O observador independente


Quando a decisão de um autarca ou quando uma ação profissional resulta em benefícios para o próprio ou para pessoas das suas relações é razoável questionarmo-nos sobre o que esteve na origem desse resultado.


Imagino que, tal como eu, já se terá indignado com decisões e ações tomadas por políticos ou outros profissionais onde os interesses pessoais parecem sobrepor-se às obrigações, a que estão social ou profissionalmente vinculados. Quando a decisão de um autarca ou quando uma ação profissional resulta em benefícios para o próprio ou para pessoas das suas relações é razoável questionarmo-nos sobre o que esteve na origem desse resultado. É, também, conhecido que, quando inquiridos sobre as suas ações, os visados não só ficam ofendidos como apresentam uma lógica de raciocínio que, na sua opinião, sustenta a sua conduta.

A casos como os que descrevi dá-se o nome de conflito de interesses. Que se pode definir como sendo uma situação em que existe um conflito entre os interesses pessoais do indivíduo e as suas obrigações profissionais, de tal forma que um observador independente se possa questionar se as ações ou decisões profissionais foram afetadas pelo interesse pessoal (Chinn e Kulakowski, 2006). Uma das características interessantes desta definição é a de se basear naquilo que será a perceção de um observador independente e não em critérios sobre o maior ou menor valor económico ou social dos eventuais benefícios pessoais.

Existe, no entanto, a dificuldade com aquilo a que os cientistas cognitivos chamam de raciocínio motivado que nos leva a pensar sobre um tópico com o objetivo, consciente ou inconsciente, de chegar à conclusão que queremos. É o raciocínio motivado que nos faz apontar as faltas não assinaladas à outra equipa e ficarmos indignados com as que são assinaladas à nossa.

O raciocínio motivado leva-nos a valorizar argumentos e factos favoráveis aos nossos objetivos e menosprezar os que os contrariam. São exemplos de objetivos ou necessidades que podem motivar o raciocínio, os interesses financeiros pessoais, a preservação de uma autoimagem positiva ou a proteção da relação com outros a quem estamos ligados ou de quem dependemos material ou emocionalmente. O raciocínio motivado impede-nos de ter a visão do observador independente.

A forma habitual de lidar com este conflito tem sido a de remover do processo todos os indivíduos com potencial para ter algum interesse pessoal no assunto. Um crescente número de pessoas, onde me incluo, acha que esta solução é ineficaz dado que o conflito de interesses é inevitável e as organizações e os indivíduos devem saber lidar com ele. Para isso é necessário que a situação seja analisada por um observador independente que reduza o efeito do raciocínio motivado. Desta forma, mesmo indivíduos com conflito de interesses podem dar contributos relevantes para o processo de decisão.

Há dois instrumentos essenciais para uma organização lidar com o conflito de interesses: as políticas e o regulamento de conflito de interesses e a conduta individual. No primeiro inclui-se a forma e a obrigatoriedade da declaração de conflito de interesses e de quem tem a responsabilidade de rever e avaliar essas declarações, bem como os mecanismos para a revisão independente de contratos e outras propostas de decisão. A conduta individual é, para mim, mais importante por se aplicar mesmo quando não existam políticas ou regulamentos institucionais explícitos para o conflito de interesses. Os profissionais devem estar sensibilizados e ser capazes de identificar potenciais conflitos, e devem assumir com normalidade a solicitação da declaração de conflito de interesses e esta informação deverá estar incluída na recomendação ou justificação para uma determinada ação ou decisão. Em particular, os profissionais devem sentir-se livres de solicitar uma revisão independente sempre que haja dúvidas sobre a existência de interesses pessoais.

O conflito de interesses foi o tema de um painel para que fui convidado na edição deste ano da conferência dos profissionais de transferência de ciência e tecnologia de um painel na edição deste ano da conferência dos profissionais de transferência de ciência e tecnologia (ASTP) que decorreu há uma semana. Foi moderado por George Summerfield um advogado com mais de 20 anos de experiência em propriedade intelectual e contou com a participação de Jörn Erselius, diretor da Max-Planck Innovation. O meu papel foi de mostrar os desafios que enfrentam os profissionais de transferência de conhecimento das Universidades no conflito entre os requisitos das empresas que pretendem o licenciamento de tecnologias e a missão e obrigação de igualdade da Universidade. Estes desafios são mais intensos quando existe uma ligação entre os inventores e as empresas que pretendem o licenciamento, como é o caso de startups criadas pelos investigadores ou quando existe uma colaboração de longo termo entre estes e a empresa.

Um dos casos dado como exemplo foi o da Universidade da Califórnia que tem um processo de revisão onde a proposta de decisão de licenciamento do profissional de transferência de tecnologia juntamente com as informações sobre conflito de interesses recolhidas são alvo de uma análise independente. O analista avalia as peças documentais que levaram à proposta de decisão, relaciona-a com outras decisões anteriores de licenciamento, e escreve uma recomendação. A proposta de decisão e a recomendação independente são levadas em conjunto ao decisor final.

A sondagem de opinião feita na sessão e as perguntas que se sucederam às apresentações demonstraram a preocupação da audiência com o tema, justificando a realização do painel. Da minha parte, penso ter conseguido transmitir a inevitabilidade do conflito de interesses e a importância da conduta individual. Pensando melhor, esta conclusão talvez seja apenas o fruto de um raciocínio motivado. Faltou-me um observador independente.

