Endireitar


Estamos cansados de ouvir discussões sobre a esquerda e direita, quem é o quê e porque teimam sê-lo. O que separa e divide e umas acusações da extrema-direita aqui, outras da extrema-esquerda do outro lado. E, no meio de tantos debates, muito acalorados, é necessário  perceber quem ganha com essa confusão de termos para trazer…


Num tempo em que na direita são apelidados de fachos e na esquerda são catalogados de ditadores soviéticos é extremamente necessário que se volte ao começo: definir os conceitos, para ver se ainda é possível não nos darmos por irremediavelmente perdidos.

A meu ver cabem dois sentidos distintos, que vou abordar de modo cronológico:

Voltemos a 1789 para recordar a Revolução Francesa: França estava bastante mal, ou seja, o Rei e aristocratas ignoravam um povo a morrer de fome. Uma injusta fatalidade, que perdura nos tempos: os dirigentes estão sempre bem. Como consequência, transformaram-se os Estados Gerais em Assembleia Nacional Constituinte, a fim de dotar o país de uma Constituição e, nessa Assembleia, os mais moderados e conservadores sentaram-se do lado direito e os mais radicais e progressistas sentaram-se do lado esquerdo. Desde então, à conta deste jogo de cadeiras, falamos  em esquerda e direita e olhamos a política e a sociedade apenas neste eixo e não se escusam disso os maiores pensadores, autores e políticos. Fará ainda sentido?

Se à esquerda corresponde o progresso, a liberdade, a mudança e à direita corresponde a tradição, a autoridade e a estabilidade, como é que fica o espectro político português?

Será o PCP de direita pois votou contra a eutanásia? Mas, tendo votado a favor do aborto, será de esquerda? O que é que o PCP acha de minorias? E PS e PSD querem liberdade de voto experienciaram votos quer a favor quer contra dentro dos mesmos Grupos Parlamentares? O PS tem deputados de direita e o PSD tem deputados de esquerda? Será a extrema-esquerda a extrema mudança, a anarquia e o fim das classes. Será a extrema-direita um Estado forte e que defende Deus, a Pátria e a Família?

Por outro lado, não será ingénuo assumir que o leitor já viu, experimentou algum tipo de teste ou ouviu falar do compasso político ou de quadrantes políticos.

Nesta representação:

  • O eixo vertical constitui a força do Estado face ao indivíduo, quer na sua liberdade e ação política, como também nas suas crenças, costumes e capacidades civis.
    Quanto mais próxima do topo, mais autoritária é a posição, quanto mais baixa, mais libertária.
  • O eixo horizontal constitui a interferência do Estado face à liberdade económica dos indivíduos e pessoas coletivas por estes formados. Quanto mais próxima da esquerda, mais estatizada é a economia, quanto mais à direita, mais livre é o mercado.

Isto estabelece, cruzando dois eixos, diferenças claras naquilo que são a esquerda e a direita em ambas as conceções, podendo-se integrar a primeira distinção no eixo vertical desta segunda distinção: quanto mais próxima do topo, mais poder tem o Estado, quanto mais baixa, mais capaz e livre é o povo para decidir por si.

É curioso o caso do Iniciativa Liberal dado que, eleito o seu primeiro Deputado à AR, este não pôde escolher o seu lugar, tendo João Cotrim Figueiredo pedido para se sentar no centro mas, no âmbito do artigo 68.º, n.º 1 do Regimento da AR, atribuiram-lhe um lugar à direita do PSD. Penso que seja por isso que o partido diga “não somos nem de esquerda, nem de direita, somos Liberais”. O facto é que, olhando apenas para o eixo clássico de esquerda e direita, pelo primeiro critério o Iniciativa Liberal seria de esquerda, pois defende o progresso e a liberdade, mas pelo segundo critério é de direita, pois defende o liberalismo económico, que, coerentemente, continua a ser liberdade face ao Estado. Por isto, diz-se na Ciência Política que Socialismo, Conservadorismo e Liberalismo são macroideologias.


i – Fonte: Instituto Liberal (institutoliberal.org.br)

 

Como vemos, não existem liberais conservadores, apenas conservadores que apoiam o liberalismo económico, o que também é de questionar perante o frequente protecionismo.

