Arménia e Azerbaijão – Um conflito regional com implicações globais


Sem a necessária intervenção internacional, este conflito arrastar-se-ia com custos e impactos incalculáveis nos mercados de energia, e com consequências imprevisíveis no domínio da paz internacional.


RESUMO

O conflito militar entre a Arménia e o Azerbaijão pelo controlo da região de Nagorno-Karabakh, um enclave situado entre aqueles dois Estados caucasianos, tornados independentes na sequência da dissolução da União Soviética, durante muito tempo revelou-se como sendo mais do que uma disputa de âmbito regional, estendendo-se, também, à esfera internacional, tendo em consideração, sob o ponto de vista económico, a proximidade de importantes infraestruturas – oleodutos e gasodutos – relacionadas com a distribuição de energia aos mercados europeus, e o risco da sua eventual interrupção, e, nos domínios geostratégicos, a sua importante situação territorial. Atentos a todo este cenário e às suas nefastas implicações estiveram diversos países, entre os quais a Turquia, a Rússia, a Geórgia e o Irão, na sua condição de exportadores ou consumidores de hidrocarbonetos. Sem a necessária intervenção internacional, este conflito arrastar-se-ia com custos e impactos incalculáveis nos mercados de energia, e com consequências imprevisíveis no domínio da paz internacional.

ANÁLISE

Nagorno-Karabakh é um território reconhecido internacionalmente como fazendo parte do Azerbaijão. É um Estado separatista, situado na região sul do Cáucaso, apoiado pela Arménia. Ao longo dos anos, o enclave foi palco de confrontações de menor dimensão, até que, em Abril de 2016, foram registadas, por um período de quatro dias, violentas acções entre a Arménia e o Azerbaijão, com um saldo de duzentas vítimas, para cada lado. Dois anos mais tarde, forças azeris desencadearam uma acção militar com o objectivo de retomarem o território de Günnüt, de enorme importância estratégica, naquele que foi considerado como o maior confronto entre as forças militares dos dois Estados. A estes confrontos, outros se seguiram, tendo vitimado largas dezenas de soldados e civis de ambos os lados. A eclosão das recentes iniciativas militares por parte da liderança do Azerbaijão centrou-se na restauração da sua integridade territorial, não as tendo começado mais cedo devido ao receio de uma intervenção militar russa directa no conflito. Aparentemente, o actual envolvimento do Kremlin noutras iniciativas de âmbito geoestratégico, nomeadamente em territórios da antiga União Soviética e, também, do Médio Oriente, ter-se-á revelado como uma oportunidade a não perder. Já da parte dos responsáveis arménios, os recentes acontecimentos indiciam o seu menor interesse numa efectiva negociação. Objectivamente, o arrastado conflito entre a Arménia e o Azerbaijão dificilmente envolverá tanto a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), como a Organização do Tratado de Segurança Colectiva (CSTO, da sigla inglesa)[i], tendo em conta a ausência de pressupostos que validem qualquer tipo de intervenção destas organizações. Certo é que qualquer um dos Estados beligerantes beneficia de consideráveis apoios externos. A Arménia partilha uma relação próxima da Rússia e do Irão, tanto por razões históricas, económicas, geográficas e até culturais, A relação com a Rússia estende-se à esfera militar, onde o Kremlin mantém uma forte presença em território arménio. A Rússia, todavia, mantém boas relações com o governo azeri, sem qualquer tipo de interesse, portanto, no agravamento do conflito. De resto, para os especialistas russos, o Azerbaijão não tem menor valor estratégico do que a Arménia. Da sua parte, o Irão, que se afirma como uma das potências da Eurásia, é um dos fortes aliados da Arménia. Já o Azerbaijão tem como aliado de peso, a Turquia, que não esconde o seu firme propósito de controlar as rotas da energia a par do seu alegado compromisso de demonstrar apoio a todas as minorias muçulmanas turcas, estejam onde estiverem.

