O conflito Sarauí e as relações Marrocos – Argélia


RESUMO O Sara Ocidental é um território situado na costa noroeste do continente africano, banhado pelo Oceano Atlântico, limitado a norte por Marrocos, a leste pela Argélia, e a leste e sul pela Mauritânia. Antiga colónia espanhola, entre 1884 e 1975, e que a partir de 1976, com a assinatura do Acordo de Madrid[ii], se…


RESUMO

O Sara Ocidental é um território situado na costa noroeste do continente africano, banhado pelo Oceano Atlântico, limitado a norte por Marrocos, a leste pela Argélia, e a leste e sul pela Mauritânia. Antiga colónia espanhola, entre 1884 e 1975, e que a partir de 1976, com a assinatura do Acordo de Madrid[ii], se retirou do território que é, actualmente, controlado em cerca de 80 por cento por Marrocos, sendo os restantes cerca de 20 por cento controlados pela Frente Polisário, que a 27 de Fevereiro de 1976, proclamou a República Árabe Saaraui Democrática (RASD), que pretende estabelecer um Estado independente na antiga colónia espanhola, contando desde sempre com a oposição de Marrocos, que considera o Sara Ocidental como parte do seu território, enquanto que, por parte da Comunidade Internacional, não existe consenso sobre o estatuto da RASD, reconhecida, inicialmente, por mais de 80 Estados, mas não pela ONU, que considera o Sara Ocidental como um “território não autónomo”, reconhecendo, no entanto, o direito do seu povo à autodeterminação e independência, e a Frente Polisário como seu representante[iii]. Muitos dos Estados que, inicialmente, reconheceram a RASD, retiraram ou suspenderam, entretanto, o seu apoio, na expectativa dos resultados do referendo, que, de acordo com a Resolução 2548, deste ano, do Conselho de Segurança da ONU, alargou o mandato da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sara Ocidental (MINURSO), até 31 de Dezembro de 2021, apelando, ainda, às partes em litígio para o reinício das negociações[iv]. Da sua parte, a Liga Árabe afirma reconhecer a “integridade territorial” de Marrocos. A posição da União Europeia é de total alinhamento com as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, considerando o Sara Ocidental como um “território não autónomo, cujo estatuto final será determinado pelo resultado do processo das Nações Unidas, em curso”[v].

Rico em fosfato, cobre, urânio e ferro, para além de enormes recursos piscatórios e, segundo alguns especialistas, possuir, igualmente, depósitos de petróleo offshore, o território tem sido palco de longas e acesas disputas entre Marrocos e a Frente Polisário, que é apoiada pela Argélia, enquanto movimento de libertação do povo  Sarauí[i]. Este conflito justificaria a intervenção da ONU, em 1991, que mediaria um cessar-fogo no pressuposto da realização de um referendo sobre o destino do território. Todavia, essa consulta, inicialmente agendada para o ano seguinte, não teve, ainda lugar.

Passadas três décadas sobre o acordo de cessar-fogo entre Marrocos e a Frente Polisário, as hostilidades reacenderam-se, na sequência de uma intervenção do exército marroquino, ocorrida no dia 13 do passado mês de Novembro, em Guerguerat, zona tampão patrulhada por uma força de paz das Nações Unidas, localizada na costa sul do Sara Ocidental, numa estrada que leva à Mauritânia. De acordo com as autoridades marroquinas, esta operação visava “restabelecer a livre circulação do tráfego civil e comercial” entre as áreas controladas por Marrocos e a vizinha Mauritânia, e que tinha sido bloqueada ao longo de três semanas por activistas sarauís. De imediato, a Frente Polisário declarou que, com esta agressão, o acordo de cessar-fogo, de 1991, teria sido violado por Rabat. Da sua parte, as autoridades marroquinas fundamentaram a acção declarando que a mesma ocorreu numa parcela territorial despovoada e com o propósito de “pôr termo às provocações” da Frente Polisário[vi]. Este episódio acabaria por dar lugar a um novo capítulo daquele que é considerado como um dos conflitos mais antigos do continente africano. Com posicionamentos bem diferentes neste arrastado conflito regional estão Marrocos e Argélia, onde os interesses geoestratégicos são, naturalmente, opostos.