Terminada a componente didática, explico a relevância:

Para o cidadão comum, sem tempo ou interesse em estudar Ciência Política, as expressões simplistas mas que agreguem conjuntos de ideias e valores são, mal ou bem, a sua forma de tomarem um partido.

Assim, as forças partidárias que controlem o significado destas palavras têm parte do seu trabalho feito, alimentando estereótipos que lhes são convenientes: uma pessoa que se identifique com os princípios da solidariedade e humanismo nunca irá votar à direita, porque esta odeia os pobres, não obstante estes serem os ideais do CDS. E nunca uma pessoa homossexual irá votar à direita, porque a direita é homofóbica, apesar de existirem figuras homossexuais de direita.
Há ainda os Liberais, permanentemente acusados de querer destruir a saúde, ou alvos permanentes de um carimbo de um tal de neoliberalismo responsável pela austeridade do início da década.

Num debate às Presidenciais, Tiago Mayan, o candidato liberal, foi acusado de ser um ‘travesti de direita’ e os motivos foram algo como “Vem para aqui defender as minorias? Isso é que é ser de direita?”, por um candidato cujo partido foi excluído a priori de coligações nas autárquicas pelo PSD e CDS num ato maquiavélico de “bullying político”, na conhecida vitimização deste.

Mas o que é a direita, afinal? A defesa do status quo e dos bons costumes? A defesa da liberdade económica? O ódio injustificado e populista de comunidades étnicas?

E o que será a esquerda? Cumprir a Constituição, cujo texto atual mereceu tantas reprovações do Partido Comunista?

Penso que seja uma questão de liberdade económica, reservando-se a questão social ao eixo vertical. Concluo: está na hora de endireitar.

 

Guilherme Alexandre
Estudante de direito e membro da Iniciativa Liberal


Endireitar


Estamos cansados de ouvir discussões sobre a esquerda e direita, quem é o quê e porque teimam sê-lo. O que separa e divide e umas acusações da extrema-direita aqui, outras da extrema-esquerda do outro lado. E, no meio de tantos debates, muito acalorados, é necessário  perceber quem ganha com essa confusão de termos para trazer…


Num tempo em que na direita são apelidados de fachos e na esquerda são catalogados de ditadores soviéticos é extremamente necessário que se volte ao começo: definir os conceitos, para ver se ainda é possível não nos darmos por irremediavelmente perdidos.

A meu ver cabem dois sentidos distintos, que vou abordar de modo cronológico:

Voltemos a 1789 para recordar a Revolução Francesa: França estava bastante mal, ou seja, o Rei e aristocratas ignoravam um povo a morrer de fome. Uma injusta fatalidade, que perdura nos tempos: os dirigentes estão sempre bem. Como consequência, transformaram-se os Estados Gerais em Assembleia Nacional Constituinte, a fim de dotar o país de uma Constituição e, nessa Assembleia, os mais moderados e conservadores sentaram-se do lado direito e os mais radicais e progressistas sentaram-se do lado esquerdo. Desde então, à conta deste jogo de cadeiras, falamos  em esquerda e direita e olhamos a política e a sociedade apenas neste eixo e não se escusam disso os maiores pensadores, autores e políticos. Fará ainda sentido?

Se à esquerda corresponde o progresso, a liberdade, a mudança e à direita corresponde a tradição, a autoridade e a estabilidade, como é que fica o espectro político português?

Será o PCP de direita pois votou contra a eutanásia? Mas, tendo votado a favor do aborto, será de esquerda? O que é que o PCP acha de minorias? E PS e PSD querem liberdade de voto experienciaram votos quer a favor quer contra dentro dos mesmos Grupos Parlamentares? O PS tem deputados de direita e o PSD tem deputados de esquerda? Será a extrema-esquerda a extrema mudança, a anarquia e o fim das classes. Será a extrema-direita um Estado forte e que defende Deus, a Pátria e a Família?

