Elidérico Viegas. “É uma falácia dizermos que temos turistas estrangeiros na Páscoa”

Elidérico Viegas. “É uma falácia dizermos que temos turistas estrangeiros na Páscoa”


O presidente da AHETA admite que este período está “completamente perdido” e todas as reservas que possam existir serão residuais.


Perdidos o Carnaval e, agora, a Páscoa, os olhos estão postos nos feriados de junho, na expectativa do aumento da procura interna. Só depois é que a esperança irá recair em julho e agosto, mas tudo depende dos planos do Governo. Em relação aos turistas estrangeiros, o presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA) admite que a captação será mais difícil: “Não é com um estalar de dedos que começamos a ter turistas”, garante. Para este ano, as perspetivas não são animadoras: “Vamos ter um ano idêntico ao de 2020, que foi o pior ano de sempre”. E lembra que o setor vai estar dois anos e meio sem receitas e com contas deficitárias. Uma das soluções, para Elidérico Viegas, seria dar prioridade aos trabalhadores da hotelaria e restauração no plano de vacinação para dar maior segurança a Portugal como destino turístico. O responsável também aponta o dedo ao Governo. “O plano específico de emergência para recuperar o Algarve que foi anunciado ficou na gaveta e na algibeira do senhor ministro”, acusa.

Houve a ideia de que os estrangeiros poderiam atravessar concelhos durante o fim de semana da Páscoa. Seria uma boa notícia para o setor?

Os estrangeiros poderiam circular entre a fronteira e a unidade hoteleira, mesmo que isso implicasse atravessar concelhos. Isto significaria que poderiam fazê-lo quando chegassem e quando partissem. Mas só se poderia aplicar até chegarem ao hotel. A partir daí, já não poderiam ir para outro concelho. O que significaria que, a partir desse momento, ficariam confinados, tal como a população residente. Se o individuo chegasse ao aeroporto de Faro e se fosse para um hotel em Albufeira atravessaria três concelhos: Faro, Loulé e Albufeira. Poderia deslocar-se entre o caminho do aeroporto e o hotel em Albufeira. E do hotel em Albufeira para o aeroporto, por exemplo. Também se fosse para Sagres poderia atravessar quase 12 ou 13 concelhos.

Mas depois do hotel não poderia sair…

Poderia querer passear e não poderia.

E essa medida não estaria a discriminar os cidadãos portugueses em relação aos estrangeiros?

Os portugueses não podem vir para o Algarve, a não ser que tenham uma justificação válida. Mas em relação aos turistas estrangeiros, isso também seria uma falácia porque não há turistas estrangeiros. As fronteiras com Espanha estão fechadas, com o Reino Unido também, não há transportes. Como é que chegam cá? Isso é ‘só para inglês ver’ porque não temos cá ingleses.

É mais uma Páscoa perdida?

Completamente perdida. A Páscoa está completamente comprometida, a 100%. 

Não há reservas?

Tudo o que possa existir é residual. Não tem expressão. Os hotéis continuam encerrados e há unidades que nem sequer têm perspetiva de abrir em abril. Só depois disso é que poderão abrir. Os hotéis são máquinas pesadas, não se decide encerrar um hotel, fecha-se a unidade e vai tudo para casa. Não é assim, há certos mínimos que, mesmo com o hotel encerrado, têm de continuar a ser garantidos. É o caso dos serviços de limpeza, da manutenção, da conservação, administrativos, etc., tudo isto tem de continuar a funcionar. É isso que também permite reabrir rapidamente se for necessário. Neste momento, há de facto algumas intenções em reabrir os hotéis em abril, mas as reaberturas vão surgindo à medida que a procura for aumentando e as procuras não vão aumentar de repente. A minha perspetiva é que, se tudo correr bem, como todos esperamos e desejamos, nos feriados de junho iremos assistir a um aumento da procura interna e nos meses de julho, agosto e parte de setembro, tal como aconteceu no ano passado, vamos assistir sobretudo ao aumento da procura interna e de alguma procura externa, mas residual. Enquanto não tivermos o problema sanitário resolvido não teremos procura externa. Só depois de a situação melhorar muito significativamente é que podemos então assistir a um aumento da procura, mas isso só depois de assistirmos a algum levantamento gradual das restrições. Não vale a pena agora estar a antecipar cenários se não sabemos se se vão confirmar ou não. Em relação à procura interna, se tudo correr bem, os feriados de junho e os meses de julho e de agosto poderão dar algum fôlego.

