Mónica Fonseca. “As pessoas não veem o trabalho que está a ser feito pelos médicos de família”

Mónica Fonseca. “As pessoas não veem o trabalho que está a ser feito pelos médicos de família”


Mónica Fonseca descreve como a covid-19 mudou o dia-a-dia nos cuidados primários e o que preocupa médicos e doentes. Defende que é preciso uma estratégia para lidar com uma segunda vaga mais longa e com mais casos.


O dia começa cedo, entre consultas com os utentes habituais e os contactos para os doentes com covid-19, cada vez mais e que só no próprio dia se percebe quantos são de novo, o que faz multiplicar as chamadas no Trace-Covid e reduzir o tempo que sobra para acompanhar o resto da população. Mónica Fonseca, dirigente da secção regional do Sul da Ordem dos Médicos e médica de família na Unidade de Saúde Familiar Sofia Abecassis, no coração de Lisboa, tem estado, como muitos médicos de família, na linha da frente da resposta à pandemia. Em entrevista ao i, descreve o dia-a-dia e as dificuldades. Num momento de pressão crescente dos doentes com covid-19 que é necessário seguir, diz que os médicos se sentem exaustos e a população mais ansiosa e por vezes revoltada, quando sente dificuldades de acesso a consulta e também porque o trabalho nos bastidores não é muito visível. E apresenta propostas que poderiam ajudar a diminuir a sobrecarga e também tentar seguir mais atempadamente outros doentes. Os problemas vão de uma plataforma de seguimento de casos covid-19 que não está sincronizada com outras ferramentas usadas pelos médicos – e não permite prescrever medicamentos, referenciar os doentes para os locais de observação de doenças respiratórias nos centros de saúde ou urgências ou passar baixas médicas – ao elevado número de chamadas diárias que acredita que poderiam ser, em parte, feitas por outros profissionais. Outros problemas são antigos, como alguns centros de saúde continuarem a ter apenas uma linha telefónica disponível. “Não queremos anúncios, queremos medidas tomadas”, apela Mónica Fonseca, que vê outros sinais de preocupação no dia-a-dia: as pessoas que voltam a ter medo de ir às urgências mesmo quando os médicos lhes dizem que devem mesmo ir e o receio de perder o emprego ou ficar sem rendimento quando se fica infetado e em isolamento.

Nunca houve tantos doentes com covid-19 a ser seguidos pelos médicos de família. Como funciona este processo e até que ponto sentem no dia-a-dia este aumento de casos ativos no país?

Desde o início da epidemia que os médicos de família acompanham os doentes suspeitos e os que têm diagnóstico de covid-19. É uma vigilância que acaba por abranger a grande maioria dos casos e que é feita através da plataforma Trace-Covid, de forma não presencial, com chamadas diárias. Depois temos as áreas dedicadas à doença respiratória (ADR) nos cuidados primários, que no início eram as áreas covid. Neste momento, obviamente a sobrecarga é grande, porque além de todos estes casos de covid-19 há os outros doentes a quem é preciso dar resposta.

Nos primeiros meses, a atividade programada esteve parada, o que agora não acontece.

E ainda não conseguimos recuperar a resposta assistencial que ficou para trás. Com o número crescente de doentes com covid-19, torna-se mais difícil manter as duas frentes. E aquilo que muitas vezes não sei se as pessoas têm ideia, e é um dos grandes problemas que identificamos neste momento, é que são exatamente os mesmos profissionais a fazer a vigilância dos casos de covid-19 no Trace-Covid, que depois estão escalados nas áreas de doença respiratória e ao mesmo tempo a fazer a retoma assistencial dos outros doentes.

Mas tudo no mesmo dia? Como se organizam?

Pode variar entre agrupamentos de centros de saúde. Temos escalas para estar nas áreas de resposta à covid-19, no meu caso estive entre 12 de outubro e 8 novembro e agora vou estar entre 14 de dezembro e 7 de fevereiro. Quando estou escalada no ADR, os utentes da minha lista são vistos pelos meus colegas que ficam no centro de saúde. Depois, quando não se está no ADR, temos os contactos do Trace-Covid e a atividade habitual. E no Trace-Covid vão aparecendo os doentes de cada centro de saúde ou unidade, mas também recebemos, além dos utentes das nossas listas, os utentes que não têm médico de família, que em Lisboa são muitos. Para ter uma ideia, no último domingo tínhamos 500 utentes sem médico atribuído para seguir no nosso ACES. Portanto, além das nossas listas, que já estão sobredimensionadas, com a maioria dos médicos com mais de 1800 utentes atribuídos, temos nesta altura de responder aos utentes suspeitos ou infetados que não estão inscritos nos centros de saúde ou não tendo médico vivem na área do ACES. Tudo isto dificulta o planeamento da atividade assistencial, porque não sabemos quantos casos vamos ter a cada dia. 
 

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