 

ANÁLISE

Por iniciativa do rei Hassan II, no dia 6 de Novembro de 1976, foi lançado um movimento de protesto, que seria conhecido como a Marcha Verde. Esta acção mobilizaria 350 mil manifestantes, que entraram no território [Sara Espanhol], sob administração espanhola [1884-1975], com o propósito de reivindicar a sua reunificação. O movimento resultaria na assinatura do Acordo de Madrid, assinado em 1975.

Actualmente, com uma população que ultrapassa já os 600 mil habitantes[vii], o território tem um superfície de 266 mil quilómetros quadrados, e uma costa atlântica com uma extensão de 1.110 quilómetros. É rico em recursos naturais, com destaque para os depósitos de fosfato, e uma abundante diversidade piscatória. A sua importante localização, com destaque para a ligação ao Oceano Atlântico, faz do território uma destacada plataforma em termos geostratégicos, o que poderá justificar o envolvimento da Argélia no conflito, e o seu declarado apoio à autodeterminação do povo sarauí, do qual beneficiaria, através da criação de um importantíssimo corredor para o Atlântico, com evidentes vantagens tanto de natureza económica, como militar. Oficialmente, contudo, as autoridades argelinas reafirmam que a sua posição neste processo se deve unicamente ao “permanente apoio que a Argélia concede aos povos colonizados e ao seu direito à autodeterminação”, lembrando, entretanto, uma declaração conjunta da ONU e da União Africana sobre a necessidade da resolução do conflito “no quadro da legalidade internacional”[viii].

Apesar do acordo de cessar-fogo, de 1991, têm sido recorrentes as manifestações, inicialmente pacíficas, mas que, com o decorrer do tempo, passaram a ser marcadas por confrontos entre civis e as forças de segurança marroquinas, que continuam a controlar uma parte considerável do território[ix].

Sob os auspícios da ONU, o ano de 2019 registou o reinício das conversações entre Marrocos, a Frente Polisário, a Argélia e a Mauritânia, com o propósito de se chegar a um acordo de princípio relativamente ao destino do território. Todavia, o conflito reacendeu-se, em Novembro deste ano, como reacção à intervenção das autoridades marroquinas na zona desmilitarizada de Guerguerat, alegadamente para pôr fim ao bloqueio provocado pelos independentistas, acusando a Frente Polisário de “actos provocatórios” aos quais responderão com uma “acção firme”[x]. A Frente Polisário recusou, entretanto, as acusações referindo que os bloqueios têm sido “conduzidos por manifestantes civis”, não tendo havido “nenhum envolvimento do grupo independentista”.

