A vez de Nadine

A vez de Nadine


Um jornalista irrequieto e glamoroso constantemente partícipe em thrillers levados da breca, cuja namorada, Nadine, é sobrinha do comissário de polícia Sigismond Bourdon – um trio que resulta sempre nos quadradinhos


Ric Hochet, série policial e detectives criada em 1958 por André-Paul Duchâteau (1925-2020) e Tibet (Gilbert Gascard, 1931-2010) para a revista Tintin. É do melhor que se fez no género. Ao longo de 78 álbuns – o último é publicado no ano da morte de Tibet –, conta-nos de um jornalista irrequieto e glamoroso constantemente partícipe em thrillers levados da breca, cuja namorada, Nadine, é sobrinha do comissário de polícia Sigismond Bourdon – um trio que resulta sempre nos quadradinhos. Brevemente trataremos da série canónica, porque hoje o álbum pertence aos “Novos Inquéritos de Ric Hochet”, A vaga de revisitações que felizmente ocorre na BD franco-belga não podia deixá-lo de fora, sendo, em 2015, a personagem entregue a Zidrou (Anderlecht, 1962) – esplêndido argumentista de quem já aqui falámos algumas vezes – e a Simon van Liemt (Aix-en-Provence, 1974).

Em Comissaire Griot (2021), Zidrou situa temporalmente a acção em 1970 – uma inovação, uma vez que Ric Hochet pertence ao grupo de personagens que não envelhece, acompanhando o tempo presente. Motivado por um intercâmbio estabelecido entre as polícias de França e do Senegal, Bourdon desloca-se por dois meses a Casamansa, sendo substituído pelo comissário Ousmane Lamine Cissoko Dior, um gigante africano quase sempre irónico com os equívocos de teor racista de que é alvo, numa sociedade parisiense habituada a ver nos filhos das ex-colónias os concidadãos (?) da base da pirâmide social. Zidrou vai aqui de encontro ao espírito do tempo, fazendo-o do nosso ponto de vista, pelo ângulo certo, o do humor.

Outro assunto na ordem do dia é o do empoderamento (palavra horrível) feminino. Na série canónica, estreada há mais de sessenta anos, Nadine era uma fillette graciosa que servia para aligeirar a atmosfera pesada da trama, algo inconcebível actualmente. Agora vive com Ric, foi admitida como repórter no mesmo jornal em que este trabalha e já é não apenas a namoradinha do herói , mas uma parceira bastante mais expedita que o companheiro nos avanços amorosos, o que é sempre uma alegria para o olhar. De resto, nunca se viu tanta roupa interior nestas histórias outrora para rapazes bem comportados. Não tanto pelo que estarão a pensar – não de todo erradamente –, mas porque um dos casos que aflige a polícia é o de um certo “Cupido”, que ataca mulheres na casa dos trinta, quarenta anos, atando-as a uma cadeira, cravando-lhes no coração um punhal, no qual se prende uma carta que lhe é destinada, sempre entoando uma canção romântica. Paralelamente, o cadáver de um velho exorcista é encontrado pela porteira do prédio, com o coração arrancado e depositado na mão, que o médico legista verificará não corresponder ao da vítima… Ao mesmo tempo, em África, Bourdon, em choque cultural, anseia pelo regresso.

Resumindo: um Ric Hochet aggiornato, mas secundarizado por uma esplêndida Nadine e pelo próprio comissário Dior (sem relação de parentesco com a famosa casa, como gosta de dizer…). Van Liemt cumpre com brio. Considerando estar a substituir Tibet, não é nada pouco.

Les Nouvelles Enquêtes de Ric Hochet t. 5 – Commisaire Griot

Texto Zidrou Desenho van Liemt

Editora Le Lombard, Bruxelas, 2021

 

BDTECA

ABECEDÁRIO
L, de Lucky Luke (Morris, 1946). O cowboy que dispara mais rápido do que a própria sombra tornou-se para muitos a epítome do western em BD; e não apenas caricatural, tal a recriação profunda desse imaginário que logrou – sem esquecer Goscinny –, e que Mathieu Bonhomme recentemente certificou. Deixou de fumar, no que fez bem.

LIVROS 
Les Vacances de Donald, de Frédéric Brrémaud e Federico Bertolucci. Esplêndida colaboração ítalo-francesa, põe o Pato Donald em fuga do bulício citadino rumo às placidez campestre, ao volante daquele maravilhoso Belchfire Runabout de 1934, matrícula 313. Tratando-se de Donald, já sabemos que o bulício passa agora para o campo. Uma abordagem mais europeia na planificação das pranchas, com um ritmo narrativo – sem palavras – muito inspirada nas curtas-metragens clássicas produzidas por Walt Disney. (Glénat)
O Jogo das Alterações Climáticas, de Bruno Pinto, Quico Nogueira e Nuno Duarte. “Uma jovem portuguesa chamada Sofia foi contratada para desenvolver um jogo de tabuleiro sobre a mitigação às alterações climáticas e a adaptação às suas consequências. Com o intuito de recolher material e ideias, ela parte à descoberta com o seu irmão mais novo Gabriel – que é um pouco mais alto que ela – numa viagem pela Europa. É assim que conhecem alguns dos efeitos atuais das alterações climáticas: secas, incêndios florestais e inundações.” (Polvo)