 

Professor do Instituto Superior Técnico


O observador independente


Quando a decisão de um autarca ou quando uma ação profissional resulta em benefícios para o próprio ou para pessoas das suas relações é razoável questionarmo-nos sobre o que esteve na origem desse resultado.


Imagino que, tal como eu, já se terá indignado com decisões e ações tomadas por políticos ou outros profissionais onde os interesses pessoais parecem sobrepor-se às obrigações, a que estão social ou profissionalmente vinculados. Quando a decisão de um autarca ou quando uma ação profissional resulta em benefícios para o próprio ou para pessoas das suas relações é razoável questionarmo-nos sobre o que esteve na origem desse resultado. É, também, conhecido que, quando inquiridos sobre as suas ações, os visados não só ficam ofendidos como apresentam uma lógica de raciocínio que, na sua opinião, sustenta a sua conduta.

A casos como os que descrevi dá-se o nome de conflito de interesses. Que se pode definir como sendo uma situação em que existe um conflito entre os interesses pessoais do indivíduo e as suas obrigações profissionais, de tal forma que um observador independente se possa questionar se as ações ou decisões profissionais foram afetadas pelo interesse pessoal (Chinn e Kulakowski, 2006). Uma das características interessantes desta definição é a de se basear naquilo que será a perceção de um observador independente e não em critérios sobre o maior ou menor valor económico ou social dos eventuais benefícios pessoais.

Existe, no entanto, a dificuldade com aquilo a que os cientistas cognitivos chamam de raciocínio motivado que nos leva a pensar sobre um tópico com o objetivo, consciente ou inconsciente, de chegar à conclusão que queremos. É o raciocínio motivado que nos faz apontar as faltas não assinaladas à outra equipa e ficarmos indignados com as que são assinaladas à nossa.

O raciocínio motivado leva-nos a valorizar argumentos e factos favoráveis aos nossos objetivos e menosprezar os que os contrariam. São exemplos de objetivos ou necessidades que podem motivar o raciocínio, os interesses financeiros pessoais, a preservação de uma autoimagem positiva ou a proteção da relação com outros a quem estamos ligados ou de quem dependemos material ou emocionalmente. O raciocínio motivado impede-nos de ter a visão do observador independente.

A forma habitual de lidar com este conflito tem sido a de remover do processo todos os indivíduos com potencial para ter algum interesse pessoal no assunto. Um crescente número de pessoas, onde me incluo, acha que esta solução é ineficaz dado que o conflito de interesses é inevitável e as organizações e os indivíduos devem saber lidar com ele. Para isso é necessário que a situação seja analisada por um observador independente que reduza o efeito do raciocínio motivado. Desta forma, mesmo indivíduos com conflito de interesses podem dar contributos relevantes para o processo de decisão.

Há dois instrumentos essenciais para uma organização lidar com o conflito de interesses: as políticas e o regulamento de conflito de interesses e a conduta individual. No primeiro inclui-se a forma e a obrigatoriedade da declaração de conflito de interesses e de quem tem a responsabilidade de rever e avaliar essas declarações, bem como os mecanismos para a revisão independente de contratos e outras propostas de decisão. A conduta individual é, para mim, mais importante por se aplicar mesmo quando não existam políticas ou regulamentos institucionais explícitos para o conflito de interesses. Os profissionais devem estar sensibilizados e ser capazes de identificar potenciais conflitos, e devem assumir com normalidade a solicitação da declaração de conflito de interesses e esta informação deverá estar incluída na recomendação ou justificação para uma determinada ação ou decisão. Em particular, os profissionais devem sentir-se livres de solicitar uma revisão independente sempre que haja dúvidas sobre a existência de interesses pessoais.

O conflito de interesses foi o tema de um painel para que fui convidado na edição deste ano da conferência dos profissionais de transferência de ciência e tecnologia de um painel na edição deste ano da conferência dos profissionais de transferência de ciência e tecnologia (ASTP) que decorreu há uma semana. Foi moderado por George Summerfield um advogado com mais de 20 anos de experiência em propriedade intelectual e contou com a participação de Jörn Erselius, diretor da Max-Planck Innovation. O meu papel foi de mostrar os desafios que enfrentam os profissionais de transferência de conhecimento das Universidades no conflito entre os requisitos das empresas que pretendem o licenciamento de tecnologias e a missão e obrigação de igualdade da Universidade. Estes desafios são mais intensos quando existe uma ligação entre os inventores e as empresas que pretendem o licenciamento, como é o caso de startups criadas pelos investigadores ou quando existe uma colaboração de longo termo entre estes e a empresa.

Um dos casos dado como exemplo foi o da Universidade da Califórnia que tem um processo de revisão onde a proposta de decisão de licenciamento do profissional de transferência de tecnologia juntamente com as informações sobre conflito de interesses recolhidas são alvo de uma análise independente. O analista avalia as peças documentais que levaram à proposta de decisão, relaciona-a com outras decisões anteriores de licenciamento, e escreve uma recomendação. A proposta de decisão e a recomendação independente são levadas em conjunto ao decisor final.

A sondagem de opinião feita na sessão e as perguntas que se sucederam às apresentações demonstraram a preocupação da audiência com o tema, justificando a realização do painel. Da minha parte, penso ter conseguido transmitir a inevitabilidade do conflito de interesses e a importância da conduta individual. Pensando melhor, esta conclusão talvez seja apenas o fruto de um raciocínio motivado. Faltou-me um observador independente.

 

Professor do Instituto Superior Técnico