Carlos Barbosa. “Governo não sabe governar sem impostos”

Carlos Barbosa. “Governo não sabe governar sem impostos”


O presidente do Automóvel Club de Portugal (ACP) lamenta o comportamento do Governo em matéria de impostos sobre o automóvel e lembra que estes pesam 32% do total. E acredita que se nada for feito os movimentos de descontentamento vão paralisar as cidades.


Como vê os aumento dos preços dos combustíveis?

Tem sido uma verdadeira pouca vergonha e sobretudo porque o Estado não está a cumprir com aquilo que prometeu que era a eficiência fiscal, ou seja, quando o crude descia os impostos subiam quando o crude subia os impostos desciam. Isto foi prometido pelo Governo de António Costa há três anos e até agora nada disto foi cumprido. Só foi cumprido nos primeiros três meses. No fundo, António Costa e os seus ministros estão a gozar com os portugueses porque não sabem governar sem impostos. A verdade é que o setor automóvel representa 32% dos impostos em Portugal. No dia em que eles perceberem que o país pára porque as pessoas entopem as cidades todas com uma manifestação, nessa altura, talvez percebam que precisam de baixar os preços dos combustíveis.

Mas o descontentamento tanto das empresas como dos portugueses tem vindo a aumentar de tom…

Claro, mas a situação ainda se vai agravar mais e vai acabar em manifestações que vão parar as cidades todas, quer seja com camionistas, quer seja com automobilistas, com motociclistas porque não é possível às pequenas e médias empresas que é o grande tecido empresarial de Portugal suportarem estes preços dos combustíveis que estão a ser praticados porque inevitavelmente vão ter de refletir esses valores sobre os preços finais aos consumidores e os consumidores também não estão dispostos a pagar mais pelo pão, pelo leite, mais por tudo o que seja. Isto vai ter que ter um fim. 

Acaba por ser um ciclo vicioso.
Claro. Os preços dos transportes representam normalmente 30% dos custos fixos de uma empresa de distribuição. Veja como é que vão aumentar esses custos com esta loucura.

O Governo baixou, na semana passada, o ISP mas essa descida ficou sem efeito dois dias depois…

Claro e o Governo sabia que dois dias depois essa descida dos impostos iria ser anulada. O Governo fez um marketing político para passar um bocadinho de graxa aos portugueses mas não serviu para nada porque quase no dia a seguir estava tudo igual. Os portugueses estão cada vez mais revoltados e não sei como isto vai acabar.

A solução terá de passar por nova redução na carga fiscal?

Claro, é necessário reduzir os impostos. Lembra-se quando foi criado um imposto para os bombeiros e estes nunca receberam o valor? O Governo tem de perceber que tem de ir buscar dinheiro onde há, acabar com as empresas públicas que não precisam de existir, porque se poupar esse dinheiro não precisa de estar permanentemente a ir ao setor automóvel e aos combustíveis, onde os impostos são aumentados todos os anos. Não pode ser. É impossível. Portugal não aguenta, os portugueses não aguentam estes aumentos dos combustíveis. 

França vai avançar com a entrega de vouchers para atenuar essas subidas. Portugal poderia ser esse caminho?

Não sei se a solução poderá passar pela atribuição de vouchers ou de outra coisa qualquer. O que sei é que o Governo não pode continuar assim. Não se esqueça que 60% de um litro de combustíveis são impostos e se me dissesse que o preço do barril estava a 200 dólares calava-me, agora assim não me posso calar porque realmente assim não faz sentido. E os portugueses não vão aguentar mais, estão cada vez mais revoltados e qualquer dia vão explodir. 

Estes aumentos poderão contribuir para desincentivar o uso do automóvel?

Não, porque o Governo não sabe governar sem impostos, mais nada. Podem até desincentivar o uso de automóvel, mas para isso têm de apresentar alternativas. Mas não tem alternativas porque os transportes públicos são péssimos e porque as gestões autárquicas têm sido desastrosas, aliás os principais inimigos das autarquias não são os carros são os próprios autarcas que não sabem resolver o problema da mobilidade. Esse é que é o problema e é por isso que Fernando Medina foi à vida. 

Mas usar o transporte particular é visto cada vez mais como um privilégio…

Os portugueses são muito cientes do seu carro. Podem viver numa barraca mas têm de ter o carro à porta. E enquanto não mudarem os hábitos dos portugueses para estes começarem a andar mais de transportes públicos nada disto acaba. Mas o problema é não haver transportes públicos decentes. Só quando houver transportes públicos decentes, em que a pessoa tenha a certeza que sai a horas e chega a horas e não demora três horas dentro de um autocarro é que as pessoas substituem o carro. Até lá há a história de levar as crianças para a escola, é a história de levar uma mãe a um médico, nada disso substitui o transporte individual. 