Mas para existir algum fôlego nos feriados de junho é necessário que o estado de emergência não se prolongue até lá…

Para já, o Presidente da República fez constar que o estado de emergência irá durar até ao fim de maio. E no estado de emergência há restrições que podem continuar ou não. Por exemplo, a circulação entre concelhos poderá vir a verificar-se. Neste momento, não vale a pena estar a antecipar cenários. Mas isso são coisas determinantes para a hotelaria porque o Governo não decide hoje levantar as restrições e amanhã começamos a ter turistas. Não é logo imediato. Tudo isto precisa de tempo e não é com um estalar de dedos que começamos a ter turistas. Era bom que assim fosse.

Em agosto antecipou um aumento da taxa de desemprego a partir de outubro. Isso veio a acontecer?

Claro. Veio a acontecer e continua a acontecer. Em fevereiro tivemos um aumento do desemprego de 74,1% relativamente ao período homólogo e, isto significa que, se o desemprego continuar a aumentar exponencialmente, mesmo quando se aproximar a época turística não haverá pessoas porque também não há procura.

Corremos o risco de existirem negócios que não voltarão a abrir portas?

Há unidades, principalmente aquelas empresas familiares – nomeadamente ao nível da restauração, dos bares e do pequeno comércio – que encerraram e já não vão voltar a reabrir. É o caso do alojamento local, do alojamento privado, em que empresas dessas fecharam e, face às dificuldades, muitas deles, não voltarão a reabrir. Esses negócios acabaram. Para este ano vamos ter um ano idêntico ao de 2020, que foi o pior ano de sempre. Não temos expectativas diferentes relativamente a essa matéria. Este ano vamos assistir sobretudo ao aumento da procura do mercado interno nos meses de verão, se tudo correr bem, mas não será muito diferente em relação ao que assistimos em 2020. Isto significa que vamos estar dois anos e meio sem receitas e com contas deficitárias, porque só a partir da Páscoa do próximo ano é que poderemos ter alguma expectativa relativamente à retoma. Porque depois do verão, mesmo que as coisas corram bem e tenhamos atingido a imunidade de grupo em setembro, tal como está previsto, o inverno é sempre deficitário. Já antes da pandemia, a época baixa era deficitária e agora será ainda muito mais deficitária. Só podemos contar com a retoma e, mesmo assim, gradual, progressiva, lenta, a partir da Páscoa do próximo ano. Portanto, temos aqui um problema de quatro ou cinco anos.

Ainda esta semana, Portugal foi eleito destino turístico preferido na Europa. Isso não dará um empurrão ao setor?

Em relação a esses prémios só nós é que os conhecemos, o resto do mundo não sabe. São eleições feitas por entidades privadas que se regem por princípios económicos, de rentabilidade económica e, como tal, pagamos e ficamos no lugar que queremos. Estes prémios que andamos a apregoar com frequência são prémios atribuídos por estruturas ou organizações privadas que têm como fim o lucro e que vendem lugares em função dos preços que se pagam. Todos em Portugal compram bem isso, mas o resto do mundo não sabe nada. Ninguém sabe que somos os melhores do mundo, só nós é que sabemos. Mas quando somos os piores do mundo na questão do combate à pandemia todos ficaram a saber. Isso é outra questão que está em cima da mesa, pois temos de reconquistar a idoneidade internacional que se perdeu. Temos de recuperar essa credibilidade que tínhamos internacionalmente, uma vez que, ao sermos considerados um dos piores do mundo em termos de combate da pandemia essa imagem turística de Portugal não vai ser fácil de recuperar. Isso vai exigir uma estratégia de comunicação e de promoção muito bem elaborada e terá de contar com investimentos importantes e significativos. Não vale a pena dizer que as pessoas se esquecem disso, porque as pessoas não o esquecem. 

E o plano de vacinação não está a correr da melhor forma…

Portugal é um mau exemplo nesta matéria porque o Reino Unido pensa, no final de maio, ter toda a sua população vacinada. Em Portugal, em três meses vacinámos apenas 5% da população. Não vale a pena dizermos que somos os melhores do mundo. Isto não vai com declarações de boa vontade, esta situação que atravessamos só vai com dados concretos e objetivos. Enquanto não tivermos o número de infetados por cem mil habitantes inferior àquele mínimo que é considerado seguro, enquanto não tivermos um Rt abaixo daquele mínimo que é considerado seguro e, enquanto não tivermos, uma vacinação em massa da população para atingirmos a imunidade de grupo, ou seja, enquanto, não tivermos a questão sanitária resolvida temos dificuldade em restabelecer os fluxos turísticos normais. Esse restabelecimento não vai com conversa. E ou encaramos isso como desígnio nacional ou então temos de nos sujeitar às consequências.

E as consequências estão à vista…

Exatamente…

Defendeu esta semana que os trabalhadores da hotelaria e restauração devem integrar grupos prioritários de vacinação. Deu essa indicação ao Governo?

