Belenenses-Benfica. Quando as águias assassinaram o Pássaro Azul

Belenenses-Benfica. Quando as águias assassinaram o Pássaro Azul


29 de novembro de 1964 – uma das mais gordas vitórias do Benfica no Restelo (6-0) e com Pedras a fazer companhia a Eusébio.


Outros tempos! Outros tempos! Hoje em dia, os adeptos encarnados desesperam-se com a falta de qualidade de jogo da sua equipa e com a facilidade com que perde pontos atrás de pontos, seja lá com quem for, de maneira a vaguear como um navio fantasma na classificação, com o primeiro lugar tão distante que nem de binóculos o veem. Nesse ano de 1964, marcado por uma das mais categóricas vitórias do Benfica no campo de Belenenses – apesar de este Belenenses que anda pela IDivisão do nosso futebol não ser sequer Belenenses e não passar de uma sigla que podia muito bem encaixar na tabela periódica – B-SAD – a palavra mais lida em todas as crónicas sobre o dérbi do Restelo era esta: “Facílimo!”
Na verdade estávamos apenas na 7.ª jornada, o que significava que ainda havia muito para jogar – o Benfica seria campeão com seis pontos de avanço sobre o segundo classificado, o FC Porto, e a CUF e a Académica ficariam em terceiro e quarto lugares (o Belenenses foi 8.º) – mas os vermelhos de Elek Shwartz tinham pressa e mais pressa ainda por lhes caber jogar a sua quarta final da Taça dos Campeões Europeus no final dessa época. Tanta pressa que José Maria de Freitas Pereira, conhecido por Pedras, tratou de marcar um golo logo no primeiro lance do jogo, aos 19 segundos precisamente, mostrando ao que vinham e achincalhando o adversário com um futebol de cariz absolutamente ofensivo e destruidor. Aos 6 minutos, Torres, naquele seu jeito de gigantesco boneco de pau, fez dois a zero. Aos 18 minutos foi a vez de Eusébio molhar a sopa num daqueles pontapés que não tinham equivalente no mundo do futebol. E eis o assunto dos pontos arrumado ainda havia gente a chegar ao Restelo e a tomar o seu lugar nas bancadas. 
José Pereira, o grande Pássaro Azul, um dos heróis do Mundial de Inglaterra, dois anos mais tarde, baixava a cabeça, conformado. Nada mais pudera fazer. Bem se esticou a todo o comprimento dos seus braços que eram asas que um deus qualquer se esqueceu de acabar, mas nem com sete metros e trinta e dois centímetros de braços e mãos poderia ter impedido a vantagem do Benfica.

O massacre José Torres estava em grande forma. Dois jogadores encarnados surpreenderam pela sua dinâmica, até porque não estavam ainda inseridos na mecânica do grupo: Pedras e Pérides. Com a vitória no bolso seria de esperar que as águias passassem a voar mais baixinho, aqui e ali à espera de uma bicada. Mas a verdade é que não deixaram de rondar de forma assassina a baliza do Pássaro Azul.

Mal sofreram o terceiro golo, os belenenses tiveram um assomo de orgulho ferido. Jogando em casa, frente aos seus espetadores, não estavam para ser vítimas de um homicídio a sangue frio. No meio-campo, o grande Peres tentava aglutinar a equipa, na frente, Lira, Adelino e Godinho marravam peito a peito contra uma parede liderada por Germano e por Raúl. Talvez durante alguns segundos tenham acreditado que, fazendo um golo, pudessem alterar o rumo dos acontecimentos tempestuosos. O intervalo, reparador, serviria para reagrupar as tropas dispersas. Pelo menos era esse o pensamento dos azuis. Porque nada de parecido aconteceu.

Dois minutos após o reatamento, Pedras voltou a marcar. O edifício do Restelo colapsou. Os lances atacantes do Benfica repetiam-se a um ritmo alucinante e por mais do que uma vez o quinto golo adivinhava-se. Coube a José Augusto, aos 56 minutos. Já não havia dúvidas que a goleada seria ainda mais dolorosa.

Teve sorte o Belenenses, e até parece que a palavra sorte cai aqui como um toque de ironia, o que não é o caso. Aos 66 minutos, Eusébio voltou a marcar, desta vez num movimento felino de Pantera Negra, infiltrando-se pelo meio de José Pereira e de Rodrigues para tocar, em seguida, para a baliza vazia.

Mais oportunidades surgiram mas foram sendo desperdiçadas. Mais oportunidades para o Benfica, entenda-se. 0-6 era uma goleada gorducha e o ataque do encarnado nesse ano esteve a carburar em pleno, marcando 88 golos nas 26 jornadas da prova, deixando o segundo melhor ataque, o do Vitória de Setúbal (61 golos) a vinte e sete de distância.
Agora que o Belenenses autêntico, equipamento, emblema e tudo e tudo disputa o Campeonato da 1.ª Divisão da Associação e Futebol de Lisboa, sobra como dérbi o B-SAD-Benfica. Não é bem a mesma coisa, convenhamos. Mas no futebol português já nada se estranha. Resta saber como a continua guerra entre clube e SAD irá acabar. Mas isso já não são contas do rosário do Benfica…