Restaurantes. Empresários de ‘cabeça perdida’ afastam ideia de estarem fechados até maio

Restaurantes. Empresários de ‘cabeça perdida’ afastam ideia de estarem fechados até maio


Portas fechadas, falta de apoios e abertura sem data prevista levam a vários responsáveis de restauração a confessarem ao i que não sabem se conseguem voltar a abrir portas ou se conseguirem em que condições o vão fazer. A AHRESP diz que a quebra de faturação de janeiro foi “avassaladora”: 79% das empresas registaram perdas acima…


Incerteza, medo, desespero. Três palavras de ordem que, neste momento, atacam o setor da restauração. Um primeiro confinamento difícil, várias restrições duras no momento de reabertura e, agora, a braços com um segundo confinamento e a possibilidade de poderem voltar a abrir portas só no final de abril faz disparar todos os alarmes. Ainda não há qualquer garantia por parte do Governo, mas os responsáveis do setor admitem ao i que já estão à espera do pior cenário, nestes tempos de incerteza. Os gritos de desespero surgem um pouco por todo o lado, principalmente numa altura em que não se vê uma luz ao fundo do túnel.

É o caso de Helena Maria, proprietária de um café em Lisboa. Ao i, a responsável afirma que as vendas caíram muito mas houve medidas que vieram piorar o cenário. “Com a medida de não se poder vender bebidas, incluindo café, pior ainda”, lamenta. Dos quatro café existentes naquela zona, apenas o seu continua aberto. Não tinha outra hipótese. “Vivemos do que fazemos e não podemos mesmo fechar pois ficamos automaticamente sem sustento”. Só que as contas não tiram férias nem apanham vírus. “As rendas e as contas em atraso já são mais que muitas. Ainda não recuperámos do primeiro confinamento e já estamos a viver o segundo”, diz.

Dependendo dos dias, as perdas rondam os 50-70%. Mas encerrar não é solução. “Nunca pensámos encerrar. Estamos a tentar manter o barco mesmo com dívidas por pagar porque vivemos ambos do mesmo negócio, temos uma filha para criar à espera de um milagre talvez enquanto se conseguir comer”.

Questionada sobre os apoios, Helena Maria não tem dúvidas: “Essa parte é para rir”. E justifica: “No primeiro confinamento pedi várias vezes as tão faladas moratórias e todas me eram negadas”. Só passados dois meses e meio conseguiu ter acesso a este apoio.

E juntam-se as críticas ao layoff. “No layoff pagam o salário mínimo e não é imediato… para mim, que tenho despesas mensais fixas de pelo menos 5500 euros o que faço com um salário mínimo?”, questiona. Críticas ainda para o apoio da Câmara Municipal de Lisboa. “Temos o estabelecimento situado na zona de Lisboa, abrangido pelo tal apoio, mas como moramos ao lado ali no conselho de Oeiras esse mesmo apoio não nos é atribuído”, acusa.

 E vai mais longe: “Tenho um estabelecimento na área de Lisboa onde pago todas as contribuições, é nesta área onde tenho conseguido manter tudo em dia mas porque moro ali ao lado o apoio é negado. Façamos agora aqui um pequeno exemplo: se fosse uma grande empresária que tivesse 20 restaurantes na zona de Lisboa mas morava ali em Mafra todos eles iam à falência pois a ajuda da Câmara de Lisboa não me dava o apoio necessário quando eu todos os meses contribui para eles”.

Na sua opinião, este tipo de exclusão não faz sentido e as ajudas do Governo também não chegam.

Para o futuro, não se sabe. “Tento não pensar muito nisso mas se isto continuar assim não sei o que vou fazer e acredito que quando isto tudo voltar ao normal vamos continuar a passar por dificuldades pois muitos perderam empregos, as pessoas não têm dinheiro para se sustentar quanto mais andarem a gastar em cafés e outro tipo de restauração”.

Mas os problemas não ficam por aqui. O facto de a restauração não poder vender bebidas mas outros estabelecimentos poderem fazê-lo não é bem visto. “As pessoas vêm aqui, pedem uma garrafa de água e não posso vender. Mas 20 metros ao lado, uma loja de indianos, já o pode fazer. Uma situação que, a meu ver, fazem mais ajuntamento do que à porta do meu café”, acusa.

