser retirado o amianto, a de Galegos Sta. Maria, mas as crianças estão a ter aulas noutro edifício”, confirmou ao i Mário Constantino Araújo Leite da Silva Lopes, presidente da Câmara Municipal de Barcelos. “Já foi retirado o amianto na Escola de Fraião, em Tamel S. Veríssimo, e durante o decorrer desses trabalhos as crianças tiveram aulas noutro local. Neste momento, a obra está a finalizar com a colocação do novo telhado. Em Carapeços, a escola está a ser intervencionada para uma obra de requalificação total. No decorrer desses trabalhos, foi retirado o amianto, mas as crianças, desde o início da obra até a mesma finalizar, estão a ter aulas em monoblocos”, esclareceu. Em conclusão, “em caso algum houve retirada de amianto com as crianças a terem aulas nos edifícios”, disse. Durante as férias de Natal, vão fazer-se obras nas escolas de Perelhal, Abade de Neiva, Aldão e Silva. Mário Lopes contou que “foi feito um concurso público, cujo processo demorou mais do que estava previsto” – o que causou o atraso no início das obras.

Os riscos para a saúde As diferentes variedades de amianto são agentes cancerígenos, devendo a exposição a qualquer tipo de fibra de amianto ser reduzida ao mínimo possível. As doenças associadas ao amianto são, em regra, resultantes da exposição profissional, em que houve inalação das fibras respiráveis. Estas fibras microscópicas podem depositar-se nos pulmões e aí permanecer por muitos anos.

As doenças causadas podem ser: asbestose, mesotelioma, cancro do pulmão  e ainda cancro gastrointestinal. Passam dez anos desde que o Parlamento aprovou a retirada de amianto de edifícios públicos, em fevereiro de 2011. Nas escolas, o processo não deverá ficar ainda concluído este ano. 
 

*Texto editado por Marta F. Reis