As biorrefinarias, a economia circular  e a microbiologia

As biorrefinarias, a economia circular e a microbiologia


O biocombustível biodiesel pode ser produzido a partir de óleos de plantas alimentares (como colza e soja) e de resíduos de óleo de cozinha e gorduras animais, fontes mais promissoras e de baixo custo.


A refinaria de petróleo está ameaçada não só pelo esgotamento e grande flutuação do preço do petróleo mas, principalmente, pelo seu impacto, direto e indireto, no meio ambiente devido à emissão de gases causadores do efeito estufa e consequentes alterações climáticas. A produção sustentável e ecologicamente adequada de biocombustíveis é uma alternativa promissora aos combustíveis fósseis. Numa biorrefinaria, a matéria-prima é biomassa (material orgânico derivado de plantas, animais, microorganismos), em vez de petróleo. Existem diferentes biorrefinarias conforme o tipo de biomassa usada e os processos e produtos obtidos. O foco deste curto artigo de opinião é nas biorrefinarias integradas de resíduos agroflorestais e industriais para a produção de biocombustíveis e outros bioprodutos por microrganismos, em particular leveduras. Ou seja, o foco é nos chamados biocombustíveis avançados produzidos a partir de matérias-primas que não competem diretamente com culturas alimentares e podem contribuir para o desenvolvimento de uma bioeconomia circular sustentável e o mitigar de problemas ambientais, globais e locais. Contrastando com o conceito de fim-de-vida da economia linear, o conceito estratégico de bioeconomia circular permite promover a dissociação entre o crescimento económico e o aumento no consumo de recursos, relação até aqui encarada como inexorável.

O biocombustível biodiesel pode ser produzido a partir de óleos de plantas alimentares (como colza e soja) e de resíduos de óleo de cozinha e gorduras animais, fontes mais promissoras e de baixo custo. São elevadas as perspetivas de utilização de lípidos provenientes de microalgas e outros microrganismos. Em resposta ao acordo do clima de Paris e com o impulso de quadros legislativos, as próprias empresas petrolíferas estão a investir na biorrefinação. A Total e a Eni já em 2019 converteram uma das suas refinarias em França e em Itália, encontrando-se outras conversões, de maior fôlego, previstas em diversos países com vista à refinação de óleos e gorduras naturais para produzir biodiesel e combustível para aviação. Os microrganismos oleaginosos que acumulam em lípidos mais de 20% de seu peso seco celular, podendo atingir 70%, são fontes promissoras de matéria-prima para biodiesel. As leveduras oleaginosas acumulam elevado teor em lípidos com composição e valor energético semelhantes aos óleos vegetais e animais dando resposta ao problema da competição entre combustível e recursos alimentares. Acresce que não requerem grandes áreas de terras aráveis e a produção é relativamente rápida e independente de variações climáticas e sazonais. Outras vantagens incluem a capacidade de formação de corpos lipídicos discretos, fácil adaptação ao ambiente e outros atributos biotecnológicos, incluindo a produção conjunta de outros bioprodutos (exemplo: biopigmentos) o que pode melhorar a economia do processo. No entanto, qualquer produção a partir de microrganismos heterotróficos enfrenta o desafio do custo associado aos nutrientes para a sua cultura o que pode representar até 60% do custo total. Para o reduzir, o recurso a resíduos agroflorestais ou industriais (biomassa lenhocelulósica, cascas de citrinos, polpa de beterraba sacarina, glicerol-o principal subproduto da produção de biodiesel….) é desejável mas o desenvolvimento e a competitividade económica dessas biorrefinarias requerem investigação e inovação de qualidade e profundidade, a vários níveis. O bom desempenho do microrganismo a usar depende de vias catabólicas e biossintéticas eficientes e versáteis que permitam a utilização total e eficiente de um amplo espectro das fontes de carbono (açúcares e outras) presentes nos diferentes resíduos e elevada produção de bioprodutos. Exige ainda tolerância aos múltiplos stresses encontrados de modo a reduzir os seus efeitos nefastos e aumentar a produtividade da biorrefinação. Neste contexto, ainda que leveduras do género Saccharomyces (do pão, vinho, cerveja…) sejam, no presente, as fábricas celulares microbianas, o interesse em leveduras não convencionais está a ganhar terreno pois apresentam metabolismos invulgares e valiosos. As atuais técnicas de engenharia de genomas e metabólica para melhor explorar ou mesmo criar novas vias metabólicas e aumentar a sua tolerância a múltiplos stresses, são ferramentas essenciais em microbiologia sintética. Contudo, esses melhoramentos complexos fazem mais sentido se aplicados a estirpes robustas com um inato potencial metabólico de exceção isoladas de ambientes selecionados, explorando a diversidade de leveduras.

No país existe uma substancial capacidade instalada no seu sistema de investigação e inovação ao nível das Unidades de I&D, Laboratórios Associados (LA) e também nos, ainda em construção, Laboratórios Colaborativos (CoLAB). Estes têm por missão aproximar a academia do setor industrial criando sinergias que facilitem e impulsionem a transferência de conhecimento para o mercado. Entre eles está a Associação BIOREF – CoLAB de Biorrefinarias. Para trilhar o caminho e atingir os objetivos acima referidos, recomendo a leitura do contributo do Nó Nacional da Infraestrutura de Investigação em Recursos Microbiológicos-MIRRI durante o processo de consulta pública ao Plano de Recuperação e Resiliência. Este salienta a oportunidade de investimentos relacionados com a valorização de recursos microbiológicos como forma de potenciar uma bioeconomia cada vez mais sustentável e passível de gerar benefícios para a sociedade, a economia e o ambiente.

Professora Catedrática do Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa e iBB-Instituto de Bioengenharia e Biociências/ i4HB-LA Instituto para a Saúde e a Bioeconomia