O reinício do conflito provocou uma natural apreensão por parte da ONU, da União Africana e dos países vizinhos, que receiam os efeitos de uma escalada de violência, lamentando, ao mesmo tempo, a falta de resultados práticos na sua resolução. Também a União Europeia apelou ao respeito pelo cessar-fogo, de modo a evitar o aprofundamento do conflito. Entretanto, junto da população sarauí, especialmente nas camadas mais jovens, tem vindo a instalar-se um sentimento de indisfarçável pessimismo, o que poderá resultar em acções de radicalização. Aparentemente, tanto os Estados Unidos, como o Reino Unido, a Rússia, a França e a Espanha têm mantido algum distanciamento no que concerne a uma solução que ponha termo a este longo conflito que teimosamente submete o povo sarauí.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da celebração de um acordo de cessar-fogo entre Marrocos e a Frente Polisário, datado de 1988, e que compreendia um plebiscito agendado para 1992, o mesmo ainda não aconteceu, devido ao continuado desacordo sobre quem tem direito a votar. As autoridades marroquinas entendem que esse direito deverá ser exercido por toda a população residente no Sara Ocidental. Já para a Frente Polisário, a participação nessa consulta popular só deverá ser permitida aos habitantes contados no censo de 1974, o que impedirá o voto dos marroquinos emigrados para a região, depois dessa data. Objectivamente, as várias tentativas de mediação do conflito têm fracassado, com Marrocos a afirmar a sua recusa à autodeterminação do povo sarauí, e a Frente Polisário, por seu turno, a rejeitar a autonomia proposta por Rabat. Para Marrocos, “o Sara Ocidental é parte integrante do Reino”; embora aceite a autonomia, a soberania territorial será mantida. A diplomacia envolvida nas negociações tem vindo a enfrentar sistematicamente múltiplas dificuldades. A Argélia tem-se revelado como o principal apoio da Frente Polisário e da sua luta pela independência do povo sarauí, não escapando à acusação marroquina de ser “parte interessada” em todo o processo. Num contexto profundamente conturbado, é inevitável questionar por quanto tempo mais este clima de tensão entre Marrocos e a Argélia irá durar, e se, por outro lado, a Comunidade Internacional, com uma efectiva e descomplexada intervenção das organizações da linha da frente – Nações Unidas, União Africana e União Europeia –  será capaz de encontrar uma solução, de facto, para o destino do povo sarauí. Da sua parte, Portugal, num natural alinhamento com as posições das organizações internacionais nas quais está inserido, tem, desde sempre, manifestado profunda preocupação com os acontecimentos relacionados com a questão sarauí. Este sentimento das autoridades portuguesas é acentuado pelas excelentes relações diplomáticas que vêm mantendo com Marrocos e a Argélia, e por eventuais implicações que estejam associadas à proximidade geográfica com o espaço magrebino. Para a história fica o contributo de Portugal para a estabilização da região, tendo chegado a assumir o comando de uma missão das Nações Unidas para o Sara Ocidental (MINURSO), entre 31 de Março e 30 de Novembro de 1996, sob as ordens do Tenente-General José Eduardo Garcia Leandro, que, apesar de ter sido convidado a continuar a sua missão por mais um ano, declinaria o convite, segundo o militar, “por razões pessoais e de consciência”. Esta missão contribuiu para o reforço do prestígio de Portugal e da própria ONU, pelo reconhecimento internacional da sua “independência e imparcialidade” na gestão do conflito.

Sem alimentar qualquer tipo de certeza, a expectativa do Conselho de Segurança da ONU, a partir do alargamento do mandato da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sara Ocidental (MINURSO), até 31 de Dezembro de 2021, parece ser, no entanto, marcada por algum optimismo.

 

[i] Do árabe al-saharawi. Relativo aos sarauís, grupo étnico que habita o Sara Ocidental, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/sarau%C3%ADs [Consultado em 07-12-2020].

[ii] https://www.arso.org/UNlegaladv.htm

[iii] https://www.un.org/press/en/2020/sc14342.doc.htm

[iv] https://www.un.org/press/en/2020/sc14342.doc.htm

[v] SPS, 9 de Agosto de 2020.

[vi] AL JAZEERA, 13 de Novembro de 2020.

[vii] WORLDOMETER. Disponível em:

https://www.worldometers.info/world-population/western-sahara-population/[Consultado em 07-12-2020].

[viii] FRANCE 24, 5 de Novembro de 2020.

[ix] AL JAZEERA. 13 de Novembro de 2020.

[x] RÁDIO FRANÇA INTERNACIONAL, 13 de Novembro de 2020.

