O país parece ter acordado surpreendido com a “descoberta” da existência de milhares de trabalhadores imigrantes das estufas da região da costa alentejana, e não só, em condições de habitação sub-humanas.
Parece ter atravessado Portugal de norte a sul um enorme Oh!, de espanto, acompanhado pelas habituais reações de indignação, no tom lacrimoso do crocodilo.
O que agora está em causa é a saúde pública. Muitos trabalhadores das estufas vivem em habitações minúsculas, sem condições e literalmente amontoados. Alguns deles foram contagiados com a covid e, tendo em conta as condições em que vivem, a pandemia pode alastrar como fogo em palha.
Foi exatamente o risco da propagação da doença atingir os outros habitantes que levou a que o Governo atuasse.
Como já vem sendo habitual, a inspiração do ministro da Administração Interna levou-o à requisição civil de habitações particulares num empreendimento turístico, para alojar os imigrantes contaminados. Os proprietários insurgiram-se e impediram que a medida se concretizasse. E, claro, o Governo recuou.
Eduardo Cabrita, que certamente desconhecia a situação – como parece desconhecer quase tudo – lá foi a correr a Odemira para dizer que agora a prioridade é a saúde pública. Quanto à questão social – que dura há vários anos – logo se verá.
O ministro recordou mesmo que existe uma secretaria de Estado para a integração de Migrantes. E como há uma Secretaria de Estado, está tudo resolvido.
A situação dos trabalhadores imigrantes sazonais, contratados para a agricultura em diversas regiões do país, é antiga. As diversas autoridades têm fechado os olhos a esta situação e só agora, quando a saúde dos locais pode estar em risco, é que parecem ter despertado.
O próprio primeiro-ministro fala agora de “violação gritante dos direitos humanos”.
Entretanto, o sindicato dos inspetores do SEF recordou já que, em 2018, denunciou a situação dos trabalhadores agrícolas sazonais do Alentejo.
No Relatório Anual de Segurança Interna desse ano, o SEF reportou “a existência de casos de tráfico de seres humanos e crimes conexos ligados à questão dos migrantes em Portugal”, afirmou o presidente do sindicato à agência Lusa.
Alguém ouviu? Alguém se preocupou? Que medidas foram tomadas?
Ninguém sabia, portanto.
Ficaram todos muito odemirados.
Jornalista