Precisa-se de uma estratégia nacional


Os espanhóis são os nossos maiores concorrentes nas exportações, no turismo, nas pescas, na energia, nas ligações ao resto da Europa – energia e ferrovia – bem como nas ligações aéreas para África e Américas.


Infelizmente, os governantes e os políticos em geral aparentam não saber o que é estratégia, apesar de falarem de estratégia por tudo e por nada. A estratégia do lítio, a estratégia do hidrogénio, a estratégia para gastar os fundos da União Europeia, mas sem nunca explicar quais são essas estratégias, ou como se integram na estratégia mais geral do país. Estratégia nacional, que aliás não existe, porque nunca foi formulada pelo poder político.

Os únicos que ouço falar de estratégia, sabendo do que falam, são os militares. Sabem bem que a estratégia de uma batalha se integra na estratégia de ganhar a guerra definida pelo Estado Maior, sendo que esta se integra na estratégia de soberania nacional, económica e diplomática definida pelo governo. Neste Governo do PS, contudo, cada um dos setenta ministros e secretários de Estado aparenta ter a sua estratégia própria, ou pelo menos falam dela sem parança. Li há dias o ministro do Ambiente afirmar que a seca não é um problema, ao contrário de problema sério das albufeiras vazias. Ou que só os tolos, alemães incluídos, é que acreditam no gás natural como a energia de transição. Portugal aposta no hidrogénio. Amem.

Esta é razão principal porque governando à vista e sem uma definição estratégica os diferentes governos têm optado por medidas, políticas e investimentos, com objectivos diferentes, por vezes contraditórias. Ao longo dos anos apostaram convictamente nas obras públicas e nas nacionalizações, depois veio a paixão pela educação, depois a paixão pelas autoestradas, a seguir o amor pelas energias renováveis e presentemente temos o ambiente e a nova paixão, desta vez pelo hidrogénio. Como é que estas paixões se integram numa estratégia para o desenvolvimento de Portugal é segredo e, aparentemente, não é motivo de preocupação.

Também aparentemente, o primeiro-ministro António Costa terá pensado no assunto e encomendou ao Dr. António Costa Silva (ACS) uma estratégia para vencer a crise e promover o desenvolvimento do país no período de 2020-2030. Contudo, o que o Governo recebeu em troca não foi uma estratégia, mas um imenso catálogo de 140 páginas de ideias oriundas de todos os quadrantes, umas mais inteligíveis do que outras, mas de estratégia nada.

Recordo que uma estratégia implica fazer opções entre ideias diferentes, de acordo com as possibilidades previsíveis do país, com a situação internacional e dos mercados, com os objectivos sociais, com a geoestratégica da Nação e com os recursos disponíveis ou a criar, sejam humanos, financeiros, de comunicação/informação, logísticos ou outros. Nenhuma destas opções existe no documento de ACS, apenas ideias.

Li algures que é agora o tempo de o Governo fazer as escolhas, mas não existindo uma definição estratégica prévia, consensualizada na Assembleia da República, as escolhas arriscam-se a continuar o debate de surdos entre políticas que agradam a uns e não agradam a outros, como até aqui. Por exemplo, andamos há quarenta anos a debater o que em Portugal deve ser público e o que deve ser privado, alternando períodos de uma coisa e da outra, fazendo e desfazendo, com enorme prejuízo no nosso processo de desenvolvimento. Para mim, esta é uma das razões porque não saímos da cepa torta.

A semana passada tivemos um bom exemplo da falta de respeito pela estratégia, quando o Governo e a Presidência reagiram às criticas do embaixador dos Estados Unidos acerca das nossas relações com a China. O Presidente da República e o ministro dos Negócios Estrangeiros encheram o peito e avisaram aquele país que quem manda em Portugal são os portugueses. Não é verdade, mas deixemos esta questão para outro texto, já que o tema é se a possível estratégia de Portugal pertencer à União Europeia e à NATO tem consequências ou não. Ou se a coisa pode ser resolvida sob o calor do momento e de saber se somos parte de uma estratégia comum ou, tal como na ferrovia, queremos ser uma ilha.

A propósito, falando da ferrovia, tenho ouvido da parte dos governantes e de ajudantes de governantes, que não podemos optar pela bitola UIC porque os espanhóis não deixam e a julgar pelas declarações feitas das duas uma: ou não falamos com os espanhóis, ou com Bruxelas, e não sabemos peva do que se passa, ou falámos e eles, os espanhóis, mandaram-nos bugiar, o que como estratégia nacional não está mal visto.

Chegados aqui, recordo que durante mais de oito séculos a Espanha foi o ponto principal de qualquer estratégia nacional, desde Afonso Henriques a Oliveira Salazar. Dizer, como quem não quer a coisa, que a Espanha não deixa, não é novo, mas nunca foi aceite sem que, pelo menos, o da ideia seja despedido na hora, já que cortar-lhe a cabeça deixou de ser uma solução viável.

Publiquei recentemente no jornal Eco um texto de estratégia alternativo ao plano de ACS, com dois objectivos: mostrar no que consiste uma estratégia, já que o ponto de partida do texto é uma síntese estratégica publicada pela AIP em 2003 e em segundo lugar para não deixar ACS a falar sozinho, por míngua da fala das universidades e de outros centros de conhecimento nacionais. Para homem só, mais ou menos providencial, tivemos Salazar.

Nesse texto que publiquei defendo o mesmo que Michael Porter há um quarto de século: apostar no que sabemos fazer bem e nos mercados e parceiros exigentes. Faço-o, apostando na indústria, no investimento estrangeiro e nas exportações, opções que estiveram na base do sucesso da adesão à EFTA e nos resultados comprovados do PEDIP/AutoEuropa.

Dediquei ainda um capítulo à questão ibérica porque, contrariamente ao que pensa muito boa gente, a questão não desapareceu, bem pelo contrário. Os espanhóis são os nossos maiores concorrentes nas exportações, no turismo, nas pescas, na energia, nas ligações ao resto da Europa – energia e ferrovia – bem como nas ligações aéreas para África e Américas. Além das questões da energia nuclear, dos rios e do Atlântico. Ou seja, dizer que os espanhóis não deixam é o limite da irresponsabilidade, a acrescentar ao facto da Espanha ter em Bruxelas uma verdadeira armada, por comparação com os fracos recursos nacionais ali disponíveis, razão porque a Espanha nos leva há certa em quase tudo que envolve União Europeia. Por exemplo, a Espanha tem hoje a mais moderna rede ferroviária da Europa, paga em grande parte por fundos europeus e nós temos uma ferrovia do século XIX e preparamo-nos para sermos, com o voto do PCP e de alguns sindicatos, uma Albânia ferroviária.

Como é evidente, a existência de uma verdadeira estratégia nacional, consensualizada na Assembleia da República e definidora do que queremos ser daqui a vinte ou trinta anos, permitirá evitar muitas das querelas que têm sido o nosso modo de vida política. No ensino, na saúde, no modelo de economia e de sociedade, nas relações externas, no modelo social, na administração pública, etc. Sem essa definição vamos continuar a debater o improvável e a reclamar homens providenciais, para mais sem grande critério e sem sermos uma verdadeira democracia, com representantes eleitos pelo povo, como reclamado pelos autores desta coluna.

 

Empresário

Subscritor do manifesto Por Uma Democracia de Qualidade