Alimentação nas escolas. “Acho que se exagerou ao proibir tanta coisa”

Alimentação nas escolas. “Acho que se exagerou ao proibir tanta coisa”


Mais de 50 produtos alimentares serão banidos dos bares e máquinas de venda automática das escolas no próximo ano letivo. No entanto, a decisão é tudo menos consensual.


Depois de o Governo ter decidido restringir a venda de mais de meia centena de produtos alimentares que são prejudiciais para a saúde, reduzindo, desta forma, o consumo de sal, açúcar e de uma elevada quantidade de calorias, pelas crianças e pelos jovens, nas escolas, as opiniões têm divergido.

“Tenho quatro filhos – dois rapazes, um com 15 anos, outro com seis – e duas raparigas – uma com 13 anos e outra com 11 – e não estou de acordo com as restrições. Aceito que tenham que existir opções mais variadas e saudáveis, mas esta imposição só fará com que mais crianças passem fome”, começa por explicar, em declarações ao i, Elsa Fernandes, residente em Mem Martins, localidade do município de Sintra.

“Sou apologista de que podemos comer de tudo, desde que com moderação. Sou mãe solteira e não tenho de modo algum possibilidade de seguir uma dieta cem por cento saudável, sai muito caro”, desabafa, adicionando que, juntamente com as crianças, come “aquilo que é mais barato” e aceita de bom grado os auxílios que recebe. “Os amigos dão-nos massas, arroz e enlatados. Por esta razão os meus filhos não estão habituados a este tipo de comer que já era imposto nos refeitórios e que agora se estenderá aos bares. Muitas das vezes, no refeitório, passam o cartão, levam o tabuleiro, sentam-se, mexem a comida e colocam o tabuleiro no check-out sem tocar na comida. Como tantos outros”, esclarece, duvidando da qualidade das refeições servidas nas instituições de ensino.

“Além do desperdício, os miúdos ficam sem comer o dia inteiro. Não tenho possibilidade de lhes mandar lanche ou almoço, até porque os almoços deles são gratuitos pelo escalão da Ação Social Escolar”, descortina a mãe que não concorda com o fim da venda de produtos como pizzas, lasanhas ou gelados. “Na minha opinião deveria sim existir a opção de snacks saudáveis para quem – e acredito que cada vez sejam mais, pois as pessoas começam a olhar para a alimentação com outros olhos – queira e não como imposição estendida a todos os alunos. Para mim, uma alimentação saudável é aquela em que comemos de tudo com moderação”, acrescenta, indo ao encontro da perspetiva de Dália Gomes, mãe de duas crianças de 13 e 14 anos, para a qual a retirada de “alguns produtos, como refrigerantes e bolos demasiado calóricos” é benéfica, mas não a proibição de dezenas de alimentos.

“Acho que se exagerou ao proibir tanta coisa, como salgados, folhados, pão com chouriço. Não vão gostar de nada daquilo que se vende lá e vão levar de casa ou comprar fora da escola. Miúdos são miúdos. Eu também já fui criança e lembro-me de como gostava de comer de vez em quando aquelas lambisquices preferidas”, diz, destacando que tem acesso ao extrato do cartão que usam na escola para adquirir refeições e material escolar. “Sempre lhes disse que podiam comer de tudo desde que não exagerassem nas porcarias e eles sempre cumpriram. Ora comiam uma tosta ou pão ora de vez em quando comiam um croissant ou um pão com chouriço de que gostam”, conclui.

“Quando não pomos o dedo na ferida, nada se resolve” “É possível que as medidas tenham um impacto sobretudo, relativamente, ao prazo que existe para as escolas se adaptarem ao diploma”, reconhece Sérgio Fonseca, vice-presidente da Associação do Comércio e da Indústria de Panificação, Pastelaria e Similares (ACIP), fundada pós-25 de Abril aquando do desaparecimento dos Grémios dos Industriais de Panificação e do nascimento das Associações Industriais do setor. “De qualquer forma, a associação e os associados estão comprometidos com esforços na adoção de hábitos alimentares saudáveis”, avança, lembrando que o projeto Selo Pão com “Menos sal, mesmo sabor”, criado por meio de um protocolo celebrado entre a Direção-Geral da Saúde (DGS), o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e as Associações dos Industriais da Panificação, Pastelaria e Similares, com vista a acordar um conjunto de medidas com o objetivo de reduzir o teor de sal no pão, estabeleceu como meta para o ano de 2021 um valor inferior a 1g de sal por 100g de pão.

“Estima-se que 76% dos produtores de pão já apresentam pão com teores de sal inferiores a este objetivo. Nesta situação específica, a nossa associação está disponível para colaborar nas medidas que promovam a alimentação saudável das crianças e dos jovens. Entendemos que temos um problema grande de obesidade que também afeta os mais novos”, adiciona, elucidando que a ACIP defende “que a inclusão ou exclusão de produtos deve ser feita com base em critérios como os valores de sal, açúcar, ácidos gordos trans, valor energético e não com base em definições simples de produtos”.

“Percebemos que se torna mais fácil ter uma lista de produtos proibidos, mas posso ter um produto que se chama pastel de nata, com determinados ingredientes, e outro com o mesmo nome mas com uma composição totalmente distinta. As medidas devem ser implementadas progressivamente para que haja uma boa adesão e se reduza o risco de que os produtos que se querem proibir entrem na escola pelas lancheiras dos alunos”, alerta o profissional para quem seria melhor fazer pequenas alterações ao longo do tempo na alimentação dos mais jovens e não “estimulá-los a passar de um bolo para uma sandes com atum e uma folha de alface”.

