Começam a conhecer-se algumas das sequelas da crise económica. Quatrocentos mil desempregados, 1,2 milhões de trabalhadores em layoff, 700 empresas fecharam portas no primeiro trimestre, o banco alimentar não tem mãos a medir (mais de 60 mil pessoas terão buscado apoio para comer).
Uma classe média que se exaure para sobreviver; bancos como tábua para náufragos; um banco náufrago que nem é salvo nem se recupera ou afunda definitivamente, deixando de vez os impostos em pousio; uma empresa (TAP) que se prepara para preencher a quota de um cancro económico e financeiro trianual na economia portuguesa, para durar uma década – de novo, devido à macabra, talvez criminosa prevalência da ideologia de intromissão do Estado na economia e, neste caso, num mundo e num setor que não ele domina e que sofre cada vez maior concorrência desenfreada: o transporte aéreo.
Para remate de tudo isto, a queda do PIB projeta-se próxima dos 10% enquanto, na Europa, a média é de 3,8%.
Com este quadro, razões para sublinhar a exemplaridade institucional enquanto ainda decorre a pandemia e se receia o ressurgimento, nenhumas.
1. Em Portugal, se a exemplaridade institucional existe, como o Presidente da República se mobilizou esta semana para exibir, ela devia permitir traçar planos concertados para o futuro, reformar setores que mais que nunca devem ganhar escala de operacionalidade concorrencial, preparar a economia e o Estado para um novo tempo.
Esta solução política tem os dias contados, e só mesmo o círculo de exemplaridades do regime deve acreditar ter ainda virtualidades bastantes para responder à tragédia económica e social que está a desenhar-se.
E, aqui, as instituições “exemplares”, Presidente, Governo e oposição falham em toda a linha, atuando como a orquestra “titânica”.
Dispensavam-se então, para consciencialização plena do país, as cenas vividas recentemente.
A exemplaridade de um Presidente da República consagrado na Autoeuropa pelo primeiro-ministro, como se ali estivesse como líder partidário; a consagração do primeiro-ministro no mesmo local, em retribuição, como se ali estivesse o chanceler das ordens honoríficas; o líder da oposição consagrado em Ovar, por fazer oposição? Não, por renunciar a ser o que deve, exigente e vigilante, interventor e reequilibrador do sistema de uma tensão saudável e democrática Governo-oposição.
Ora, Portugal, entretido em troca de laudatórios mútuos, um Portugal declarado de titulares de cargos públicos exemplares num país de mão estendida, é uma aberração institucional averiguada.
E um perfeito embuste na sua génese e razão mais profunda.
O que, ontem, o Presidente da República foi fazer a Ovar foi deixar implícito, talvez injustamente, que o mais importante é o quadro interpessoal que garanta o apoio à sua reeleição, reforçando o gentlemen’s agreement de um bloco central não escrito, uma nova união nacional integrada por PS e PSD.
Se assim for, que não demorem a passar certidão, porque o interesse nacional não mora nas presidenciais; mora na economia e não pode esperar por estes jogos e rodriguinhos.
2. Quanto ao que se passa no mundo, a exemplaridade é esta. Qual a diferença de informação entre a televisão portuguesa do Estado, a RTP, e as paraestatais, a SIC e a TVI, e as televisões do Estado do Irão, Rússia, Cuba e Venezuela ?
Equivalem-se no sectarismo e todas elas passam e repassam os presidentes do Governo e das repúblicas nativas ad nauseam.
E elegeram os Estados Unidos e o Brasil como catástrofes governativas mundiais, tentando lavar diariamente a cabeça aos telespetadores no ataque aos seus líderes, nada se passando naquelas ditaduras.
Particularmente escandalosa a ausência de Espanha nas televisões portuguesas, RTP, SIC e TVI.
O país com quem temos a única fronteira terrestre, vizinho de comércio e exportações cruciais para as empresas nacionais, está a ferro e fogo e as ruas de Madrid enchem-se com multidões da oposição em protesto.
Nas televisões portuguesas, esta realidade é ignorada, não vá haver contaminação.
E a Espanha mesmo aqui ao lado, e o Brasil e a América tão longe, com o Atlântico pelo meio.
Voltamos a ter de ver e ler a informação estrangeira para saber tudo e sem sectarismos, como no passado.
Jurista