 

Intervenção policial

A empresária conta ainda uma história de uma abordagem das forças de segurança. “Estava a tomar o pequeno-almoço no meu estabelecimento, parou um carro da polícia e perguntou-me porque é que estava ali sentada a comer. Não posso comer dentro do meu próprio estabelecimento?”, questiona.

Mas apesar de todos os casos desesperantes há outros não tão assustadores. Davide Pinheiro, proprietário do café Íris em Oliveira do Hospital vê com injustiça o encerramento dos estabelecimentos do seu setor. “Entendemos a decisão para a redução do contágio mas é injusta face a outras áreas e setores que continuam a laborar”, começa por dizer ao i.

Neste momento o espaço está encerrado e, devido à localização e quantidade de oferta, “não justifica fazer o take-away”, pelo que não está a ter qualquer lucro. As perdas contam já com uma “margem significativa” mas encerrar de vez nunca foi opção. Até porque, no seu entender, os apoios vão dando para manter o negócio. “Não podemos dizer que não são suficientes. No nosso caso, temos vários apoios e, justamente, são atribuídos por quebras face ao período homólogo do ano anterior. Ou seja, estamos a ser reembolsados face a essa mesma quebra. Adaptámo-nos e recorremos ao layoff”, diz.

Para já, a sobrevivência do espaço não é posta em causa mas Davide lembra que o futuro é incerto. “Tudo depende de como lidarmos com o vírus. Não só na nossa área como no geral, dependemos que tudo passe”. A certeza é esta: “Quanto mais tempo se alongar, mais negócios vão acabar por colapsar”.

 

“Poucos e tardios”, assim são os apoios

Uma opinião partilhada por Albino Fernandes, um dos membros da União de Restaurantes de Braga de Apoio à covid-19 – que representa 132 restaurantes e cerca de 1341 trabalhadores da região – e também dono do espaço Colinatrum Café ao defender que o sistema take-away não compensa a todos os empresários e até voltar tudo à normalidade, muitos estabelecimentos vão ser obrigados a fechar as portas. “Para muitos, este sistema de take-away, o único que é permitido pelo Governo, representa mais custos do que fechar totalmente”, garante ao i. O responsável reconhece que esta modalidade compensa apenas a quem tem clientes fixos que, mesmo nesta altura, optam por ir ao restaurante que estão habituados.

Em relação aos apoios dados pelo Governo, o empresário é bastante duro: “São poucos e tardios”, o que, no seu entender, vai levar a que muitos espaços sejam obrigados a fechar as portas por falta de dinheiro na tesouraria. E recorda que, ao contrário do que aconteceu em verões anteriores, este serviu apenas para pagar custos que vinham de meses anteriores e não para fazer um fundo de maneio para o futuro.

Uma questão que ganha novos contornos já que não se sabe quando é que se vai assistir ao fim deste novo confinamento. “Os apoios foram desenhados para estarmos encerrados um x tempo, mas tudo indica que o timing será prolongado. E que apoios podemos contar depois?”, questiona. Outra crítica diz respeito às compensações por os estabelecimentos estarem encerrados. “Pagar a compensação de 20% da perda da faturação em relação a 2020 não faz sentido, para isso teriam de contabilizar as perdas em relação a 2019, que é considerado um ano normal”, refere.

As mesmas críticas tiveram eco junto de João Silva que se vê a braços com um investimento que foi feito há dois anos e com a pandemia não consegue rentabilizar. “Fui obrigado a fechar o restaurante, recorri a layoff, estou a tentar ter apoio no pagamento da renda, mas tudo é difícil e complicado. O empresário garante que “não lhe passa pela cabeça” só conseguir o seu espaço a partir de maio e lembro que quando investiu todas as suas poupanças neste espaço de Lisboa, o turismo estava no auge. “Larguei um trabalho de consultor para fazer o que gostava, neste momento, não sei se foi a melhor decisão. Tenho a minha casa hipotecada, estou a viver no fio da navalha e tenho cerca de uma dezena de trabalhadores a meu cargo”, confessa.

E, na melhor das hipóteses, admite, quando voltar a abrir portas, vai contar com metade dos trabalhadores. “Acredito que a procura não vai ser grande ao início e vou ter mais cautela porque não quero estar a hipotecar o meu futuro”. Em última análise garante: “Deito tudo para o ar porque estou muito desiludido com tudo o que se passa e volto para a área de consultoria”.