“Por outro lado, penso que se deve destacar a promoção que o despacho dá ao consumo de pão no âmbito da dieta mediterrânea e que pode desmistificar a presença do pão na nossa dieta. No entanto, concordo mais com as restrições à alimentação dos hospitais, pois acho que estão devidamente elaboradas e relacionadas com valores nutricionais”, na medida em que, em setembro de 2016, o Governo fixou o mês de março de 2017 como prazo-limite para que fossem retirados das máquinas de venda automática presentes nos hospitais produtos com elevados teores de sal, açúcar e gorduras, como doces, refrigerantes, salgados, refeições rápidas ou com molhos e bebidas alcoólicas.

“Temos mais de 30% das crianças com excesso de peso e obesidade, não sei como é que as pessoas podem ser contra medidas de prevenção como estas. São os pais que educam as crianças e compram as porcarias que vão para as despensas. Não comem legumes porque os adultos não os comem. Temos de liderar pelo exemplo”, garante Nuno Queiroz Ribeiro, o primeiro chef de cozinha português reconhecido pelo Ministério da Saúde com uma Distinção de Mérito por serviços prestados ao Serviço Nacional de Saúde e ao país, pela promoção da saúde, pela prevenção da doença e pela defesa dos sabores e valores da alimentação consciente que, atualmente, alimenta 390 crianças, diariamente, no Colégio Internacional Redbridge School, em Lisboa.

“Continuarão a levar estas porcarias para as escolas de certeza absoluta. E, por isso, é que sempre fui mais ambicioso e cheguei a propor um Plano Nacional de Alimentação ao Ministério da Saúde através do qual educaríamos, com a ajuda da Ordem dos Nutricionistas, todas as gerações”, recorda o profissional que, em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa, foi coautor do programa “Crescer Saudável”, o primeiro projeto piloto português dedicado à alimentação saudável, através do qual conseguiu inserir produtos hortícolas nas refeições servidas em mais de 100 escolas de Lisboa e esteve envolvido na elaboração das ementas dos bares dos hospitais.

“Mais de 50% da população adulta tem excesso de peso ou obesidade. Temos de mostrar às crianças e a todo o parque escolar nacional que se pode promover bons hábitos alimentares. Gastamos menos de 1% na prevenção e 99% na doença. Temos um Ministério da Saúde ou da Doença?”, questiona, confirmando que o diploma “é uma forma de mudar o paradigma, conseguir que as escolas tenham uma nova realidade e as empresas de catering vão ser obrigadas a procurar novas soluções, reinventar o receituário e oferecer as receitas nutritivas e saborosas”, até porque o Executivo de Costa deixou claro que pretende que as escolas públicas comecem a oferecer refeições “nutricionalmente equilibradas, saudáveis e seguras”.

“Temos de viver em equilíbrio. A educação alimentar não acontece de um dia para o outro e propus a criação desta disciplina nas escolas. Disseram que ‘cada vez que um apaixonado fala de um assunto, quer criar uma disciplina’. Não se trata disso, mas sim de saúde”, assevera o pai de três filhos de 9, 13 e 17 anos que, no colégio para o qual trabalha, faz questão que os estudantes comam legumes e vegetais todos os dias, assim como duas refeições vegetarianas por semana. “A alimentação saudável não é cara. Isso é um mito. Os baldes cheios de carne e batatas fritas de cadeias alimentares como a Mc Donald’s é que têm preços elevados”.

“O antigo caderno de encargos para fornecimento de serviço de refeições dava 1 euro e quarenta cêntimos por cada refeição e 81% das cantinas conseguiram o preço de 1 euro e 19 cêntimos pela Unicer. Tiram a margem de lucro, pagam os custos fixos e aquilo que sobra vai para a comida das crianças. Isto é desumano”, lamenta o chef que, nas suas ementas, promove a redução do consumo de proteína animal de acordo com as indicações da Direção Geral de Saúde e da Organização Mundial de Saúde. “Infelizmente, a alimentação das crianças não é uma prioridade para Marta Temido, a atual ministra da Saúde. Quando não pomos o dedo na ferida, nada se resolve”.

Alimentos proibidos

Doces

• Bolos ou pastéis com massa folhada e/ou com creme e/ou cobertura, como palmiers, jesuítas, mil-folhas, bolas de Berlim, donuts, folhados doces, croissants ou bolos tipo queque

• Gelados

• Bolachas e biscoitos do género belgas, biscoitos de manteiga, bolachas com pepitas de chocolate, bolachas de chocolate, bolachas recheadas com creme e bolachas com cobertura

• Rebuçados, caramelos, pastilhas elásticas com açúcar, chupas ou gomas, assim como snacks doces, pipocas doces, sobremesas como mousse de chocolate, chocolates e barritas de cereais

Salgados

• Rissóis, croquetes, empadas, chamuças, pastéis de massa tenra, pastéis de bacalhau e folhados salgados

• Hambúrgueres, cachorros-quentes, pizzas, e lasanhas

• Sandes ou outros produtos com chouriço, salsicha, chourição, mortadela, presunto ou bacon e sandes ou outros produtos que contenham ketchup, maionese ou mostarda.

• Snacks salgados como tiras de milho ou pipocas salgadas

Bebidas

• Refrigerantes de fruta, com cola ou extrato de chá, assim como águas aromatizadas, refrescos em pó, bebidas energéticas e preparados de refrigerantes