Tristezas


Percebe-se que, mesmo metaforicamente, o povo seja tentado a tomar a Bastilha, num qualquer 14 de Julho, mesmo em nome da utopia chamada “liberdade, igualdade, fraternidade”.


1. Os mais recentes desenvolvimentos nos nossos casos de justiça, entre o folclore de detenções à moda do Texas e (graças a um destratado Ivo Rosa) o início do julgamento do DDT, Ricardo Salgado, mostram o país que fomos e somos. O retrato é triste, sobretudo quando pensamos que, no ano 2000, ainda éramos uma promessa europeia, agora transformada num país à deriva. Em todos os níveis da política, nas finanças, na banca, nos seguros, nos fornecimentos de saúde, nas telecomunicações, na energia, nas grandes empresas e grupos, nos reguladores, nas polícias, nas Forças Armadas, na administração pública, na advocacia, nas magistraturas, na comunicação social e obviamente no futebol instalou-se durante anos uma clique de gente que, aliados ou inimigos, esfrangalhou o país, usou e abusou do seu poder, organizou conluios, roubalheiras, golpadas e tudo o que se possa imaginar. Os seus protagonistas iam de vento em popa. Se não fosse a crise financeira de 2008, teriam prosseguido o gigantesco regabofe de amiguismos que constituíram, edificando a maior mostra coletiva do Princípio de Peter que se viu recentemente na Europa. Eram desonestos e, como se não bastasse, eram incompetentes. A seguir à crise, tentaram recompor-se, escondendo, comprando e vendendo a pataco para ocultar prejuízos e esconder, sabe-se lá onde, o produto de desvios e as sobras das falências fraudulentas. Foi outra fase negra de venda de milhões por tostões, cobertos pelos contribuintes e os depositantes bancários, livrando alguns de dívidas escabrosas. Incharam até rebentar! Ao estoirar, espalharam sobre terceiros a maior parte da porcaria que fizeram, garantindo mesmo assim pés de meia nos colchões, nas offshores pessoais e em cofres espalhados pelo mundo. Cerca de 15 anos depois dos factos, a nossa lenta justiça lá vai investigando matérias que normalmente já foram resolvidas por artes financeiras, novas golpadas, fugas para o Brasil ou até morte dos trafulhas. No meio disto surgem uns tontos, uns inocentes, uns incautos e uns espertos a fazerem-se de parvos, até no parlamento. O facto, porém, é que muitos dos responsáveis pelos crimes, os seus facilitadores políticos e consultores passam incólumes por tudo isto. Para dar um ar de eficácia, alguém (na justiça ou nas polícias) aproveita para usar motos, carrinhas escuras, escoltas (bem se vê que não pagam a gasolina), guarda-costas, pirilampos, sirenes, metralhadoras, drones, enfim toda uma parafernália de equipamentos que não se vê sequer quando se apanha um grande traficante na América Latina. Tudo para transportar uns seniores fisicamente inofensivos, que podiam ser levados e detidos por dois polícias singelos à beira da reforma. Deixam-nos depois a aboborar três dias em celas até os apresentar ao juiz de instrução em eventual fragilidade, enquanto cá para fora jorram fontes que debitam notícias ao minuto. A justiça espetáculo disfarça incapacidades como as que fazem que Sócrates só responda em tribunal no ano que vem e mesmo assim porque Ivo Rosa acelerou o processo. Noutras latitudes, os que foram agarrados já foram praticamente todos julgados e condenados. Cá, a procissão vai no adro. A degradação dos regimes mede-se pela corrupção e a incapacidade da sociedade em estabelecer padrões de ética comummente aceites. Percebe-se bem que, por vezes, mesmo metaforicamente, o povo seja invadido da vontade de tomar a Bastilha, num qualquer 14 de julho, em nome de uma magnifica utopia chamada “liberdade, igualdade, fraternidade”.

