Fraudes. Vale tudo para vencer

Fraudes. Vale tudo para vencer


Do terramoto do “calciocaos”, aos repetidos casos de doping no atletismo e ciclismo, passando por favores presidenciais na Fórmula 1, o desporto está marcado pela mentira. Algumas ficaram como as maiores fraudes da história.


Os valores do desporto não são iguais para todos. Há quem não olhe a meios para adulterar a verdade desportiva e vencer, conseguindo, dessa forma, projeção social e retorno financeiro que de outro modo não tinha. Nos últimos anos, o desporto tornou-se também um alvo fácil das redes de crime organizado transnacional e o match fixing é uma das maiores ameaças. As novas tecnologias permitem que as pessoas apostem em tempo real em competições realizadas em qualquer parte do mundo. Os potenciais lucros e o risco reduzido despertam o interesse do crime organizado que procura influenciar os resultados, transformando o mercado de apostas numa oportunidade para o branqueamento de capitais provenientes de atividades criminosas.

Terramoto “calcio”

O futebol é conhecido pelo “desporto rei”, mas isso não impede que esteja profundamente marcado por fraudes e mentiras. Um dos casos mais sonantes ficou conhecido por “calciocaos”, um esquema de fraude desportiva que envolveu a Juventus, Milan, Lazio e Fiorentina. Os seus responsáveis foram acusados de influenciar a nomeação de árbitros e de combinar resultados na temporada 2004/05, e os quatro clubes foram despromovidos à segunda divisão. Depois de muitos recursos, só a Juventus ficou na Serie B e começaria a época com 17 pontos de atraso. O Milan perdeu 15 pontos e ficou impedido de participar nas competições europeias na época seguinte, a Lazio e Fiorentina disputaram a Série A com 11 e 19 pontos negativos, respetivamente. A despromoção do clube de Turim, fundado em1897, foi a faceta mais visível do escândalo que abalou o futebol italiano cinco dias depois da “squadra azzura” vencer o Mundial 2006.

Em Portugal, tivemos o processo Apito Dourado, relacionado com crimes de corrupção desportiva referente à temporada 2003/04 que envolveu o FC Porto e o seu presidente à época, Pinto da Costa, dirigentes de clubes, árbitros, autarcas e empresários. As escutas efetuadas pela Polícia Judiciária permitiram acusar o presidente do FC Porto de ter comprado árbitros, com os pagamentos a serem feitos em numerário ou serviços de prostituição. Contudo, a justiça considerou que as escutas foram obtidas de forma ilegal e não serviram de prova em tribunal. Em paralelo, decorreu o Apito Final, que condenou Pinto da Costa a uma suspensão de dois anos e multa de 150 mil euros e retirou seis pontos ao FC Porto. O líder e o clube apresentaram recurso e foram ilibados.

Os jogos olímpicos estão igualmente marcados por monumentais fraudes. O primeiro grande choque com o espírito olímpico aconteceu em Seul 1988, quando o recordista mundial dos 100 metros (9,79 s) Ben Johnson ficou sem a medalha de ouro depois de ter testado positivo para esteróides anabolizantes. Novo episódio em Sydney 2000. A velocista Marion Jones conquistou três medalhas de ouro e duas de bronze. Sete anos mais tarde, admitiu que tinha ingerido PED (Performance-enhancing drugs) para melhorar as performances em corridas curtas, e ficou sem as medalhas. O recurso ao doping pode ter as mais variadas formas. Em Atenas 2004, Cian O’Connor ganhou a medalha de ouro nos saltos de hipismo, mas viria a perder a medalha porque a amostra de urina do seu cavalo Waterford Crystal deu positivo para substâncias proibidas pelo COI. Outra maneira de ganhar a qualquer preço – neste caso foi a idade – aconteceu com a ginasta chinesa Dong Fangxiao, que ficou sem a medalha de bronze dez anos após as olimpíadas de Sydney. Uma investigação da Federação Internacional de Ginástica descobriu que a atleta tinha apenas 14 anos na época, quando a idade mínima permitida era 16 anos.

A URSS sempre foi muito forte no atletismo, nem que para isso tivesse que fazer pressão sobre os adversários. Em Moscovo 1980, muitas delegações acusaram os soviéticos de marcarem faltas inexistentes e negarem marcas aos atletas de outros países a ponto da federação internacional de atletismo ter feito regressar os seus inspetores para fiscalizar as competições de atletismo. No desporto paralímpico também houve casos de desrespeito pelos valores desportivos. A equipa espanhola de basquetebol teve de devolver a medalha de ouro conquistada em Sydney depois de ter sido descoberto que 10 dos 12 atletas não tinham deficiência mental. O basquetebol de cadeira de rodas só permite jogadores com deficiência mental.

Os casos de doping no ciclismo são mais do que muitos, mas nada se compara ao caso Lance Armstrong, vencedor da Volta à França por sete vezes. Em 2012, foi desclassificado de todos os resultados obtidos até agosto de 1998 e banido para sempre do ciclismo pelo uso e distribuição de dopagem bioquímica. O norte-americano confessou que tomava anabolisantes desde os 21 anos. A Agência Antidoping dos Estados Unidos disse que Armstrong esteve envolvido no mais sofisticado e profissional programa de dopagem alguma vez concebido.

No desporto automóvel também houve jogadas menos claras. O Mundial de 1989 ficou marcado pela luta fratricida entre Ayrton Senna e Alain Prost. No circuito de Suzuka, no Japão, os dois pilotos lutavam pelo título mundial. Senna tentou a ultrapassagem, Prost atingiu o carro do brasileiro e os dois foram parar à gravilha. O francês saiu do carro, mas Senna continuou, ajudado pelos comissários de pista, ganhou a corrida e o título. No final da prova, o presidente da federação internacional, o francês Jean-Marie Balestre, exerceu a sua influência e Senna foi desclassificado, e o título entregue a Prost. Em 1996, já afastado da presidência, Balestre admitiu que beneficiara o compatriota no final de campeonato.

Vale tudo para vencer, até usar equipamento adulterado. Em 1983, o consagrado pugilista Luis Resto derrotou o promissor Billy Collins, num combate da categoria pesos-leve. Mais tarde descobriu-se que Resto tinha usado luvas com uma camada de argamassa no lugar do enchimento de espuma. Em consequência disso, Billy ficou com o rosto desfigurado e terminou a carreira prematuramente aos 21 anos.