Os transportes são ou não são um problema?


Se 20 pessoas num estádio são um problema (e o episódio do Benfica deste fim de semana parece ter tanto de provocação como de descoordenação) o triplo numa carruagem não ventilada também serão – e mesmo sem mais comboios e autocarros podiam estar mais funcionários a garantir distâncias, dispersão de pessoas nas plataformas ou mesmo…


O alerta surgiu de novo este fim de semana pela voz do infetologista Jaime Nina. Numa entrevista à Lusa, afirma que os transportes são um ponto nevrálgico da transmissão da covid-19. Dentro do Governo, já se ouviu titulares de umas pastas a rebater qualquer risco e outros a reconhecê-lo. O que é incompreensível é chegar-se aqui sem uma avaliação objetiva, por mais difícil que seja encontrar soluções. O único estudo conhecido até à data em Portugal, divulgado mais uma vez na última semana, não apurou ligação direta. Já o estudo com base no perfil de pessoas infetadas, anunciado em julho pelo Governo para tentar perceber os principais locais de infeção, ainda não tem resultados conhecidos e a última indicação pública é que está pronto para começar. Passaram dois meses. Ou é útil ou não é, mas então não era anunciado. Não será fácil ter respostas conclusivas, mas não devíamos andar neste sim, não, nim que só gera confusão quando há uma questão de mero bom senso: se 20 pessoas num estádio são um problema (e o episódio do Benfica deste fim de semana parece ter tanto de provocação como de descoordenação) o triplo numa carruagem não ventilada também serão – e mesmo sem mais comboios e autocarros podiam estar mais funcionários a garantir distâncias, dispersão de pessoas nas plataformas ou mesmo pelas carruagens. Basta andar na Linha de Sintra, onde se tenta pedir uma informação pelo intercomunicador da bilheteira e ninguém responde, para perceber que mais pode ser feito. 

Diz Jaime Nina que seria preciso quadruplicar a oferta para garantir distâncias. Não se percebe a base do cálculo, mas  levanta um ponto interessante. “Só uma semana de economia fechada para tentar evitar [a propagação do vírus] pagava isto tudo e ainda sobrava muito dinheiro”. Toda a gente percebe que parar o país teria custos insuportáveis; agora, enunciá-lo não chega: é preciso investir atempadamente para evitar o que for evitável, com coerência e avaliação de risco. Já se sabe que a prevenção é um parente pobre e que custa a ver o retorno, mas se uma pandemia não ajudar a pô-la no lugar devido, não vamos longe. Gonçalo Velho, do Sindicato Nacional do Ensino Superior, alerta nesta edição para anfiteatros não ventilados que vão receber dezenas de alunos. A Associação de Administradores Hospitalares diz que não foram acauteladas contratações para substituir os enfermeiros e outros profissionais que serão chamados a expandir a capacidade de cuidados intensivos, que no limite vão definir as linhas vermelhas do país e a resposta que se dará aos outros doentes. Vamos continuar a ocupar autoridades de saúde com tribunas de estádios?

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