De acordo com os dados actuais[ii], as populações da Arménia e do Azerbaijão ultrapassam já, respectivamente, os 3 milhões e os 10 milhões de habitantes, ocupando territórios com 29.743 km², no caso da Arménia, e de 86.600 km², no do Azerbaijão. No capítulo da religião, regista-se uma clara diferença de credos, com domínio do Cristianismo (Igreja Arménia), no caso da população arménia (92,6 por cento), e do Islão, no caso da população azeri (96,9 por cento, predominantemente xiita). No sector económico, a Arménia tem sido bastante afectada pelo seu isolamento geográfico, onde  sectores empresariais importantes ficaram particularmente vulneráveis à volatilidade verificada nos mercados globais de mercadorias. No tocante a recursos naturais, o país possui pequenos depósitos, sobretudo, de ouro, cobre, zinco e chumbo. Do lado do Azerbaijão, a sua economia mantém-se em fase de transição, com níveis elevados de corrupção, tanto no sector público, como no privado, o que tem constituído um obstáculo no crescimento a longo prazo. Os seus recursos naturais são muito significativos, com destaque para importantes reservas de petróleo e de gás natural, a par de um sector agrícola com enorme potencial.

Mas, afinal, o que está em causa em todo este processo? Dependendo dos analistas, serão várias as razões para este longo conflito; desde logo, as de natureza fundamentalmente económica. Dentre as antigas repúblicas soviéticas, o Azerbaijão é o terceiro maior exportador de petróleo, assumindo-se com um relevante protagonista nos mercados de petróleo e gás, o que em muito tem contribuído para o aumento do seu Produto Interno Bruto, particularmente nas duas últimas décadas, apesar da sua recente queda, em consequência da pandemia [COVID-19]. Situação bem diferente é vivida pela Arménia, que não possui reservas de petróleo, o que a faz depender fortemente do apoio da Rússia, que tem em consideração o risco de uma pouco provável acção arménia visando os oleodutos azeris. De facto, o papel da Rússia é determinante no controlo do conflito, tendo em conta a sua relação com os dois Estados. Se, por um lado, tem interesses económicos decorrentes do fornecimento de armas ao Azerbaijão, por outro, tem grande participação nos principais sectores económicos da Arménia. Neste contexto, o Kremlin vê nesta sua equidistância estratégica relativamente aos beligerantes, uma maior influência na região, aproveitando, ainda, o facto do tímido envolvimento da Comunidade Internacional[iii].

Finalmente, e após seis meses de acesas confrontações, a Arménia e o Azerbaijão assinaram um acordo de paz. no passado dia 10 de Novembro, que prevê a retirada do exército arménio de alguns dos territórios ocupados, enquanto que o Azerbaijão manterá áreas em Nagorno-Karabakh que conquistou durante o conflito. O acordo prevê, igualmente, a par de outras concessões, a criação de um corredor que permita a comunicação entre Nagorno-Karabakh e a Arménia. Como garante da manutenção da paz e do respeito pelo acordo, paralelamente à retirada das forças arménias, um contingente militar russo será destacado para a região, por um período de cinco anos; renováveis, se se afigurar necessário[iv]. Para a Rússia, o acordo é justo para ambas as partes, enquanto o Azerbaijão afirma tratar-se de uma “rendição arménia”. Do lado da Arménia há o sentimento de ter assinado um tratado “muito doloroso” para o seu povo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a assinatura do acordo de paz entre a Arménia e o Azerbaijão, acreditam os seus promotores e todos os envolvidos, terem sido criadas condições para a desejada e necessária estabilidade nos dois Estados vizinhos e, igualmente, para toda a região. A Arménia e o seu povo irão, assim, ter de viver com um profundo sentimento de derrota. Já uma parte da Comunidade Internacional, e, em particular, a União Europeia terá de enfrentar outro tipo de sentimento: o de não ter sabido assumir-se, uma vez mais, como um verdadeiro protagonista e mediador da paz em mais um conflito ocorrido numa região considerada de enorme importância geostratégica. Algo que a Rússia muito agradece.

 

Lisboa, 16 de Dezembro de 2020

João Henriques

Investigador Integrado do Observatório de Relações Exteriores (OBSERVARE)/Universidade Autónoma de Lisboa

Vice-Presidente do Observatório do Mundo Islâmico

Auditor de Defesa Nacional pelo Institut des Hautes Études de Défense Nationale (IHEDN), de Paris

 


[i] Altura em que o governo da Arménia começou a reivindicar a anexação do enclave ao seu território.

[ii] CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. THE WORLD FACTBOOK. Disponível em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/docs/one_page_summaries.html  [Consultado em 14 de Dezembro de 2020].

[iii] EUROPEAN MOVEMENT INTERNATIONAL . Disponível em: https://europeanmovement.eu/wp-content/uploads/2015/05/2013.09-Current-situation-Nagorno-Karabakh.pdf

[iv] Kremlin.ru, 10 de Novembro de 2020.