 

João Henriques
Investigador Integrado do Observatório de Relações Exteriores (OBSERVARE)/Universidade Autónoma de Lisboa
Vice-Presidente do Observatório do Mundo Islâmico
Auditor de Defesa Nacional pelo Institut des Hautes Études de Défense Nationale (IHEDN), de Paris

 

 

 


O conflito Sarauí e as relações Marrocos – Argélia


RESUMO O Sara Ocidental é um território situado na costa noroeste do continente africano, banhado pelo Oceano Atlântico, limitado a norte por Marrocos, a leste pela Argélia, e a leste e sul pela Mauritânia. Antiga colónia espanhola, entre 1884 e 1975, e que a partir de 1976, com a assinatura do Acordo de Madrid[ii], se…


RESUMO

O Sara Ocidental é um território situado na costa noroeste do continente africano, banhado pelo Oceano Atlântico, limitado a norte por Marrocos, a leste pela Argélia, e a leste e sul pela Mauritânia. Antiga colónia espanhola, entre 1884 e 1975, e que a partir de 1976, com a assinatura do Acordo de Madrid[ii], se retirou do território que é, actualmente, controlado em cerca de 80 por cento por Marrocos, sendo os restantes cerca de 20 por cento controlados pela Frente Polisário, que a 27 de Fevereiro de 1976, proclamou a República Árabe Saaraui Democrática (RASD), que pretende estabelecer um Estado independente na antiga colónia espanhola, contando desde sempre com a oposição de Marrocos, que considera o Sara Ocidental como parte do seu território, enquanto que, por parte da Comunidade Internacional, não existe consenso sobre o estatuto da RASD, reconhecida, inicialmente, por mais de 80 Estados, mas não pela ONU, que considera o Sara Ocidental como um “território não autónomo”, reconhecendo, no entanto, o direito do seu povo à autodeterminação e independência, e a Frente Polisário como seu representante[iii]. Muitos dos Estados que, inicialmente, reconheceram a RASD, retiraram ou suspenderam, entretanto, o seu apoio, na expectativa dos resultados do referendo, que, de acordo com a Resolução 2548, deste ano, do Conselho de Segurança da ONU, alargou o mandato da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sara Ocidental (MINURSO), até 31 de Dezembro de 2021, apelando, ainda, às partes em litígio para o reinício das negociações[iv]. Da sua parte, a Liga Árabe afirma reconhecer a “integridade territorial” de Marrocos. A posição da União Europeia é de total alinhamento com as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, considerando o Sara Ocidental como um “território não autónomo, cujo estatuto final será determinado pelo resultado do processo das Nações Unidas, em curso”[v].

Rico em fosfato, cobre, urânio e ferro, para além de enormes recursos piscatórios e, segundo alguns especialistas, possuir, igualmente, depósitos de petróleo offshore, o território tem sido palco de longas e acesas disputas entre Marrocos e a Frente Polisário, que é apoiada pela Argélia, enquanto movimento de libertação do povo  Sarauí[i]. Este conflito justificaria a intervenção da ONU, em 1991, que mediaria um cessar-fogo no pressuposto da realização de um referendo sobre o destino do território. Todavia, essa consulta, inicialmente agendada para o ano seguinte, não teve, ainda lugar.

Passadas três décadas sobre o acordo de cessar-fogo entre Marrocos e a Frente Polisário, as hostilidades reacenderam-se, na sequência de uma intervenção do exército marroquino, ocorrida no dia 13 do passado mês de Novembro, em Guerguerat, zona tampão patrulhada por uma força de paz das Nações Unidas, localizada na costa sul do Sara Ocidental, numa estrada que leva à Mauritânia. De acordo com as autoridades marroquinas, esta operação visava “restabelecer a livre circulação do tráfego civil e comercial” entre as áreas controladas por Marrocos e a vizinha Mauritânia, e que tinha sido bloqueada ao longo de três semanas por activistas sarauís. De imediato, a Frente Polisário declarou que, com esta agressão, o acordo de cessar-fogo, de 1991, teria sido violado por Rabat. Da sua parte, as autoridades marroquinas fundamentaram a acção declarando que a mesma ocorreu numa parcela territorial despovoada e com o propósito de “pôr termo às provocações” da Frente Polisário[vi]. Este episódio acabaria por dar lugar a um novo capítulo daquele que é considerado como um dos conflitos mais antigos do continente africano. Com posicionamentos bem diferentes neste arrastado conflito regional estão Marrocos e Argélia, onde os interesses geoestratégicos são, naturalmente, opostos.

