Caderno de significados

Caderno de significados


Registávamos na metade esquerda da página as palavras que desconhecíamos, deixando a metade direita para o seu significado, que requeria a consulta a um dicionário.


O título deste artigo refere-se não ao livro de 2013 com textos de Agustina Bessa-Luís, mas aos cadernos que ela e eu usávamos no nosso ensino básico. Não sei se o leitor também se inclui no grupo de utilizadores, mas são pequenos cadernos de bolso, em formato A6, de papel pautado, caracterizados por terem uma linha vertical ao longo de toda a página que a divide em duas metades iguais. As instruções de utilização eram simples. O professor dava-me um texto para ler em casa e o meu trabalho era o de registar na metade esquerda da página as palavras que desconhecia, deixando a metade direita para o seu significado, que requeria a consulta a um dicionário. Havia, no entanto, duas dificuldades. A primeira era a de escolher qual dos diversos significados indicados no dicionário faziam sentido no texto. A outra era que, frequentemente, a entrada no dicionário continha ela própria uma palavra que eu desconhecia e que obrigava a juntá-la ao meu caderno de significados.

Mais tarde, na minha formação em engenharia, deparei-me frequentemente com a dificuldade em combinar a necessidade de precisão da linguagem com a necessidade de facilitar a compreensão de um conceito por um não especialista. Para mostrar esta diferença tenho o hábito de, no início do semestre, pedir aos alunos que definam o que entendem por uma startup. As respostas fazem normalmente referência à idade da empresa e à utilização de tecnologia, mas é comum a referência à necessidade de um caráter inovador. É fácil encontrar contraexemplos das duas primeiras características, mas a do cariz inovador exige mais uma entrada no caderno de significados. Como se define a inovação?

A pesquisa no dicionário não ajuda muito, em particular se queremos usar a palavra no contexto das empresas e da economia. Mesmo quando se procura em publicações académicas encontra-se uma grande diversidade de definições, dependentes da área específica a que o trabalho reporta. Sendo esta uma atividade onde há enormes vantagens na colaboração multidisciplinar, uma equipa de investigadores ingleses propôs-se encontrar uma definição comum de inovação. Para isso recolheram 60 artigos de sete áreas diferentes, desde a gestão à engenharia, com definições de inovação de onde tiraram descritores para um conjunto de atributos comuns. Começaram por representar os atributos e principais descritores num diagrama a partir do qual produziram uma versão textual que se pode traduzir por: “A inovação é um processo com vários passos através do qual as organizações transformam ideias em novos ou melhorados produtos, serviços ou processos, de forma a avançarem, competirem e diferenciarem-se com sucesso no seu mercado” (Baregheh et al., 2009).

Para simplificar esta definição de inovação é útil introduzir o conceito de modelo de negócio. Este conceito tem como objetivo dar resposta às perguntas de Peter Drucker sobre quem é o cliente e o que ele valoriza e a forma como a empresa ganha dinheiro. Alex Osterwalder e outros autores definem o modelo de negócio como o conjunto de hipóteses ou suposições que constituem “o racional da forma como uma organização cria, entrega e captura valor” (Osterwalder e Pigneur, 2010). Nesta perspetiva, o valor não tem de ser necessariamente lucro para o dono da organização e as bases do modelo são hipóteses cuja validade se pode testar. Por exemplo, o modelo de negócio de um hotel baseia-se em oferecer ao viajante uma forma simples de reservar e usufruir de um alojamento na sua propriedade. A Airbnb retirou a necessidade de possuir a propriedade recorrendo a anfitriões disponíveis para receber estranhos nas suas casas, oferecendo uma experiência mais autêntica ao viajante. A facilidade de reserva e a partilha das opiniões quer de viajantes, quer de anfitriões fizeram a diferença. A diferenciação faz também parte do modelo de negócio.

O modelo de negócio inclui assim, entre outras coisas, os produtos, serviços ou processos que a organização utiliza para criar valor. Por outro lado, as ideias precisam de um conhecimento de base, fazendo o processo da sua geração parte do processo de inovação. Pode-se, assim, simplificar a definição anterior para a forma: “A inovação é um processo com vários passos através do qual as organizações transformam conhecimento num modelo de negócio de sucesso”.

Agora que já temos no nosso caderno de significados as definições de inovação e de modelo de negócio, podemos compreender melhor a forma como Steve Blank define uma startup e que me parece ser a mais rigorosa: “Uma startup é uma organização que procura um modelo de negócio”. É por isto que dizemos aos alunos que nas cadeiras de empreendedorismo irão experienciar os desafios da criação de uma startup. Na realidade, usamos esta analogia para ensinarmos como se desenha e desenvolve um modelo de negócio com base em conhecimento, ou seja, como se faz inovação. E isso, tal como o caderno de significados, vai ser-lhes útil para o resto da vida.

 

Professor do Instituto Superior Técnico