Uma falsa democracia


O poder político em Portugal dedica-se a mentir e a iludir os portugueses, e não sabe, ou não quer, avaliar as causas de sermos hoje a cauda da Europa.


Ao iniciarmos uma nova década e depois de uma triste eleição presidencial, seria natural que a classe política fizesse uma avaliação das causas de duas décadas de estagnação económica e de empobrecimento dos portugueses relativamente à generalidade dos outros povos da União Europeia.

Ora, essa avaliação não só não foi feita como o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro, António Costa, o Governo e o Partido Socialista iludem sistematicamente esta e outras questões e pintam uma situação económica e social do país que nada tem a ver com a realidade. Ora, como não é credível que não saibam destas duas últimas décadas de confinamento nacional, a conclusão óbvia é a de que o poder político em Portugal se dedica a mentir e a iludir os portugueses, e não sabe, ou não quer, avaliar as causas de sermos hoje a cauda da Europa, aceitando com naturalidade que dependamos cada vez mais das bazucas europeias para sobreviver como nação independente.

Acresce que a ilusão e a mentira se tornaram moeda corrente no poder político e sucedem–se os casos em que o Governo tenta esconder a sua incapacidade governativa iludindo a realidade. Porventura mais grave, existem muitos milhares de cidadãos que têm a plena consciência dessa realidade nacional e têm ideias e propostas para desenvolver a economia e modernizar o País, mas não têm os necessários meios de intervenção política, que seriam normais num regime democrático – razão por que metade dos portugueses já deixaram de votar, sem que isso provoque um qualquer estremecimento nacional.

Estas são algumas das razões da minha intervenção política e a razão por que abandonei o Partido Socialista, por este se recusar há 20 anos, mesmo depois da revisão constitucional, a alterar as leis eleitorais. De facto, o PS recusa-se a fazer quaisquer outras reformas e, dominando o poder político em Portugal durante o último quarto de século, tem usado o Estado para favorecer aquilo a que hoje chamamos a grande família socialista e os amigos dela dependentes. Nos últimos anos, o PS reforçou até esse poder através da geringonça, em aliança com os partidos da extrema-esquerda, que têm projetos próprios – o chamado centralismo democrático, que é a via para, através do Estado, controlar a liberdade e a participação dos cidadãos na vida pública. Por sua vez, a economia já hoje depende do Estado para quase tudo, ao arrepio de todas as experiências de desenvolvimento económico dos restantes países europeus. O resultado é que os países que entraram depois de nós na União Europeia, com níveis de desenvolvimento muito inferiores aos nossos, nos passam à frente. A maioria já nos ultrapassou e outros estão em vias de o fazer.

Acredito que a corrupção, que hoje domina a vida política portuguesa, é o resultado da inexistência de instituições de controlo democrático, como acaba de ser visível na preocupação com que é vista pelo Governo a nova Procuradoria da Justiça Europeia, que terá como missão um maior controlo dos fundos comunitários, fundos que em Portugal têm sido uma das vias preferidas de desvio de dinheiros públicos e causa do empobrecimento do país. Recebemos ao longo dos anos mais de 130 mil milhões de euros destinados ao nosso desenvolvimento e somos um dos países mais pobres da Europa, o que, aparentemente, não preocupa o Presidente da República e o primeiro-ministro, que se limitam a salivar por mais uma bazuca cujo fim não será diferente do passado, dinheiro gasto em corrupção, em autoestradas, estádios de futebol, parcerias público-privadas e outros erros estratégicos graves que conduziram ao endividamento externo.

Estas são as razões por que afirmo que Portugal não é uma democracia, mas uma plutocracia partidária baseada no centralismo democrático de um passado de má memória. Porque não podemos escolher pelo voto os nossos representantes ou, pior, porque não nos é permitido impedir pelo voto aqueles que os chefes partidários escolhem, mesmo quando sabemos que são corruptos, incompetentes ou simplesmente inimputáveis. Podemos falar livremente, é verdade, mas o acesso aos grandes meios de comunicação é, em grande parte, reservado aos amigos do poder e a participação política livre é quase inexistente, porque a vontade do Estado sobrepõe-se a todas as críticas da sociedade e das suas instituições.

