A corrupção na sociedade portuguesa


Não será, seguramente, através da instituição de sistemas de delação premiada que se combate eficazmente a corrupção. Antes pelo contrário.


Há oito anos, a então directora do DCIAP participou numa conferência partidária de formação de jovens onde garantiu a todos os assistentes: “O nosso país não é um país corrupto, os nossos políticos não são políticos corruptos, os nossos dirigentes não são dirigentes corruptos. Portugal não é um país corrupto. Existe corrupção, obviamente, mas rejeito qualquer afirmação simplista e generalizada de que o país está completamente alheado dos direitos, de um comportamento ético, de que é um país de corruptos”. O país assistiu, assim, a uma das principais responsáveis pela investigação criminal da corrupção a desvalorizar o fenómeno da corrupção em Portugal.

Desde que estas declarações foram proferidas, o fenómeno da corrupção não tem cessado de piorar em Portugal. É verdade que tem aumentado o número de processos-crime por corrupção, mas tal não significa um combate mais eficaz ao fenómeno, uma vez que se trata de um crime com elevadíssimas cifras negras, em que os processos existentes deixam apenas ver a ponta do icebergue. Os dados das organizações internacionais como a Transparency International revelam uma subida da corrupção em Portugal. Efectivamente, em 2019, Portugal caiu dois pontos no índice de percepção da corrupção, passando de 64 para 62, abaixo da média da Europa ocidental, que é de 66, e mesmo da média de toda a União Europeia, que é de 64. Há, por isso, uma clara perda de controlo da corrupção em Portugal, havendo que implementar uma verdadeira estratégia de combate à corrupção.

Só que uma estratégia de combate à corrupção não pode passar por ideias vagas e genéricas, tendo de assegurar verdadeiras medidas de controlo e repressão da corrupção e de imposição de transparência na actividade política. Assim, em primeiro lugar há que assegurar uma absoluta transparência das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, evitando financiamentos interesseiros. A presidente da Transparency International, Delia Ferreira Rubio, apelou recentemente aos Governos para que combatessem com urgência o papel corruptor das entregas de dinheiro para financiamento dos partidos políticos e a influência indevida que o mesmo exerce nos nossos sistemas políticos. Haverá, assim, que tomar medidas urgentes neste âmbito e uma estratégia contra a corrupção não pode esquecê-las.

É, por outro lado, necessário controlar a corrupção em qualquer sector do Estado, seja na administração central ou local e até na administração da justiça. Para esse efeito é necessário reforçar os funcionários de investigação criminal, hoje consideravelmente reduzidos, em ordem a poderem realizar investigações eficazes. Mas, ao mesmo tempo, é necessário criar um sistema de inspecções frequentes a todos os serviços do Estado, em ordem a que qualquer suspeita de corrupção possa ser eficazmente detectada e reprimida.

Já não será, seguramente, através da instituição de sistemas de delação premiada que se combate eficazmente a corrupção. Antes pelo contrário, corre-se o risco de instituirmos um sistema em que o principal culpado pela corrupção acabe por ficar isento ou veja a sua pena reduzida, apenas porque entregou um peixe miúdo para efeitos de investigação criminal. Neste quadro, vemos com preocupação a proposta que consta da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção de aplicar aos crimes de corrupção passiva e recebimento e oferta indevidos de vantagem o instituto da suspensão provisória na fase da instrução, permitindo ao corrompido retractar-se, sem grandes consequências. Tal daria à sociedade um péssimo sinal relativamente ao combate à corrupção.

O caminho para um combate eficaz contra a corrupção é longo e difícil, mas é absolutamente essencial que se dêem os passos certos para que o mesmo seja percorrido. Só assim se evitará que o Estado seja capturado por interesses particulares.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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