Leonardo Mathias (1936-2020). O fervoroso diplomata

Leonardo Mathias (1936-2020). O fervoroso diplomata


Numa nota de pesar, o Presidente da República, que foi seu colega de governo, homenageia o embaixador, reconhecendo que teve «uma carreira brilhante», e lembra ainda que era «membro de uma notável linhagem familiar diplomática». 


Em tempos, uma razão que se guiasse pela Cultura era uma das condições de se exercer a diplomacia. Esse requisito não estava inscrito, mas definia um percurso entretecido de subtilezas, da leitura sem precipitações dos homens, das circunstâncias, das diferenças culturais. Era uma capacidade de se ambientar, apreciando a vida sem perder nela o pé. Os tempos ganharam em trevas. 

Hoje, tanto do que parece indispensável sobra por aí ignorado. Os arrivistas triunfam, e, por isso, a morte do embaixador português Leonardo Mathias merece ser assinalada com o justo grau de solenidade, esse escrúpulo que vai faltando a uma época que parece ter resvalado para um desprezo da retórica. Desaparecido na quarta-feira, aos 83 anos, vítima de um cancro, o embaixador é descrito pelo colega e amigo Francisco Seixas da Costa como «um dos grandes embaixadores que Portugal algum dia teve». «O sorriso era a sua imagem de marca. A simpatia era o seu estilo natural. A rapidez e o brilho da sua inteligência eram a evidência que se impunha, de imediato, a quem o conhecia. O patriotismo era o seu ADN», acrescenta Seixas da Costa. 

Com uma carreira que se estende por mais de quatro décadas, com passagens por Washington, Brasília, Madrid, Paris, Nova Iorque (ONU) ou Bruxelas (CEE), no início dos anos 80 integrou dois governos chefiados por Francisco Pinto Balsemão, como secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. 

Numa nota de pesar, o Presidente da República, que foi seu colega de governo, homenageia o embaixador, reconhecendo que teve «uma carreira brilhante», e lembrando que era «membro de uma notável linhagem familiar diplomática». 

Leonardo Charles Zaffiri Duarte Mathias nasceu em 1936 numa família de diplomatas – entre o pai, Marcello Mathias, e o seu irmão, Marcello Duarte Mathias. 

Licenciado em Ciências Históricas e Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a carreira de diplomata começou em 1960, tendo sido colocado na África do Sul como cônsul na Cidade do Cabo em 1963. Após o desempenho de funções como embaixador em Bagdad, Iraque (1976) e de representante permanente adjunto de Portugal junto da Organização das Nações Unidas (1979), integrou os VII e VIII Governos Constitucionais, nos anos de 1981/1982, como secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. 

Cessadas as funções no Governo, Leonardo Mathias foi embaixador de Portugal em Washington (1982), representante permanente de Portugal junto das Comunidades Europeias em Bruxelas (1986), embaixador novamente em Brasília (1989), em Madrid (1994) e em Paris (2000). 

Em 2004, três anos depois de se ter reformado, assumiu o cargo de Secretário-geral da União das Cidades Capitais da Língua Portuguesa. 

Desempenhou funções ainda de administrador da Cruz Vermelha Portuguesa e da Fundação Calouste Gulbenkian.

Ao longo da sua vida, Leonardo Mathias recebeu um grande número de distinções honoríficas, salientando-se, entre as nacionais, as Grã-Cruzes da Ordem Militar de Cristo, da Ordem do Infante D. Henrique, da Ordem do Mérito e, entre as estrangeiras, as Grã-Cruzes da Real Ordem de Isabel a Católica de Espanha, da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul do Brasil, da Ordem de São Silvestre da Santa Sé. Foi, ainda, distinguido com a Comenda da Legião de Honra de França, entre outras distinções de países como a Bélgica, Grécia, Itália ou Tailândia.

Numa entrevista ao Público, em 2017, o irmão mais novo, Marcello Duarte Mathias, escritor além de diplomata, reconhece a influência e o exemplo do pai bem como do irmão, definindo o diplomata como alguém que pratica a arte da conversa. «A diplomacia é feita de uma teia muitas vezes indecifrável». E se Seixas da Costa nos diz que Leonardo foi um homem «frontal e patriota», além de conservador, é útil a definição que nos dá Marcello Mathias do que seja isso da Pátria, essa «malha intangível de sinais, símbolos, ritos, rituais, datas e comemorações a par de gentes, monumentos, ruínas, vilezas, catástrofes e heróis», um conjunto de valores de pertença e raíz pelos quais alguns ainda se batem.

Na homenagem que Seixas da Costa faz a Leonardo Mathias, diz que ele foi um dos seus modelos na profissão que seguiu: «Era ‘assim’ que se devia ser diplomata: fruir os aspetos lúdicos da vida, saborear as coisas e as pessoas, saber olhar uma mulher bonita, dizer uma boa graça, degustar um bom vinho e um bom jantar, e, ao mesmo tempo, saber sempre concentrar-se no essencial, ter a apurada perceção do interesse nacional, a firmeza no terreno negocial, a agudeza do argumento ‘espetada’ com o sorriso da razão que é a nossa, muito ‘my country, right or wrong’.