 

ANÁLISE

Por iniciativa do rei Hassan II, no dia 6 de Novembro de 1976, foi lançado um movimento de protesto, que seria conhecido como a Marcha Verde. Esta acção mobilizaria 350 mil manifestantes, que entraram no território [Sara Espanhol], sob administração espanhola [1884-1975], com o propósito de reivindicar a sua reunificação. O movimento resultaria na assinatura do Acordo de Madrid, assinado em 1975.

Actualmente, com uma população que ultrapassa já os 600 mil habitantes[vii], o território tem um superfície de 266 mil quilómetros quadrados, e uma costa atlântica com uma extensão de 1.110 quilómetros. É rico em recursos naturais, com destaque para os depósitos de fosfato, e uma abundante diversidade piscatória. A sua importante localização, com destaque para a ligação ao Oceano Atlântico, faz do território uma destacada plataforma em termos geostratégicos, o que poderá justificar o envolvimento da Argélia no conflito, e o seu declarado apoio à autodeterminação do povo sarauí, do qual beneficiaria, através da criação de um importantíssimo corredor para o Atlântico, com evidentes vantagens tanto de natureza económica, como militar. Oficialmente, contudo, as autoridades argelinas reafirmam que a sua posição neste processo se deve unicamente ao “permanente apoio que a Argélia concede aos povos colonizados e ao seu direito à autodeterminação”, lembrando, entretanto, uma declaração conjunta da ONU e da União Africana sobre a necessidade da resolução do conflito “no quadro da legalidade internacional”[viii].

Apesar do acordo de cessar-fogo, de 1991, têm sido recorrentes as manifestações, inicialmente pacíficas, mas que, com o decorrer do tempo, passaram a ser marcadas por confrontos entre civis e as forças de segurança marroquinas, que continuam a controlar uma parte considerável do território[ix].

Sob os auspícios da ONU, o ano de 2019 registou o reinício das conversações entre Marrocos, a Frente Polisário, a Argélia e a Mauritânia, com o propósito de se chegar a um acordo de princípio relativamente ao destino do território. Todavia, o conflito reacendeu-se, em Novembro deste ano, como reacção à intervenção das autoridades marroquinas na zona desmilitarizada de Guerguerat, alegadamente para pôr fim ao bloqueio provocado pelos independentistas, acusando a Frente Polisário de “actos provocatórios” aos quais responderão com uma “acção firme”[x]. A Frente Polisário recusou, entretanto, as acusações referindo que os bloqueios têm sido “conduzidos por manifestantes civis”, não tendo havido “nenhum envolvimento do grupo independentista”.

