A nomeação do Presidente do Tribunal de Contas


Em clara contrariedade ao que diz a Constituição, a nomeação do presidente do Tribunal de Contas resultou afinal de uma decisão a três, em que ninguém assume a responsabilidade pela escolha.


Na justificação que apresentou para a não recondução do presidente do Tribunal de Contas, o Presidente da República resolveu explicar que tal resultava de uma regra constitucional. Na verdade, segundo o Presidente da República, “a revisão constitucional de 1997 estabeleceu um mandato único para o presidente do Tribunal de Contas. De outro modo, na ausência de limite de mandatos, poderia perpetuar-se no exercício do cargo”.

É difícil apresentar justificação pior para uma decisão, que é legítima, mas cuja verdadeira razão deve ser plenamente assumida pelos seus autores. Na verdade, a revisão constitucional de 1997 não estabeleceu qualquer mandato único para o presidente do Tribunal de Contas, limitando-se o art. 214º, nº2, da Constituição a referir que o mandato é de quatro anos. Precisamente por esse motivo, desde 1997 tanto Alfredo José de Sousa como Guilherme de Oliveira Martins foram reconduzidos no cargo, este último por duas vezes. Estranha regra assim que nunca foi aplicada durante vinte e três anos, mas que agora o Presidente da República assegura existir.

Na verdade, o que o art. 133º m) da Constituição estabelece é que o presidente do Tribunal de Contas, assim como o procurador-geral da República, é nomeado e exonerado pelo Presidente da República sob proposta do Governo. Daqui resulta que compete ao Governo propor o titular do cargo, cabendo ao Presidente da República decidir se aceita ou não essa nomeação, não havendo mais nenhuma entidade que possa interferir nesse processo.

Foi, porém, tornado público pelo Presidente da República que a escolha do nomeado resultou antes de uma decisão do líder da oposição. Na verdade, segundo notícias não desmentidas, a proposta do Governo teria recaído antes numa juíza-conselheira do Tribunal de Contas, mas que o líder da oposição teria preferido quem veio a ser nomeado, o que acabou por ser a escolha do Presidente. Ouvido sobre este assunto, o líder da oposição veio referir que preferia que tivesse sido renovado o mandato do anterior titular, mas que, não sendo isso possível, tinha preferido o nome que indicou ao que tinha sido indicado pelo Governo.

Temos assim que, em clara contrariedade ao que diz a Constituição, a nomeação do presidente do Tribunal de Contas resultou afinal de uma decisão a três, em que ninguém assume a responsabilidade pela escolha. O Governo não queria a continuação do anterior titular, pelo que propôs outra pessoa. O Presidente da República acha que é proibida a renovação do mandato, mas não aceitou a escolha do Governo, pedindo ao líder da oposição que indicasse outro nome. E o líder da oposição queria a continuação do anterior titular do cargo, mas acabou por ser ele quem efectivamente escolheu o actual presidente do Tribunal de Contas.

O Tribunal de Contas é uma instituição altamente prestigiada, com um papel essencial na fiscalização da boa gestão dos dinheiros públicos. Não merece, por isso, que o seu presidente seja escolhido desta forma. Na próxima revisão constitucional deve ser estabelecida para a escolha do presidente do Tribunal de Contas precisamente a mesma regra que vigora para todos os presidentes dos Supremos Tribunais: são eleitos pelos seus pares, que é a melhor forma de assegurar a sua independência face ao poder político. Se o presidente do Tribunal de Contas fosse escolhido pelos juízes-conselheiros desse Tribunal não teríamos seguramente assistido ao que se passou nos últimos dias e que em nada contribui para a credibilidade das instituições.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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