Computador solidário.”Ela ligou-me a chorar e a agradecer”

Computador solidário.”Ela ligou-me a chorar e a agradecer”


Projeto procura ajudar os alunos que não conseguem ter computador para assistir às aulas durante ensino online. Já foram feitas 115 doações em menos de 24 horas.


Desde camas e colchões até autocaravanas colocadas à porta dos hospitais, a solidariedade em tempos de covid-19 para ajudar os profissionais de saúde que estão na linha da frente no combate à pandemia – e que precisam de descansar nos tempos de pausa ou entre turnos – ganhou agora outra dimensão. Com o regresso das aulas à distância a 8 de fevereiro e com as dificuldades que alguns jovens têm vindo a atravessar no ensino online, os responsáveis pelo projeto Cama Solidária criaram a iniciativa Computador Solidário. O objetivo é só um: oferecer computadores a quem mais precisa. E, em menos de 24 horas, já foram solicitadas 115 doações e requeridos mais de 40 computadores.

“Esta ideia surgiu porque ainda há pouco tempo tive de comprar um computador à minha sobrinha. Sou voluntário da Cama Solidária, estava a falar com os outros voluntários e disse-lhes que devíamos fazer isto. Pusemos o site a funcionar ontem [domingo] e isto já está a ganhar asas, porque há um desafio no sistema de educação. O Estado diz que vai dar computadores, mas é só a alguns e há atrasos. Só vão ter direito a computador alunos com apoio social, mas há outras pessoas que não têm formalmente esse apoio e também precisam”, começa por dizer ao i Ricardo Paiágua, um dos fundadores da agência de criatividade UppOut. Quem quiser doar ou precisar de equipamento, basta ir ao site do projeto e seguir os passos lá indicados.

“As pessoas que pedem computadores têm de assinar uma declaração de honra em como dizem que os pais estão desempregados ou onde contam a sua história, para provar que aquilo é real. Depois disso combinamos e efetuamos a entrega”, esclareceu, garantindo que grande parte dos pedidos que tem recebido nas primeiras horas da iniciativa são de alunos que ingressaram recentemente na universidade. “Parece-me que são pessoas que entraram este ano para a faculdade e estavam à espera de ter um part-time para comprar um computador. Mas, como não há emprego agora por causa da pandemia, precisam de ajuda nesse sentido”, disse.

As emoções à flor da pele O primeiro computador doado foi a uma voluntária do projeto que assistia às aulas através do telemóvel. “Ela ligou-me a chorar e a agradecer, foi muito bonito”, revelou Ricardo Paiágua. A terminar o 12º ano, esta voluntária decidiu participar na iniciativa e foi surpreendida… por outro elemento da equipa, o designer do projeto, que se ofereceu para a doação. Ao i, contou que “foi fascinante” poder ter ao seu lado pessoas que praticam o bem.

“Foi-me logo doado um computador através de uma pessoa que se disponibilizou de imediato. Essa pessoa doou um computador que já não usava. Vai limpá-lo e tratar dos discos rígidos. Neste caso, vou diretamente ter com a pessoa e receber o computador com todas as medidas de segurança. Ainda não fui buscá-lo por questões pessoais”, explicou a voluntária, salientando a importância deste projeto.

“Esta iniciativa é muito importante para ajudar quem mais precisa a este nível, porque têm chegado muitas famílias, não só estudantes, que dizem ‘por favor ajudem-me’ ou ‘o meu filho não tem computador’. E não há forma de garanti-lo. É mesmo muito gratificante e emocionante poder ajudar e ser ajudada. Tenho muito orgulho em fazer parte desta equipa fantástica”, admitiu.

Agora, o momento é de consolidação do projeto, diz, e de colocar voluntários noutros pontos do país – além de Lisboa – para chegarem a todo o lado. Têm “várias pessoas” que entraram para a iniciativa muito recentemente e o propósito é ajudar o maior número possível de pessoas, tendo sempre em atenção os pedidos que chegam.

“Nós queremos ajudar, queremos realmente que toda a gente tenha um computador, mas também temos de ver quem realmente precisa para ninguém abusar da nossa boa vontade e de quem doa. Na Cama Solidária, temos a ajuda da EMEL. Recebemos as doações nos vários postos, mas, no que diz respeito aos computadores, estamos a tratar de colocar colaboradores também no Norte do país”, realça.

Designer do projeto que ajudou voluntária Se há uma voluntária que vai receber um computador, tem de haver alguém que se disponibilize a doar: Gonçalo Carvalho, designer que fez o logótipo para o site do Computador Solidário. Ao i, sublinha que não fazia sentido ter um computador em casa que não era usado. Por isso, decidiu ajudar.

“Decidi doar o computador porque estava aqui em casa, a mais, já não o utilizava e o Ricardo Paiágua falou-me deste projeto. Eu disse que podia doá-lo porque não está a ser necessário cá em casa. E claro que ajudar é sempre bom para quem não tem a possibilidade de ter um computador”, adianta, ressalvando que tem ainda de dar uns retoques finais para o equipamento ser entregue em bom estado.

“Neste momento ainda não consegui fazer grande coisa, porque estou com covid-19. Tenho de ir buscar um disco externo para passar de um computador para o outro. Mas o que penso fazer é formatar o computador, tirar de lá tudo o que tenho e poder fazer também a entrega”, disse.

Falhas no ensino à distância A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) alertou ontem o Governo que o ensino online vai arrancar na próxima semana e os problemas existentes que se verificaram no ano letivo anterior ainda não foram resolvidos, nomeadamente a distribuição de computadores e a criação de condições para acesso à banda larga de internet, para alunos e professores.

“Constitui mais um grave condicionamento do direito dos alunos à igualdade de oportunidades de acesso ao ensino e uma subversão dos direitos dos professores às ‘ferramentas’ para o seu exercício profissional”, sublinhou o sindicato, acrescentando que ainda é preciso “perceber quais as capacidades das escolas de recurso a ferramentas digitais, ao ensino a distância, à transmissão de aulas em direto, à gravação de aulas e posterior disponibilização”.