Hospitais. Esperas de 20 horas à porta das urgências

Hospitais. Esperas de 20 horas à porta das urgências


Existem bombeiros em serviço que passam mais de dez horas sem comer nem ir à casa de banho. Jaime Marta Soares pede que se acabe com a ‘anarquia’ em que o serviços de saúde estão mergulhados.


Da noite de quarta para quinta-feira, foram cerca de trinta as âmbulas que fizeram fila à porta das urgências do Hospital de Santa Maria. A partir daí, tem sido sempre a aumentar. Contactado pelo Nascer do SOL, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses afirma que o tempo de espera já chega a mais de 20 horas.
«Não há o mínimo respeito pelo sofrimento das pessoas», lamenta Jaime Marta Soares, referindo-se tanto aos doentes como aos bombeiros que permanecem horas à espera de uma vaga para entrar nos hospitais. As horas de espera traduzem-se em horas sem comer e sem fazer as necessidades fisiológicas. «Estar numa ambulância duas, quatro, seis, vinte horas é dramático. É dramático para o doente que está a sofrer e é dramático para os bombeiros que efetivamente os transportam com segurança, profissionalismo, saber, carinho, ternura aos hospitais». Para os doentes, esse mesmo tempo traduz-se ainda num agravamento da sua situação clínica. 
Num comunicado enviado pelo Hospital de Santa Maria às redações na passada quarta-feira, o centro hospitalar esclareceu que 70% dos doentes daquele dia eram «provenientes das áreas de outros hospitais» e que «só 15% apresentam situações que justificam o recurso a uma urgência hospitalar». Em resposta ao comunicado, o presidente da Liga dos Bombeiros afirma que a decisão de levar um doente para um determinado hospital não cabe aos bombeiros. «Não culpem – como ontem ouvi em palavras precipitadas, na minha opinião, do senhor presidente do concelho de administração do Hospital de Santa Maria – os bombeiros nem digam que levam para lá os doentes de seu livre arbítrio». Os doentes que chamam o 112 veem-se transportados para onde o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) assim o entender, não tendo os bombeiros qualquer papel na tomada de decisão. Jaime Marta Soares lança um apelo: «Que acabem com esta tremenda anarquia em que o setor dos serviços de saúde está envolvido. Não souberam programar e planear em termos de organização interna e externa. Tudo isto tem andado, infelizmente, um pouco à deriva». 

De quem é a responsabilidade? 

Para o presidente da Liga, «a responsabilidade logística do apoio aos doentes – que muitas vezes são os próprios bombeiros que os ajudam, até dividem o pouco que têm – compete exclusiva e obrigatoriamente aos serviços sociais dos hospitais». No entanto, essa tarefa não tem sido cumprida com rigor. A fazer mais do que o seu próprio trabalho, a maior parte do apoio dado aos bombeiros tem sido feito pela parte de populares que, por conta própria, se disponibilizam para entregar alguma alimentação. Mas mesmo para que possam comer ou ir à casa de banho, os bombeiros têm de atravessar um processo difícil.

Horas sem comer 

Quando as equipas de bombeiros vão recolher um doente costumam estar presentes duas pessoas: o condutor e o tripulante. O tripulante já vai previamente equipado e a partir do momento em que entra em contacto com o suspeito de covid-19 não pode interagir com o condutor. Por isso mesmo, o mais comum é que quem esteja a cuidar do doente o faça até ao fim. Se precisar de sair de junto do doente, é necessário que o condutor se equipe. O uso de equipamentos de proteção individual (EPI) está, no entanto, a ser fracionado, de modo a que se gaste o mínimo de recursos possível. Até o próprio processo de comer ou ir à casa de banho é complicado. O bombeiro é obrigado a desinfetar-se e a retirar o EPI e, por isso, a maioria passa várias horas sem comer nem fazer necessidades fisiológicas. Quanto à rendição de turnos, isso depende de cada corporação mas, em muitos casos, não existem bombeiros suficientes para substituir os colegas e aceder aos restantes pedidos. Jaime Marta Soares afirma que «os bombeiros têm vindo a desdobrar-se» cada vez mais.

Atrasos na vacinação 

A esta situação junta-se o «tremendo atraso na vacinação» às corporações de bombeiros. O Presidente da Liga explica que apesar de os bombeiros fazerem parte da lista prioritária de vacinação contra a covid-19 «até hoje ainda não foram vacinados, a não ser com as sobras de alguns lares». Jaime Marta Soares acredita que, por estarem desde março na «linha da frente de transportes de doentes covid e suspeitos de covid», os bombeiros «deviam ter sido prioritários na vacinação, não passando à frente dos médicos e das pessoas internadas nos lares».
Está previsto que o processo de vacinação dos bombeiros comece na próxima segunda-feira, o primeiro dia de fevereiro, e o presidente da Liga espera que esse «compromisso seja finalmente cumprido». Se continuam a fazer o seu trabalho apesar das condições a que estão sujeitos, considera, é porque «têm o dom do cuidado, sofrem e não se queixam a ninguém; são seres humanos que exercem uma missão para a qual estão vocacionados de entrega aos outros e isso marca-os profundamente para a vida». 

O trabalho dos bombeiros tem sido essencial desde o primeiro dia de pandemia, no entanto, os profissionais e voluntários queixam-se de estarem a ser «deixados para trás» comparativamente ao INEM, por exemplo, cujos membros já foram vacinados. Apesar de cansados, os bombeiros continuaram a estar na linha da frente na atual situação pandémica, sem nunca esquecer que o mundo não parou por causa disso e continuando a acolher às restantes situações que requerem o seu apoio.

Conforme disse um bombeiro voluntário contactado pelo Nascer do Sol: «Mais corajosos do que os bombeiros é difícil».