 

‘O presente é assustador. O futuro é demasiado sombrio’

A possibilidade de encerramento até ao final de abril é vista com muita preocupação por Daniel Serra, presidente da Associação Nacional de Restaurantes, a Pro.var. Ao i, o responsável lembra que grande parte dos estabelecimentos não tiveram apoios e os incumprimentos já começam. “Neste momento, 90% dos estabelecimentos já não estão a conseguir cumprir com os fornecedores. E há já um número considerável de empresários que não estão a conseguir pagar salários aos trabalhadores”, diz Daniel Serra.

Estes valores são justificados: “É uma situação que é reflexo do grande stresse acumulado do grande tempo que os empresários estiveram, no fundo, sem trabalhar ou com muitas restrições. E agora, com este novo confinamento, a situação agudiza-se”, diz.

É que, não havendo entrada de qualquer valor nas empresas, estas não estão a conseguir fazer face aos compromissos. Por isso, o responsável pede que os apoios sejam alargados. “Um Simplex que, de certa forma, descomplique e permita que todas as empresas que, no fundo, se serviram de um passado recente para pagar salários e impostos, sirvam também neste momento para receber esses apoios para sobreviverem”.

A preocupação é real até porque já havia a perspetiva de que os espaços pudessem estar fechados até abril mas, até ao final desse mês, é mais um mês do que estavam a contar. Por isso pedem apoios ágeis e que ajudem a descomplicar.

O cenário é “catastrófico”. “Isto é uma situação realmente dramática. Já há situações de extrema dificuldade, de fome e de situações graves dentro do setor da restauração e naturalmente que temos que, no fundo, exigir do Governo uma resposta rápida e que seja efetiva”.

Daniel Serra diz ao i que a associação que preside tem percebido que “uma parte da restauração tem recebido alguns apoios, mas insuficientes”.

 Os casos de desespero somam-se: “Existe aqui uma situação realmente muito dramática, muito preocupante. Ainda agora há minutos recebi um telefonema de um empresário muito preocupado a dizer que não vai conseguir pagar o salário dos trabalhadores no final do mês. Isto é um pouco revelador do que está a acontecer. A maioria das empresas não está a conseguir e não vão conseguir fazer face aos compromissos”.

Defende então que casos como este são uma “chamada de atenção para que o Governo encontre rapidamente uma solução”. E deixa o alerta: “Já temos situações de fome e pobreza extrema no setor, vamos ter situações dramáticas”.

 

Encerramentos

O fecho definitivo de espaços é já uma realidade e o número de empresas que fecha portas para não mais as abrir é “dramático”. “É que em todo este processo existem vidas, de proprietários, gerentes e trabalhadores que estão a passar muito mal. Acho que aqui, o Governo tem de se focar e tem que realmente ajudar. Independentemente das empresas fecharem neste momento, o mais importante é salvar estas pessoas e isso é que nos preocupa. Os apoios não estão a chegar e isto está a ficar numa situação que nem nós, no pior cenário, conseguimos prever o que está a acontecer”, alerta o responsável, com preocupação.

O segundo confinamento trouxe a oportunidade dos restaurantes poderem trabalhar em delivery ou take-away mas esta solução não traz lucro. “Muitas empresas dizem claramente que não chega sequer para pagar as despesas decorrentes do funcionamento desses serviços. O que quer dizer que existem empresas que, de certa forma, até estão a perder dinheiro a trabalhar com take away e delivery”, lamenta Daniel Serra.

O futuro é assustador? Não. “O presente é assustador. O futuro é demasiado sombrio. No pior cenário, como digo, nunca tínhamos previsto uma situação destas”.

E os relatos não deixam margem para dúvidas, fazendo perceber que, daqui para a frente, as situações que já são lamentáveis poderão sê-lo ainda mais. “Mesmo nós, associação, estamos aqui a lidar com os empresários e existe muita dificuldade nas trocas de conversas que temos tido. Muita emoção à mistura, muita revolta, muita resignação e um baixar de braços de muitos empresários. Outros continuam a resistir, a lutar. Existe sempre uma confiança no futuro mas a dificuldade é muito grande e realmente começam a faltar as forças e recursos para manter as empresas minimamente operacionais”, finaliza.