 

Arménia e Azerbaijão – Um conflito regional com implicações globais


Sem a necessária intervenção internacional, este conflito arrastar-se-ia com custos e impactos incalculáveis nos mercados de energia, e com consequências imprevisíveis no domínio da paz internacional.


RESUMO

O conflito militar entre a Arménia e o Azerbaijão pelo controlo da região de Nagorno-Karabakh, um enclave situado entre aqueles dois Estados caucasianos, tornados independentes na sequência da dissolução da União Soviética, durante muito tempo revelou-se como sendo mais do que uma disputa de âmbito regional, estendendo-se, também, à esfera internacional, tendo em consideração, sob o ponto de vista económico, a proximidade de importantes infraestruturas – oleodutos e gasodutos – relacionadas com a distribuição de energia aos mercados europeus, e o risco da sua eventual interrupção, e, nos domínios geostratégicos, a sua importante situação territorial. Atentos a todo este cenário e às suas nefastas implicações estiveram diversos países, entre os quais a Turquia, a Rússia, a Geórgia e o Irão, na sua condição de exportadores ou consumidores de hidrocarbonetos. Sem a necessária intervenção internacional, este conflito arrastar-se-ia com custos e impactos incalculáveis nos mercados de energia, e com consequências imprevisíveis no domínio da paz internacional.

ANÁLISE

Nagorno-Karabakh é um território reconhecido internacionalmente como fazendo parte do Azerbaijão. É um Estado separatista, situado na região sul do Cáucaso, apoiado pela Arménia. Ao longo dos anos, o enclave foi palco de confrontações de menor dimensão, até que, em Abril de 2016, foram registadas, por um período de quatro dias, violentas acções entre a Arménia e o Azerbaijão, com um saldo de duzentas vítimas, para cada lado. Dois anos mais tarde, forças azeris desencadearam uma acção militar com o objectivo de retomarem o território de Günnüt, de enorme importância estratégica, naquele que foi considerado como o maior confronto entre as forças militares dos dois Estados. A estes confrontos, outros se seguiram, tendo vitimado largas dezenas de soldados e civis de ambos os lados. A eclosão das recentes iniciativas militares por parte da liderança do Azerbaijão centrou-se na restauração da sua integridade territorial, não as tendo começado mais cedo devido ao receio de uma intervenção militar russa directa no conflito. Aparentemente, o actual envolvimento do Kremlin noutras iniciativas de âmbito geoestratégico, nomeadamente em territórios da antiga União Soviética e, também, do Médio Oriente, ter-se-á revelado como uma oportunidade a não perder. Já da parte dos responsáveis arménios, os recentes acontecimentos indiciam o seu menor interesse numa efectiva negociação. Objectivamente, o arrastado conflito entre a Arménia e o Azerbaijão dificilmente envolverá tanto a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), como a Organização do Tratado de Segurança Colectiva (CSTO, da sigla inglesa)[i], tendo em conta a ausência de pressupostos que validem qualquer tipo de intervenção destas organizações. Certo é que qualquer um dos Estados beligerantes beneficia de consideráveis apoios externos. A Arménia partilha uma relação próxima da Rússia e do Irão, tanto por razões históricas, económicas, geográficas e até culturais, A relação com a Rússia estende-se à esfera militar, onde o Kremlin mantém uma forte presença em território arménio. A Rússia, todavia, mantém boas relações com o governo azeri, sem qualquer tipo de interesse, portanto, no agravamento do conflito. De resto, para os especialistas russos, o Azerbaijão não tem menor valor estratégico do que a Arménia. Da sua parte, o Irão, que se afirma como uma das potências da Eurásia, é um dos fortes aliados da Arménia. Já o Azerbaijão tem como aliado de peso, a Turquia, que não esconde o seu firme propósito de controlar as rotas da energia a par do seu alegado compromisso de demonstrar apoio a todas as minorias muçulmanas turcas, estejam onde estiverem.