Não mandei nada ao Governo, nem sei quem decide isso. Quem é a entidade responsável? É o vice-almirante? É a Direção-Geral da Saúde? É a Direção Regional? É a Administração Regional de Saúde? É o Governo? Não sei, mas pelo menos, quem decide já sabe o que pretendemos. E não estamos a ser a ser inovadores nessa matéria, há países que seguiram esse principio. A Grécia fez isso, o Dubai também fez isso, embora não possamos comparar ao Dubai. Mas há países onde o turismo é importante, como é o nosso caso, que optaram pela vacinação dos profissionais, sobretudo do alojamento e restauração e isto tem lógica. Faz sentido. É uma forma de introduzir confiança aos utilizadores. O passaporte verde ou passaporte digital que estamos a falar é para garantir confiança por parte dos turistas. Isto é, dão a garantia que foram vacinados ou que estão imunes. Mas e em relação aos destinos? Como podemos garantir que o nosso destino é seguro? Temos os profissionais todos vacinados? Se fosse assim, está bem.

Estamos a falar de um setor que exige um grande contacto entre as pessoas…

Exatamente, o contacto humano é fundamental e primordial nesta atividade. Este é um setor onde as pessoas contactam umas com as outras. Não é virtual. O turismo obriga à deslocação ao local da produção dos serviços. Ninguém beneficia das praias do Algarve se não vier cá. Não é por computador que gozam a praia, têm de vir cá. Esses valores turísticos ou produtos turísticos exigem essa deslocação e, como tal, exigem o contacto humano. É óbvio que, na situação que atravessamos, em que a transmissão é feita precisamente pelo contacto humano, é necessário que haja vacinação. Se há vacinação, então deve ser considerada prioritária para este setor. A vacinação dos profissionais do setor do turismo assume-se, no atual contexto económico e sanitário, como uma mais-valia competitiva na fase da retoma, face a outros destinos concorrentes, período em que a disputa competitiva vai ser muito acentuada. Mas para isso temos de definir se o turismo é considerado um setor estratégico ou não. E se não é digam-no. No meu entender, acho que o Governo não está a considerar o turismo como uma atividade estratégica e prioritária. O Governo está prisioneiro do relatório do professor Costa Silva que não conhece o turismo nem sabe nada de turismo e considera que a reindustrialização é boa na perspetiva de que temos turismo a mais e outros setores a menos. E, como tal, então temos de parar o turismo. Parando o turismo ficamos ao nível dos outros setores. Baixamos a nossa fasquia. O problema é que não temos turismo a mais, temos é outros setores a menos. Para o sucesso do próprio turismo era importante que os outros setores económicos se pusessem mais a par do nosso. A solução não é reduzir o turismo para que fique ao nível dos outros. Temos é que desenvolver os outros.

Quando o turismo estava em alta havia sempre uma promoção e incentivo ao setor. Agora que está em queda sente que há um virar de costas?

É constrangedor. 

Mas o Governo anunciou uma verba só para o Algarve para o relançamento da economia…

Tudo conversa. O plano específico de emergência para o Algarve está na gaveta do esquecimento. Foi anunciado em julho. Não saiu mais da gaveta.

Eram 300 milhões…

É tudo conversa. Os 300 milhões eram um reforço de verbas comunitárias do chamado Fundo de Coesão para algumas obras públicas, para investimentos públicos e que no caso do Algarve seria a transbase do Pomarão para o sistema de barragens de Odeleite Beliche, para uma salinizadora, para tratamento de alguns residuais nas estações de tratamentos. Ou seja, nem sequer contemplaram algumas infraestruturas de alguns equipamentos em que o Algarve é deficitário, como é o caso do hospital central. Já foi inaugurada não sei quantas vezes mas ainda não saiu do papel. Já fui a não sei quantas inaugurações da primeira pedra do Hospital Central do Algarve desde o Sócrates e companhia mas nunca vi coisa nenhuma. E outros investimentos como a requalificação da N125 até Vila Real de Santo António, a ligação ferroviária ao aeroporto… nada disso está contemplado. Está definida a eletrificação da linha férrea mas não está a modernização de material circulante, mas não está a ligação ao aeroporto, nem está a melhoria da linha férrea para Lisboa, o estudo da ligação à rede de alta velocidade através de Sevilha… tudo isso foi esquecido. Esse dinheiro era só para isso. O plano específico de emergência para recuperar o Algarve que foi anunciado ficou na gaveta e na algibeira do senhor ministro. 

E em relação aos apoios para o setor? Que análise faz?