No entanto, continuamos a ter as metas de descarbonização…

As metas de descarbonização podem ser alcançadas através dos carros híbridos e dos carros elétricos e não só. Hoje em dia há este histerismo do CO2 e dos elétricos, mas a verdade é que atualmente os combustíveis estão cada vez mais limpos e os combustíveis sintéticos não vão poluir rigorosamente nada e, como tal, os carros podem continuar a existir como estão, com motores mais limpos, com combustíveis mais limpos, sem qualquer espécie de problema. Este excitamento e este histerismo do CO2 e dos elétricos é uma coisa que não tem pés nem cabeça. 

Assistimos recentemente à guerra em torno dos carros a gasóleo…

Há cinco anos, o gasóleo era o inimigo público número 1, agora é a gasolina porque já dizem que o gasóleo polui menos do que a gasolina. Isto tem tido evoluções tão grandes ao nível dos combustíveis que os ministros deviam estar calados para não dizerem asneiras. 

E a compra de carros elétricos continua a ser pouco atrativa, pelo menos do ponto de vista financeiro…

Nem pensar que são uma alternativa, tanto que ainda têm autonomias muito curtas. As pessoas não podem ter como carro único um carro elétrico. Se vir os carros elétricos que há em Portugal ou são das câmaras ou do Estado ou dos departamentos governamentais e pouco mais. 

E os carregamentos são cada vez mais caros….

Quando acabar o imposto sobre a gasolina vai começar a haver o imposto sobre a eletricidade. Mesmo que hoje em dia em Portugal se utilize 60% de renováveis para produzir a eletricidade tudo isso tem um custo. Podemos deixar de pagar o ISP mas vamos pagar outra coisa qualquer porque o Estado não consegue viver sem impostos, esse é que é problema.

O setor automóvel foi um dos que mais sofreu com a pandemia com fábricas e stands fechados. Agora vê-se a braços com nova crise que é a dos chips…

Neste momento não há nada a fazer. As marcas estão todas a fazer as suas próprias fábricas de chips, como já aconteceu com a Mercedes e com a Porsche, etc. Porque têm de viver sem estarem dependentes do extremo Oriente e a aposta passa por terem fábricas próprias para fazerem os chips para os seus modelos. 

Ainda assim, vai demorar até ficar tudo estabilizado…

Está quase até terem o seu próprio fabrico. Se calhar demora mais seis meses ou um ano, mas até lá vão recebendo os chips do Oriente e depois fica tudo normalizado. 

Voltando à mobilidade disse numa entrevista ao i que tanto Medina como o vereador da Mobilidade não tinham competência para estarem à frente desta pasta…

Exatamente. Caso contrário não tinham sido corridos. 

O que espera do mandato de Carlos Moedas?

Acho que tem uma posição conciliadora no sentido de poder juntar todas as peças do puzzle. Ele não é contra as ciclovias, nós também não somos contra as ciclovias, agora elas têm é de ser bem feitas, onde podem ser feitas de forma a não prejudicar a mobilidade da cidade. Temos uma cidade que foi construída a seguir ao terramoto de uma determinada maneira, temos que respeitar o seu desenho e, a partir daí, fazer as ciclovias de acordo com o que é possível. E nos casos em que não é possível fazer ciclovias então os ciclistas andam no ambiente rodoviário, como andam as motas e toda a gente. É o que acontece lá fora.

Um dos maus exemplos é a ciclovia da Av. Almirante Reis, em Lisboa?

Exatamente, aquela ciclovia não tem pés nem cabeça. 

Ainda esta terça-feira assistiu-se a uma manifestação na Almirante Reis a defender a ciclovia…

Faz parte, não tenho de me pronunciar. É um direito que os ciclistas têm de se manifestar. A Lusa disse que estavam lá mil ciclistas, mas quem os contou diz que não chegavam a 300. Mas é normal que protestem. Esses movimentos de ciclistas e de ambientalistas têm todo o direito a protestar. Estão a defender os seus direitos e a sua opinião. Vivemos em democracia, mas 100 ciclistas não podem prejudicar a mobilidade na cidade. E no caso da Almirante Reis nem são os carros que prejudicam são também os transportes públicos.

Mas antes das eleições havia a tentação de substituir os carros pelas bicicletas?

Acho que as pessoas vão continuar a andar de bicicleta, ainda bem que o fazem, mas têm é que andar nos sítios próprios e onde for possível andarem. Se for a Paris ou a Genebra ou qualquer lado vê que eles andam misturados no trânsito. Eles têm é que se habituar ao ambiente rodoviário, assim como os automobilistas têm que se habituar a ter ciclistas no ambiente rodoviário. Quando houver esta coexistência pacífica fica o problema resolvido. Agora as ciclovias em Lisboa foi uma loucura de uma promessa de fazer 200 quilómetros que não tinha pés nem cabeça e portanto foi feito a eito, sem estudos, sem nada. Sou deputado da Assembleia Municipal que se fartou de pedir ao Miguel Gaspar [vereador da Mobilidade no último mandato] os estudos, mas nunca entregou nenhum estudo de nenhuma ciclovia porque simplesmente não foram feitos. Fazia a olho e o resultado está à vista.