Descarbonização, as escolhas difíceis


Em muitos Estados a descarbonização decide a agenda política, mas o discurso emocional em torno da sustentabilidade ambiental não deve fazer esquecer as componentes social e económica.


A discussão política da agenda ambiental tende a demonizar a espécie humana e a não proteger dos efeitos negativos da descarbonização os elementos mais frágeis da sociedade. Para muitas almas puras a descarbonização justificaria uma nova fase de desindustrialização, sem cuidar do aumento do desemprego (sobretudo para os menos qualificados), da diminuição do PIB e do aumento da dependência da Europa em relação à importação de equipamentos e serviços que deixaríamos de produzir (as lições da pandemia são facilmente esquecidas).

Na Alemanha, onde os Verdes estiveram há algumas semanas à frente das sondagens relativas às próximas eleições para o Bundestag, a produção de electricidade a partir do carvão nacional só terminará em 2038 e representa actualmente 35% do mercado. Por razões sociais (manutenção do emprego) e económicas (o carvão é uma fonte barata de energia) os decisores políticos escolheram a sustentabilidade social e económica em detrimento da ambiental.

O mesmo se passou na Polónia onde o carvão nacional se vai manter como principal fonte de produção de electricidade.

Também os franceses decidiram manter o nuclear nacional como principal fonte de produção de electricidade (70% do mercado), ainda por cima barata, aproveitando o facto de as centrais já estarem completamente amortizadas. E continuam a lutar pela qualificação do nuclear como energia renovável para efeitos de aplicação da componente sustentável dos mecanismos de financiamento (Regulamento UE relativo à taxonomia).

Neste Verão do descontentamento energético, a agenda política dos espanhóis tem tema único: o preço do MW/hora no mercado ibérico (comum a Portugal e que já chegou esta semana aos 173€) e a necessidade de aliviar o preço da factura da electricidade. Já em Portugal o preço do MW ainda só foi parcialmente repercutido nas famílias (os grandes consumidores – a indústria que nos resta – estão já a sofrer com os aumentos): vamos alegremente empurrar para debaixo do tapete os custos com a descarbonização, aumentando o défice tarifário que consumidores e contribuintes terão de pagar.

Na segunda-feira as eleições na Noruega foram decididas por um único tema: o que fazer com os recursos nacionais de petróleo e gás natural? A boa consciência justifica a exportação mas não o consumo de combustíveis fósseis. Por essa razão a Primeira Ministra conservadora foi apeada e uma coligação liderada pelos trabalhistas será Governo e tentará o milagre moral da transformação do gás natural em hidrogénio azul.

Numa outra latitude vários membros do Governo de Angola anunciam o advento das energias renováveis. A solução virtuosa para os as economias de transição permitiria um salto directo dos combustíveis fósseis para as energias renováveis tecnologicamente mais avançadas. Sendo o PIB angolano fortemente dependente do petróleo (e, mais recentemente, também do gás natural) o já referido dilema moral norueguês coloca-se numa fase incipiente do processo de acumulação pública de capital. A indústria das energias renováveis irá competir pela captação de recursos orçamentais públicos com as restantes funções do Estado. O mercado da electricidade angolano não tem ainda nem dimensão nem elasticidade para alimentar investimentos privados que possam ser recuperados pelo preço da electricidade. Nestas circunstâncias, e à semelhança do que aconteceu em Portugal com a primeira vaga de renováveis, será grande a tentação para recorrer ao défice tarifário e à respectiva financeirização.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990