2. Vítor Fernandes é um gestor bancário. Esteve em todo o lado sem se dar muito por ele. Várias das instituições por onde passou correram mal aos contribuintes. Mesmo assim, o governo e o Banco de Portugal queriam nomeá-lo para liderar o Banco de Fomento que vai fundamentalmente gerir os fundos bazuca. Entretanto, soube-se que a criatura terá alegadamente ajudado Luís Filipe Vieira a regularizar, através de estranhas operações financeiras, as dívidas que tinha no BES e que transitaram para o Novo Banco. A nomeação ficou suspensa. É obviamente urgente encontrar outra figura para este poiso de tachos do bloco central. Se pudesse ser um dinamarquês, os portugueses agradeciam. É provavelmente a única hipótese de evitar dissabores futuros ao povo pagante. Falando em grupos financeiros, vão surgir quatro listas candidatas à mutualista Montepio que controla o respetivo banco. Aparecem nomes de arrepiar em algumas delas, ou mesmo todas. Só faltava que também ali surgissem outros arietes dos desastres financeiros. É muito importante que a ASAF, o regulador da mutualista, verifique rigorosamente a idoneidade de todos os candidatos aos lugares em disputa. Fica o alerta.

3. Na situação pandémica, é altamente preocupante a falta de informação sobre questões essenciais. Os números atuais reportam 7 ou 8 mortes diárias, enquanto os contágios e internamentos sobem preocupantemente. Os óbitos são noticiados sem elementos essenciais. Qual a idade das pessoas que morrem? Estavam total ou parcialmente vacinados? Ou não o estavam de todo? Sobre isso nada. São dados relevantes para perceber a evolução. É má informação oficial e má investigação jornalística. Nas televisões a coisa é aflitiva. Vale a imprensa diária, a Rádio Observador e o seu site, e os semanários tradicionais (Expresso, Nascer do Sol, Sábado e Visão)

4. Mamadou Ba é um homem inteligente e especialmente perigoso no seu sectarismo seletivo e no seu revisionismo histórico no sentido de um novo politicamente correto, já transformado em fanatismo dogmático, designadamente nos Estados Unidos e Reino Unido. O pretexto de ser antirracista e anticolonialista permite a Mamadou insultar e denegrir quem entenda. Beneficia de inexplicável permissividade e complacência dos moderados. Recentemente, Mamadou acusou Manuel Luís Goucha de ser um sinistro homonacionalista (traduzindo: um homossexual de direita) porque decidiu apoiar a candidata do PSD à Câmara da Amadora, uma tal Suzana Garcia que pouco tem de social-democrata, sendo mais próxima do Chega, em termos de linguagem política. Mamadou omitiu que Goucha fez mais do que muitos movimentos pela afirmação dos direitos humanos e em concreto dos respeitantes aos homossexuais, mostrando coragem num tempo de opacidade tabu. Para Mamadou, há homossexuais bons (os de esquerda) e maus (os que não são da esquerda). Dele não se ouve nada contra a barbárie de certos países e regiões onde os homossexuais são mortos e torturados, onde os albinos são eliminados à nascença, onde há mutilação genital de meninas e onde impera o ódio tribal, racial e religioso. E também não há nota de proclamações de contra os que querem impor essas práticas na Europa democrática, criando partidos islâmicos. Não admira que, por contraponto, surjam fenómenos nacionalistas de direita e persistam regimes ditatoriais de esquerda, alérgicos a questões raciais e de género, como a China.

5. O povo cubano saiu à rua exigindo liberdade, vacinas e comida, numa altura em que a pandemia alastra dramaticamente. A repressão violenta acentuou-se ainda mais numa das mais ferozes ditaduras do mundo. A Rússia já disse tratar-se de uma insurreição comandada do exterior, dando apoio ao sucessor dos sangrentos Castro. Há perigo óbvio de internacionalização do problema. Os democratas verdadeiros devem estar solidários com a luta dos cubanos pela democracia. Viva os revolucionários cubanos!

 

Escreve à quarta-feira