Há um quarto de século chamei a atenção do Partido Socialista e de António Guterres para o processo democrático de progresso e de desenvolvimento que dava os seus primeiros passos na Irlanda e apresentei uma moção ao xii Congresso do PS onde apontei esse país como tendo o maior potencial de crescimento económico europeu por aquilo que estava a fazer. Nesse tempo, a Irlanda tinha um nível de desenvolvimento semelhante ao nosso mas, hoje, está na linha da frente da Europa e Portugal é o carro-vassoura da União Europeia. Volto a perguntar, porquê?

Estive na Irlanda durante as últimas eleições para o Parlamento. Não havia cartazes de partidos, mas apenas pequenos cartazes com a fotografia individual de cada candidato em que cada um deles pedia para ser o número 1 em grandes carateres. A razão é que os irlandeses escolhem os seus candidatos preferidos, colocando-os em primeiro, segundo e terceiro lugar da sua lista de voto, e aqueles de que não gostam, porventura como resultado da legislatura anterior, colocam-nos no fim da lista, ou seja, não são eleitos. Com este método, mais de metade dos deputados da Assembleia da República iriam à vida, sendo essa a razão por que os maiores partidos portugueses não querem ouvir falar da reforma das leis eleitorais, porque pretendem ter no Parlamento quem sirva os seus objetivos, e não quem sirva Portugal e os portugueses.

O controlo exercido pelos partidos em todas as nomeações para os mais diversos cargos públicos, empresas e instituições faz com que, presentemente, a grande família socialista domine a vida política nacional, mas também uma grande parte da atividade económica. O Presidente do PS, sozinho, tem cerca de uma dúzia de familiares com empregos no Estado, mas só por milagre todos esses familiares e amigos serão profissionais competentes e dedicados ao bem público. Muitos outros socialistas criam empresas para vender produtos ou serviços ao Estado. O marido da ministra da Justiça, que agora é suspeita de tentar evitar que na Procuradoria da União Europeia esteja uma procuradora competente e honrada, é um advogado que se dedica a fazer contratos com o Estado. O caso das golas que ardiam resultou de negócios com o Estado de um secretário de Estado e de um diretor-geral. Autarcas e os seus familiares são um viveiro de negócios com as autarquias. Existem centenas de casos na justiça de desvio de dinheiros dos fundos comunitários. Os novos projetos do Governo do lítio e do hidrogénio são suspeitos de serem negócios pouco claros de um ministro e de um secretário de Estado.

Tudo o que descrevo é uma pequena parte dos escândalos que dominam a vida política nacional, o que só é possível por Portugal não ser uma democracia. Porque os deputados são parte do problema da ausência de fiscalização dos Governos, porque o Governo não se sente obrigado a ouvir e a atender os cidadãos e porque o Presidente da República se limita a cuidar da sua popularidade e a fechar os olhos a tudo o que sejam problemas e dificuldades próprias de um regime democrático. De facto, convive bem com a corrupção do regime e com a subversão dos poderes partidários que conduziram Portugal para o fim da escala de desenvolvimento da União Europeia. Um Presidente da República que não tem uma ideia para superar duas décadas de estagnação económica num mundo em desenvolvimento acelerado e faz da estabilidade a sua única contribuição para o futuro de Portugal. Uma Presidência da República que preside um país pobre, parado no tempo, sem reformas e sem uma estratégia de desenvolvimento. Poderia, ao menos, tentar compreender as causas do desenvolvimento da Irlanda e dos países da antiga Cortina de Ferro, mas não o faz. Vive contente com o que tem.

Recentemente publiquei um texto com meia dúzia de páginas com uma estratégia e propostas sobre as formas de combater a pobreza e de promover o mérito e a igualdade de oportunidades através da educação e realizar o desenvolvimento económico com base na indústria, no investimento estrangeiro e no crescimento das exportações. Trata-se de um debate que não é feito porque não interessa ao Presidente da República nem ao Governo, suponho que por serem ideias que chegam de fora do castelo do poder político. Estão demasiado ocupados a tratar da pandemia nas televisões, o que seria a missão dos cientistas, dos médicos e de um sistema de saúde moderno, desenvolvido e bem organizado. Infelizmente, nesse processo transformaram os lares de idosos numa imensa câmara mortuária onde a existência de cerca de um milhar de lares ilegais é, porventura, o retrato mais eloquente de um regime político não democrático, que afasta os portugueses da resolução dos seus problemas.

 

Empresário

Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”