O reinício do conflito provocou uma natural apreensão por parte da ONU, da União Africana e dos países vizinhos, que receiam os efeitos de uma escalada de violência, lamentando, ao mesmo tempo, a falta de resultados práticos na sua resolução. Também a União Europeia apelou ao respeito pelo cessar-fogo, de modo a evitar o aprofundamento do conflito. Entretanto, junto da população sarauí, especialmente nas camadas mais jovens, tem vindo a instalar-se um sentimento de indisfarçável pessimismo, o que poderá resultar em acções de radicalização. Aparentemente, tanto os Estados Unidos, como o Reino Unido, a Rússia, a França e a Espanha têm mantido algum distanciamento no que concerne a uma solução que ponha termo a este longo conflito que teimosamente submete o povo sarauí.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da celebração de um acordo de cessar-fogo entre Marrocos e a Frente Polisário, datado de 1988, e que compreendia um plebiscito agendado para 1992, o mesmo ainda não aconteceu, devido ao continuado desacordo sobre quem tem direito a votar. As autoridades marroquinas entendem que esse direito deverá ser exercido por toda a população residente no Sara Ocidental. Já para a Frente Polisário, a participação nessa consulta popular só deverá ser permitida aos habitantes contados no censo de 1974, o que impedirá o voto dos marroquinos emigrados para a região, depois dessa data. Objectivamente, as várias tentativas de mediação do conflito têm fracassado, com Marrocos a afirmar a sua recusa à autodeterminação do povo sarauí, e a Frente Polisário, por seu turno, a rejeitar a autonomia proposta por Rabat. Para Marrocos, “o Sara Ocidental é parte integrante do Reino”; embora aceite a autonomia, a soberania territorial será mantida. A diplomacia envolvida nas negociações tem vindo a enfrentar sistematicamente múltiplas dificuldades. A Argélia tem-se revelado como o principal apoio da Frente Polisário e da sua luta pela independência do povo sarauí, não escapando à acusação marroquina de ser “parte interessada” em todo o processo. Num contexto profundamente conturbado, é inevitável questionar por quanto tempo mais este clima de tensão entre Marrocos e a Argélia irá durar, e se, por outro lado, a Comunidade Internacional, com uma efectiva e descomplexada intervenção das organizações da linha da frente – Nações Unidas, União Africana e União Europeia –  será capaz de encontrar uma solução, de facto, para o destino do povo sarauí. Da sua parte, Portugal, num natural alinhamento com as posições das organizações internacionais nas quais está inserido, tem, desde sempre, manifestado profunda preocupação com os acontecimentos relacionados com a questão sarauí. Este sentimento das autoridades portuguesas é acentuado pelas excelentes relações diplomáticas que vêm mantendo com Marrocos e a Argélia, e por eventuais implicações que estejam associadas à proximidade geográfica com o espaço magrebino. Para a história fica o contributo de Portugal para a estabilização da região, tendo chegado a assumir o comando de uma missão das Nações Unidas para o Sara Ocidental (MINURSO), entre 31 de Março e 30 de Novembro de 1996, sob as ordens do Tenente-General José Eduardo Garcia Leandro, que, apesar de ter sido convidado a continuar a sua missão por mais um ano, declinaria o convite, segundo o militar, “por razões pessoais e de consciência”. Esta missão contribuiu para o reforço do prestígio de Portugal e da própria ONU, pelo reconhecimento internacional da sua “independência e imparcialidade” na gestão do conflito.

Sem alimentar qualquer tipo de certeza, a expectativa do Conselho de Segurança da ONU, a partir do alargamento do mandato da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sara Ocidental (MINURSO), até 31 de Dezembro de 2021, parece ser, no entanto, marcada por algum optimismo.

 

[i] Do árabe al-saharawi. Relativo aos sarauís, grupo étnico que habita o Sara Ocidental, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/sarau%C3%ADs [Consultado em 07-12-2020].

[ii] https://www.arso.org/UNlegaladv.htm

[iii] https://www.un.org/press/en/2020/sc14342.doc.htm

[iv] https://www.un.org/press/en/2020/sc14342.doc.htm

[v] SPS, 9 de Agosto de 2020.

[vi] AL JAZEERA, 13 de Novembro de 2020.

[vii] WORLDOMETER. Disponível em:

https://www.worldometers.info/world-population/western-sahara-population/[Consultado em 07-12-2020].

[viii] FRANCE 24, 5 de Novembro de 2020.

[ix] AL JAZEERA. 13 de Novembro de 2020.

[x] RÁDIO FRANÇA INTERNACIONAL, 13 de Novembro de 2020.

 

João Henriques
Investigador Integrado do Observatório de Relações Exteriores (OBSERVARE)/Universidade Autónoma de Lisboa
Vice-Presidente do Observatório do Mundo Islâmico
Auditor de Defesa Nacional pelo Institut des Hautes Études de Défense Nationale (IHEDN), de Paris