A COP vai nua


Enquanto Glasgow vai ou racha, nas televisões já se anuncia a BlackFriday, os supermercados estão em modo Natal, a economia “tem” de crescer.


Podia ser só Greta Thunberg a vociferar em Glasgow “sabemos que os nossos imperadores vão nus”, mas não: a COP-26 entra na semana decisiva num ambiente de deceção e contestação, por trazer pouco mais do que mais do mesmo.

É difícil perceber que desfecho poderia tornar esta conferência do clima dramaticamente diferente das anteriores, mas bastam imagens como a do Cadillac limusine com que o Presidente dos EUA se desloca – entre aviões e mais paradas de carros – para ter de reconhecer que há algo de profundamente incoerente na forma como encaramos as alterações climáticas.

Antes o problema fosse só de líderes que viajam de jato: Como é que, nos países mais desenvolvidos, se aceitará diminuir status quo, conforto e consumismo? Como corrigir a relação com o ambiente sem penalizar os mais pobres, sem acentuar desigualdades? Enquanto Glasgow vai ou racha, nas televisões já se anuncia a BlackFriday, os supermercados estão em modo Natal, a economia “tem” de crescer. Vamos taxar os mais ricos? E eles depois fogem? Taxar produtos supérfluos e mais poluidores? Quem define o quê? Limitar as lojas de roupa por rua, como se limitam as farmácias?

Como é que políticos, dependentes da popularidade, poderão consensualizar soluções a longo prazo sem ceder a imediatismos para que a vida continue como dantes ou mais fácil, quando supostos grandes acordos tratam de apontar para metas que sem mudanças no quotidiano das famílias, empresas e comunidades são inalcançáveis? Não costumo atestar o carro. Metendo menos dava ideia que gastava menos. Ontem fi-lo: 95 euros, há poucos meses eram 70. Com o IVaucher dos combustíveis, vamos reaver 5 euros por mês, uma medida com que o Governo estima devolver 132,5 milhões de euros aos consumidores.

Podemos só indignar-nos com o ISP ou aceitar que alguma coisa tem de acontecer no nosso quintal e não só quando se coloca a questão da exploração do lítio ou, como parece estar a desenhar-se de novo, vantagens e desvantagens do nuclear. Porque é que fiz a viagem de duas horas de carro?

Poderiam estes 132,5 milhões de euros ser investidos em transportes coletivos mais acessíveis em vez de alimentarem ilusoriamente a ideia de que o uso do carro como o conhecemos poderá e deverá continuar a ser financiado pelo Estado?

O aumento dos combustíveis impacta toda a economia e são precisas medidas específicas para proteger o acesso a bens essenciais e o trabalho, mas não vai dar para tudo: festejar crescimento económico às segundas, querer ter fábricas de unicórnios às terças, assistir a guerras comerciais às quartas e bater no peito pelo clima às sextas.