Arrendar. Mercado recupera com restrições ao crédito e crise do alojamento local

Arrendar. Mercado recupera com restrições ao crédito e crise do alojamento local


Se, antes, um imóvel era arrendado assim que era colocado o anúncio, esse cenário mudou drasticamente com a pandemia. Casas só são arrendadas se senhorios baixarem o preço. Aumento da oferta neste mercado também ditou mudança. Os últimos dados apontam para essa redução. 


Longe vai a loucura dos senhorios a exigirem 12 meses de renda. A braços com a pandemia, a solução que têm para arrendar a sua casa é baixarem os preços; caso contrário, ela fica no mercado por tempo indeterminado. A incerteza em relação ao futuro e os rendimentos mais curtos dos portugueses provocaram uma reviravolta no mercado de arrendamento. A somar a isso há ainda que contar com os imóveis que estavam alocados ao arrendamento local que entretanto entraram neste segmento. Esta é a realidade com que se deparou Carla Costa, que desde 2016 tinha a sua casa arrendada em Lisboa. E se, até agosto do ano passado, conseguia arrendar o seu T1 por mil euros na zona da Alameda, com a saída dos inquilinos – que optaram por comprar um imóvel mais perto do seu local de trabalho – só conseguiu fechar negócio quando foi baixando até chegar aos 700 euros. “Se dissessem que isto seria assim há um ano, teria dito que estariam loucos. Mas depois de ter recebido visitas atrás de visitas, não tive outra solução a não ser baixar o preço até este patamar e, ainda assim, foi difícil encontrar um novo arrendatário”.

A técnica comercial acredita que o cenário irá mudar mas, até lá, terá de se “sujeitar” a esta nova realidade, apesar de garantir que o novo valor só dá praticamente para pagar as despesas correntes. “Se contar com o empréstimo ao bancos, os seguros exigidos, o condomínio, os impostos, mais o IMI e todos os extras que aparecem, não sobra muito, ou seja, não tenho quase lucro e, se tiver de fazer obras, até tenho prejuízo”, assegura ao i.

Este não é um caso isolado. A mediadora Ana Ferreira lembra que o negócio só é fechado após dezenas de visitas e implica sempre a redução do preço por parte do senhorio. “Estou nesta atividade há muitos anos e começa a assemelhar-se cada vez mais à fase da troika. Com a explosão do turismo, havia pouca oferta e os preços dispararam. Passei por várias situações em que o arrendatário ficava com a casa sem nunca a ter visto. Era uma fase quase desesperante para quem procurava um imóvel. Agora assistimos ao inverso”, confessa ao i.

Redução desigual Mas essa queda de valores não vai acontecer de forma igual em todo o país. O presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP) garante ao i que o aumento da oferta irá verificar-se principalmente nas zonas que têm tipicamente maior concentração turística, ou seja, nos principais centros urbanos e na região do Algarve. “É expetável que se dê um aumento da oferta de ativos que migrarão do mercado de alojamento local e, como tal, que se assista a uma ligeira redução dos valores das rendas praticadas como, aliás, já tem vindo a verificar-se nos últimos tempos”.

Mas Luís Lima deixa um alerta: “A questão é que nem sempre a oferta está onde está a procura e as casas não têm rodinhas que permitam o seu transporte para onde as pessoas precisam delas”. Assim, defende “que a construção seja pensada e planeada para os locais onde há uma maior concentração da procura”.

Ao mesmo tempo, o responsável admite que as restrições de crédito podem “empurrar” portugueses para esta solução, uma vez que esta “passará a ser a única alternativa disponível para muitas pessoas que não conseguirão aceder ao crédito à habitação pela via normal”.

A opinião é partilhada pelo CEO da Century 21 ao garantir que serão as famílias e os jovens que não cumpram os requisitos para aceder a um crédito à habitação que terão de optar pelo arrendamento. Ricardo Sousa também aponta para uma redução dos valores e dá uma explicação: “É expetável uma ligeira diminuição de preços ao longo do ano, porque o mercado de arrendamento é mais flexível e responde de forma rápida ao perfil da procura e às suas limitações de poder de compra”.

O responsável diz também que, neste segmento, é nos mercados mais dependentes do turismo e da procura internacional que se espera um maior ajuste no valor das rendas.

Solução temporária Para o diretor-geral da ERA Portugal, quem opta pelo arrendamento é sempre como uma solução temporária, uma vez que, no seu entender, “o cliente português continua a preferir o mercado de compra de imóveis ao mercado de arrendamento”. Rui Torgal garante ainda que, tendo em conta as informações que tem recebido, as entidades bancárias não estão menos disponíveis para concederem crédito.

Ainda assim, admite que face à conversão de imóveis de alojamento local para arrendamento de longa ou média duração, haverá uma natural estabilização de preços, existindo ainda a possibilidade de um ligeiro decréscimo no valor dos imóveis. “Perspetivamos que as zonas que tinham mais oferta de alojamento local e que agora estão a converter-se em arrendamento de longa ou média duração sejam as zonas do país onde a estabilização de preços aconteça mais rapidamente”, diz, acrescentando que o “setor do turismo em Portugal tem uma forte influência no mercado de imóveis de alojamento local. E como, neste momento, não se perspetiva uma recuperação significativa do turismo, iremos continuar a verificar a conversão de muitos destes imóveis para arrendamento de longa ou média duração, o que irá estabilizar os preços e, possivelmente, levar a um ligeiro decréscimo no valor dos imóveis. Antevemos que este seja o caminho para o mercado de arrendamento em 2021, embora tenhamos sempre o fator da incerteza agregado às nossas previsões para este ano”.

Valores em queda E os números falam por si. Os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que este mercado continua sem sinais relevantes de crescimento, tendo aumentado apenas 1,8% entre o segundo semestre de 2019 e o segundo semestre do ano passado. O mercado de arrendamento representa 26% do mercado habitacional. É na Área Metropolitana de Lisboa que são realizados mais novos contratos (33%), seguindo-se a Área Metropolitana do Porto (17%), Algarve e Alentejo (6%), Coimbra (5%) e Aveiro (4%).

No que diz respeito ao valor das rendas, o gabinete de estatística revela que entre o segundo semestre de 2019 e o segundo semestre de 2020, os preços aumentaram 2,8% no país. O maior aumento pertence à Área Metropolitana de Lisboa, com um crescimento de 4,3%.

No entanto, o início deste ano pode ter trazido algumas mudanças. O Imovirtual avança que, no primeiro mês do ano, o preço médio de arrendamento caiu 13,5% face a igual período do ano passado. Já segundo a Casafari, a crise no alojamento local levou a que vários proprietários colocassem as suas casas no arrendamento tradicional. Assim, a oferta aumentou em mais de 67% no ano passado, o que levou à queda nas rendas. Em 2020, o preço médio das rendas terá caído mais de 11%.