Em termos gerais, as medidas anunciadas sabem a pouco, tendo sido tomadas na perspetiva de uma retoma progressiva da economia que, no caso do turismo, ainda não aconteceu. Estão neste caso, por exemplo, a prorrogação das moratórias até ao próximo mês de setembro, o que não só não resolve os problemas das empresas hoteleiras e turísticas do Algarve, como as deixa mergulhadas num mar de incertezas e, por conseguinte, sem perspetivas de futuro. E isto porque as empresas hoteleiras algarvias enfrentam uma gestão deficitária desde o final do mês de outubro de 2019, o que conduziu à sua descapitalização, sendo que as previsões para o próximo Verão não permitem arrecadar receitas suficientes para suportar os elevados custos fixos dos empreendimentos turísticos regionais durante a próxima época baixa. E face a isto, o Governo quer que continuemos a fazer pagamentos especiais por conta quando não temos lucros? Isto parece mentira. Continuarem a exigir um pagamento especial por conta de lucros quando se sabe que as empresas tiveram quebras de 70%, 80%. Há um ano e meio que não temos receitas. Nem sei sequer como classificar isto.

E não é por falta de alerta…

Nem de alerta, nem por falta de propostas. Enviamos estas propostas por escrito ao membro do Governo competente e ao primeiro-ministro.

Algumas das propostas foram contabilizadas?

Nada. As primeiras medidas que o Governo tomou no ano passado, logo em março, foram as que se justificavam naquela altura e o Governo, nessa época, esteve bem. Anunciou aquelas medidas na perspetiva que, ao fim de três meses, tudo estaria resolvido. Como não acabou aí e até piorou, o Governo em vez de reforçar e renovar as medidas, como já se sabia que ia demorar muito mais tempo, aprovou medidas na perspetiva da retoma progressiva como se houvesse retoma. E anunciou medidas para todos os setores de atividade, sem ter em conta a especificidade de cada um dos setores. Em outros setores é verdade que há quebras. Mas foram quebras de 20%, 30% ou 40%, no entanto, continuaram a laborar, continuaram a exercer a sua atividade. No turismo houve uma quebra total. 

Chamou a atenção para a abertura dos campos de golfe, que continuam fechados apesar de ser considerado seguro. Temos um parecer da secretária de Estado que diz que podem reabrir a partir do dia 5 de abril.  Peca por tardio?

Vão reabrir, mas as fronteiras estão fechadas. Como é que as pessoas vêm cá? É melhor que nada mas só dá para os residentes. O Algarve tem uma comunidade estrangeira residente importante porque há muitos que optaram por ficar cá, reformados ingleses… Os campos têm custos de manutenção fixos e não é por as pessoas não jogarem que não têm custos. Não podem fechar, virar as costas e depois quando abrirem aquilo está tudo em condições. Não pode ser. As relvas não serem tratadas, as manutenções não serem feitas não dá condições e isso não está a ser assegurado.

Em relação ao Grande Prémio da Fórmula 1. No ano passado houve uma grande polémica por causa de distância entre o público e este ano vai ser à porta fechada. Era importante para o turismo ter esta prova de porta aberta?

Estes eventos são necessários em situações normais. Além de atraírem turistas, depois têm uma grande cobertura mediática internacional e funcionam como meios de promoção e divulgação do destino. Portanto, numa situação normal, já têm uma importância acrescida e no caso do Algarve – porque a nossa maior fraqueza é a sazonalidade – estes eventos, se decorrerem nos períodos de menor procura, cumprem esses objetivos. No ano passado, o evento não tinha garantias de continuidade, mas foi possível realizar mais este ano, no entanto, não tem garantias de de continuidade. Era importante que estes eventos fossem negociados para cinco ou seis anos. Ou seja, períodos de alguma duração. Os investimentos são sempre muito significativos e não podem ser feitos apenas por um ano. Têm de ser feitos sempre na perspetiva de ter no horizonte alguma duração para que depois tragam contrapartidas interessantes. No ano passado não se tive conhecimento de terem existido focos de infeção. Mas se fosse primeiro-ministro também teria muita dificuldade no contexto atual dizer aquilo podia ter ou não público. Mas o que sei é que não pode haver dois pesos e duas medidas. Diz-se que o Prémio da Fórmula 1 não pode ter público, o futebol também não, mas depois diz-se que outros podem. É o caso dos cinemas, dos teatros… Isso já me parece falta de coerência nas decisões. O que vai acontecer este ano é a perspetiva de aproveitarmos a cobertura mediática do evento, a promoção da região, mas nada mais. Estes eventos justificam-se se estiverem garantidos a continuidade nos anos vindouros. E isso não sei se está, aliás, penso que não estará. Parece que ‘como ninguém quis realizar, vai para ali’… Depois isto melhora e os outros já estão em condições de organizar e então volta novamente para os outros. Isso parece-me um pouco desajustado. Tinha de haver algum cuidado na negociação de forma a que pudéssemos garantir a continuidade.