De acordo com os dados actuais[ii], as populações da Arménia e do Azerbaijão ultrapassam já, respectivamente, os 3 milhões e os 10 milhões de habitantes, ocupando territórios com 29.743 km², no caso da Arménia, e de 86.600 km², no do Azerbaijão. No capítulo da religião, regista-se uma clara diferença de credos, com domínio do Cristianismo (Igreja Arménia), no caso da população arménia (92,6 por cento), e do Islão, no caso da população azeri (96,9 por cento, predominantemente xiita). No sector económico, a Arménia tem sido bastante afectada pelo seu isolamento geográfico, onde  sectores empresariais importantes ficaram particularmente vulneráveis à volatilidade verificada nos mercados globais de mercadorias. No tocante a recursos naturais, o país possui pequenos depósitos, sobretudo, de ouro, cobre, zinco e chumbo. Do lado do Azerbaijão, a sua economia mantém-se em fase de transição, com níveis elevados de corrupção, tanto no sector público, como no privado, o que tem constituído um obstáculo no crescimento a longo prazo. Os seus recursos naturais são muito significativos, com destaque para importantes reservas de petróleo e de gás natural, a par de um sector agrícola com enorme potencial.

Mas, afinal, o que está em causa em todo este processo? Dependendo dos analistas, serão várias as razões para este longo conflito; desde logo, as de natureza fundamentalmente económica. Dentre as antigas repúblicas soviéticas, o Azerbaijão é o terceiro maior exportador de petróleo, assumindo-se com um relevante protagonista nos mercados de petróleo e gás, o que em muito tem contribuído para o aumento do seu Produto Interno Bruto, particularmente nas duas últimas décadas, apesar da sua recente queda, em consequência da pandemia [COVID-19]. Situação bem diferente é vivida pela Arménia, que não possui reservas de petróleo, o que a faz depender fortemente do apoio da Rússia, que tem em consideração o risco de uma pouco provável acção arménia visando os oleodutos azeris. De facto, o papel da Rússia é determinante no controlo do conflito, tendo em conta a sua relação com os dois Estados. Se, por um lado, tem interesses económicos decorrentes do fornecimento de armas ao Azerbaijão, por outro, tem grande participação nos principais sectores económicos da Arménia. Neste contexto, o Kremlin vê nesta sua equidistância estratégica relativamente aos beligerantes, uma maior influência na região, aproveitando, ainda, o facto do tímido envolvimento da Comunidade Internacional[iii].

Finalmente, e após seis meses de acesas confrontações, a Arménia e o Azerbaijão assinaram um acordo de paz. no passado dia 10 de Novembro, que prevê a retirada do exército arménio de alguns dos territórios ocupados, enquanto que o Azerbaijão manterá áreas em Nagorno-Karabakh que conquistou durante o conflito. O acordo prevê, igualmente, a par de outras concessões, a criação de um corredor que permita a comunicação entre Nagorno-Karabakh e a Arménia. Como garante da manutenção da paz e do respeito pelo acordo, paralelamente à retirada das forças arménias, um contingente militar russo será destacado para a região, por um período de cinco anos; renováveis, se se afigurar necessário[iv]. Para a Rússia, o acordo é justo para ambas as partes, enquanto o Azerbaijão afirma tratar-se de uma “rendição arménia”. Do lado da Arménia há o sentimento de ter assinado um tratado “muito doloroso” para o seu povo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a assinatura do acordo de paz entre a Arménia e o Azerbaijão, acreditam os seus promotores e todos os envolvidos, terem sido criadas condições para a desejada e necessária estabilidade nos dois Estados vizinhos e, igualmente, para toda a região. A Arménia e o seu povo irão, assim, ter de viver com um profundo sentimento de derrota. Já uma parte da Comunidade Internacional, e, em particular, a União Europeia terá de enfrentar outro tipo de sentimento: o de não ter sabido assumir-se, uma vez mais, como um verdadeiro protagonista e mediador da paz em mais um conflito ocorrido numa região considerada de enorme importância geostratégica. Algo que a Rússia muito agradece.

 

Lisboa, 16 de Dezembro de 2020

João Henriques

Investigador Integrado do Observatório de Relações Exteriores (OBSERVARE)/Universidade Autónoma de Lisboa

Vice-Presidente do Observatório do Mundo Islâmico

Auditor de Defesa Nacional pelo Institut des Hautes Études de Défense Nationale (IHEDN), de Paris

 


[i] Altura em que o governo da Arménia começou a reivindicar a anexação do enclave ao seu território.

[ii] CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. THE WORLD FACTBOOK. Disponível em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/docs/one_page_summaries.html  [Consultado em 14 de Dezembro de 2020].

[iii] EUROPEAN MOVEMENT INTERNATIONAL . Disponível em: https://europeanmovement.eu/wp-content/uploads/2015/05/2013.09-Current-situation-Nagorno-Karabakh.pdf

[iv] Kremlin.ru, 10 de Novembro de 2020.