Nove semanas de estudos espaciais em Portugal para 2022

Nove semanas de estudos espaciais em Portugal para 2022


As Nações Unidas reconhecem que a área do Espaço contribui significativamente para 14 dos 17 objetivos da Agenda 2030.


No dia 23 de Fevereiro, a Universidade Internacional do Espaço (International Space University, ISU) fez o anúncio oficial de que a proposta conjunta da Agência Espacial Portuguesa e do Instituto Superior Técnico foi seleccionada para receber a edição de 2022 do programa de estudos espaciais (Space Studies Program, SSP). Trata-se de um curso intensivo de nove semanas, onde mais de uma centena de alunos se junta a mais de uma centena de docentes, para uma experiência de formação única. É sobre este curso, cujos alumni podemos encontrar um pouco por toda a parte, desde as agências governamentais à indústria do Espaço, e a relevância para o nosso país de ter sido selecionado para o receber, num processo muito competitivo, que este artigo trata.

A ISU é uma organização internacional fundada em 1985 nos Estados Unidos da América, tendo atualmente o seu campus principal em Estrasburgo desde 1994. A abordagem ao ensino é fortemente multidisciplinar, cobrindo aspectos tão diversos como ciências da física e da vida, engenharia, aplicações, aspectos legais, economia e negócio, gestão, políticas públicas, e humanidades, tudo no âmbito do espaço. A ISU oferece vários programas de formação, nomeadamente um curso de mestrado de um ano no campus principal, cursos executivos de uma semana fora do campus, e o SSP de nove semanas, também fora do campus. A localização geográfica e a entidade organizadora deste último é sujeita a uma chamada internacional muito competitiva, sendo este curso o foco deste artigo.

O Programa de Estudos Espaciais SSP é dirigido a alunos graduados e a profissionais em início ou em fase de transição de carreira. A candidatura a este curso é também muito competitiva. Durante as nove semanas que o curso dura, os alunos são expostos a uma variedade de actividades académicas multidisciplinares, incluindo aulas sobre conteúdos fundamentais, workshops temáticas, projectos individuais e em grupo, e competições técnicas, nomeadamente envolvendo lançadores e robôs móveis. Tudo isto é ligado por um vivo ambiente social e multicultural, de manhã à noite, contribuindo para o desenvolvimento relacional (trabalho de equipa, liderança, gestão do tempo, etc).

A área do Espaço no nosso país tem experienciado nas últimas décadas uma rápida evolução, onde a entrada do país para o CERN em 1985, para o ESO em 1992, e para a ESA em 2000, ofereceram importantes oportunidades de crescimento, bem aproveitadas por uma indústria emergente, e em muitos casos já consolidada de forte base tecnológica.

Em Março de 2019 foi criada a Agência Espacial Portuguesa com a missão de promover e fortalecer o ecossistema nacional na área do espaço, tal como coordenar e representar o país nas organizações internacionais na área do espaço (ESA, ESO, etc.). Uma das suas iniciativas, logo em 2019, foi procurar trazer o SSP para Portugal. Foi aberta uma chamada às universidades, à qual o Técnico concorreu, tendo sido seleccionado, ao que seguiu a elaboração conjunta da proposta que foi formalmente entregue à ISU em 2020, e agora aceite.

Qual é o impacto de receber esta escola no nosso país? Em primeiro lugar, o contacto dos alunos e da comunidade académica com o corpo docente da ISU e profissionais da área do espaço associados ao evento. Uma parcela importante dos alunos será internacional, e espera-se o apoio a uma forte participação de participantes nacionais. As actividades académicas irão decorrer nas instalações do Técnico, com forte envolvimento do seu corpo docente e dos seus laboratórios na área do espaço (astrobiologia, física de plasmas, satélites, radiocomunicações, robótica, etc.), tal como do tecido industrial na área do espaço. Em segundo lugar, é uma oportunidade de mostrar as competências na área do espaço, da academia e da indústria, através da cobertura mediática que o SSP terá, pelo envolvimento da indústria no evento. Em terceiro lugar, a ligação ao público em geral, através de eventos públicos, incluindo palestras com o possível envolvimento de astronautas, competições de lançadores e de robótica, exposições temáticas, com o envolvimento das escolas locais. Em quarto lugar, o evento terá um impacto económico positivo, equivalente a uma convenção de uma semana com 2000 participantes, uma vez que o SSP envolve a presença de cerca de 300 participantes internacionais durante as nove semanas do evento.

O Espaço faz hoje parte das nossas vidas, desde a geolocalização por GPS, presente em praticamente todos os telemóveis, automóveis, aviões e navios, até a previsão meteorológica incluindo a predição de fenómenos extremos, passando pelas telecomunicações. Isto foi fruto de investimentos feitos na área do Espaço desde o início da era espacial, quando esta ubiquidade de serviços baseados no espaço era difícil de prever. As Nações Unidas reconhecem que a área do Espaço contribui significativamente para 14 dos 17 objetivos da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. O Espaço é uma área em franco crescimento, envolvendo cada vez mais atores do sector privado, incluindo pequenas, médias e grandes empresas, naquilo que se designa vulgarmente pelo “new space”. A isto acrescem os esforços a nível internacional para a expansão da presença humana para a Lua e para Marte. São os investimentos que são feitos agora, nomeadamente a nível de recursos humanos, nas novas gerações, na investigação e no desenvolvimento científico e tecnológico, que ditarão a longo prazo o papel que o nosso país terá nesta nova aventura da humanidade.

 

Professor do Instituto Superior Técnico, investigador do Instituto de Sistemas e Robótica – Lisboa