Dados falam por si A verdade é que os números não deixam margem para dúvidas e não são animadores. O mais recente inquérito da AHRESP, junto do setor, mostra que 51% das empresas indicam estar com a atividade totalmente encerrada; 36% das empresas ponderam avançar para insolvência, dado que as receitas realizadas e previstas não permitirão suportar todos os encargos que decorrem do normal funcionamento da sua atividade. A associação garante que as conclusões “evidenciam contínuos despedimentos e empresas no limite da sua sobrevivência” e, por isso, “garante que é urgente o reforço imediato dos apoios a fundo perdido”.

Para as empresas inquiridas, “a quebra de faturação do mês de janeiro foi avassaladora: 79% das empresas registaram perdas acima dos 60% e como consequência da forte redução de faturação, 18% das empresas não conseguiram efetuar o pagamento dos salários em janeiro e 18% só o fez parcialmente”.

Perante esta realidade, 44% das empresas já efetuaram despedimentos desde o início da pandemia. Destas, 19% reduziram em mais de 50% os postos de trabalho a seu cargo. 19% das empresas assumem que não vão conseguir manter todos os postos de trabalho até ao final do primeiro trimestre de 2021.

No que diz respeito aos apoios à manutenção dos postos de trabalho, 25% das empresas não apresentaram candidatura ao layoff simplificado, e destas, 14% indicaram como motivo a possibilidade de poderem efetuar despedimentos. Já em relação aos novos programas de apoio a fundo perdido, muitas empresas vão ficar de fora: 38% não apresentaram candidatura ao Apoiar.PT, das quais 67% não cumprem com os requisitos de acesso.

Perante estes resultados, a AHRESP aponta “para a insuficiência dos apoios até aqui disponibilizados e a necessidade urgente do seu reforço. Por outro lado, as mais de 95% de micro e pequenas empresas da restauração e alojamento não têm capacidade para aceder à complexidade destes apoios” e, como tal, “apresentou ao Governo a criação de um Mecanismo Único de Apoio às Empresas, que permita um acesso ágil, simplificado e concentrado, através de uma única candidatura, aos apoios disponíveis”.

E vai mais longe: “É este o momento de apoiar as 120 mil empresas da restauração, similares e alojamento turístico, os 400 mil postos de trabalho diretos que têm a seu cargo, e os muitos outros milhares de empresas e de postos de trabalho que dependem de nós, e da nossa existência enquanto atividade económica”.

 

60% em situação de insolvência

Os dados da Pro.var, também com base num inquérito aos empresários do setor mostram que duas em cada três empresas não têm como pagar salários e quase 60% estão em situação de insolvência.

Mas vamos a números. Os dados revelam ainda que, em 2020, 61,4% das empresas perderam mais de metade da faturação homologa, enquanto um quinto tinha os salários em atraso e dois terços das empresas não conseguiram pagar todas as despesas.

Ainda face ao ano passado, 46,3% das empresas estava em situação de insolvência ou falência.

Este ano, o cenário agrava-se. “Ainda não fez um mês que o país está em confinamento total e o setor da restauração já reflete os piores cenários”, diz Daniel Serra, presidente da Pro.var, em comunicado.

A nota acrescenta que 60% das empresas “não obtiveram apoios, pois segundos os critérios que ainda persistem, não são elegíveis”.

Assim, a Pro.var divulga as consequências do que diz ser falta de apoios: 89,7% das empresas perderam mais de metade da faturação homologa; duas em cada três empresas diz não estar a ter capacidade para pagar salários e 88,5% diz não estar a conseguir pagar todas as despesas.

Além disso, quase 60% (58,2%) estão agora em situação de insolvência ou falência. “Encerrados e sem apoios e em face destes números, não resta outra opção ao Governo senão criar mecanismos de apoio adicionais que salve as empresas que até ao início de 2020, cumpriram com a sua função, criando postos de trabalho, gerando riqueza e pagando impostos”, defende a associação.

Nesse sentido, a Pro.var pede que sejam reforçadas as dotações, nas duas medidas – Apoiar.pt e Apoiar Restauração – em toda a linha e sugere ainda que esses apoios premeiem e salvem empresas, “pelo seu esforço e mérito, corrigindo-se desequilíbrios e exclusões, que o APOIAR de 2020 criou, atribuindo-se apoios mais de acordo com as suas perdas”.

Daniel Serra garante ainda: “Todas as empresas do setor da restauração estão insatisfeitas com os apoios e reclamam a aplicação de um Apoiar mais alargado, simples e universal, do tipo “SIMPLEX”, pois feitas as contas, todos perdem e muito e nem uma minoria que cumpre todos os critérios, acaba por ter o apoio devido”.