Por outro lado, não será ingénuo assumir que o leitor já viu, experimentou algum tipo de teste ou ouviu falar do compasso político ou de quadrantes políticos.

Nesta representação:

  • O eixo vertical constitui a força do Estado face ao indivíduo, quer na sua liberdade e ação política, como também nas suas crenças, costumes e capacidades civis.
    Quanto mais próxima do topo, mais autoritária é a posição, quanto mais baixa, mais libertária.
  • O eixo horizontal constitui a interferência do Estado face à liberdade económica dos indivíduos e pessoas coletivas por estes formados. Quanto mais próxima da esquerda, mais estatizada é a economia, quanto mais à direita, mais livre é o mercado.

Isto estabelece, cruzando dois eixos, diferenças claras naquilo que são a esquerda e a direita em ambas as conceções, podendo-se integrar a primeira distinção no eixo vertical desta segunda distinção: quanto mais próxima do topo, mais poder tem o Estado, quanto mais baixa, mais capaz e livre é o povo para decidir por si.

É curioso o caso do Iniciativa Liberal dado que, eleito o seu primeiro Deputado à AR, este não pôde escolher o seu lugar, tendo João Cotrim Figueiredo pedido para se sentar no centro mas, no âmbito do artigo 68.º, n.º 1 do Regimento da AR, atribuiram-lhe um lugar à direita do PSD. Penso que seja por isso que o partido diga “não somos nem de esquerda, nem de direita, somos Liberais”. O facto é que, olhando apenas para o eixo clássico de esquerda e direita, pelo primeiro critério o Iniciativa Liberal seria de esquerda, pois defende o progresso e a liberdade, mas pelo segundo critério é de direita, pois defende o liberalismo económico, que, coerentemente, continua a ser liberdade face ao Estado. Por isto, diz-se na Ciência Política que Socialismo, Conservadorismo e Liberalismo são macroideologias.


i – Fonte: Instituto Liberal (institutoliberal.org.br)

 

Como vemos, não existem liberais conservadores, apenas conservadores que apoiam o liberalismo económico, o que também é de questionar perante o frequente protecionismo.

Terminada a componente didática, explico a relevância:

Para o cidadão comum, sem tempo ou interesse em estudar Ciência Política, as expressões simplistas mas que agreguem conjuntos de ideias e valores são, mal ou bem, a sua forma de tomarem um partido.

Assim, as forças partidárias que controlem o significado destas palavras têm parte do seu trabalho feito, alimentando estereótipos que lhes são convenientes: uma pessoa que se identifique com os princípios da solidariedade e humanismo nunca irá votar à direita, porque esta odeia os pobres, não obstante estes serem os ideais do CDS. E nunca uma pessoa homossexual irá votar à direita, porque a direita é homofóbica, apesar de existirem figuras homossexuais de direita.
Há ainda os Liberais, permanentemente acusados de querer destruir a saúde, ou alvos permanentes de um carimbo de um tal de neoliberalismo responsável pela austeridade do início da década.

Num debate às Presidenciais, Tiago Mayan, o candidato liberal, foi acusado de ser um ‘travesti de direita’ e os motivos foram algo como “Vem para aqui defender as minorias? Isso é que é ser de direita?”, por um candidato cujo partido foi excluído a priori de coligações nas autárquicas pelo PSD e CDS num ato maquiavélico de “bullying político”, na conhecida vitimização deste.

Mas o que é a direita, afinal? A defesa do status quo e dos bons costumes? A defesa da liberdade económica? O ódio injustificado e populista de comunidades étnicas?

E o que será a esquerda? Cumprir a Constituição, cujo texto atual mereceu tantas reprovações do Partido Comunista?

Penso que seja uma questão de liberdade económica, reservando-se a questão social ao eixo vertical. Concluo: está na hora de endireitar.

 

Guilherme Alexandre
Estudante de direito e membro da Iniciativa Liberal