O país empastelado


Portugal está a reforçar uma deriva de empastelamento, impulsionada pelas opções políticase pelos media que tem tudo para acabar mal.


Apesar de a sociedade ser complexa, de os valores e princípios serem cada vez mais coisa do passado e da coerência ser um bem escasso, a linearidade tem um valor inquestionável, por ser mais transparente, compreensível e suscetível de escrutínio. Portugal está a reforçar uma deriva de empastelamento, impulsionada pelas opções políticas e pelos media que tem tudo para acabar mal.

Para um país que assentou boa parte da sua prestação económica dos últimos anos na carga fiscal, nas cativações, no consumo e no turismo, a epidemia em curso é uma enorme ameaça à continuidade desse caminho, sobretudo se tivermos em conta as derivas depressivas que afetam a mobilidade, a confiança e as transações comerciais. O turismo, sendo um dos pilares do potencial nacional, é uma atividade muito exposta a circunstâncias que não controláveis sob o ponto de vista nacional. Já beneficiámos de várias instabilidades regionais, vejamos os impactos dos condicionamentos globais da epidemia. O facto de ainda não termos sido fustigados pela epidemia não é significativa porque há limitações à mobilidade impostas e autoimpostas, os destinos de exportação tendem a comprar menos e as dinâmicas globais contraem-se. O tempo é de alto risco.

A Vinci queria o aeroporto do Montijo. O Governo quis o Aeroporto do Montijo. Andamos há anos a ponderar localizações e a firmeza da vontade emergente não se apercebeu que a legislação em vigor determinava um papel de bloqueio às autarquias locais? Não houve um estudo ou consultor que alertasse para esse risco, além das questões ambientais? De pouco valerá teorizar sobre a inteligência dos pássaros se a condução do processo apresenta várias ausências da dita. E agora a solução defendida é a da alteração das regras a meio do jogo? Não será de estranhar num Governo que já alterou a sua orgânica e concretizou uma remodelação para superar uma situação de incompatibilidade de um seu membro, mas convenhamos, alterar a lei, não em função do interesse geral, mas do caso concreto, é uma subversão do Estado de Direito Democrático. Imagine-se que os cidadãos também o podiam fazer. O tempo é de reposição de algum senso.

Diz-se que o segredo é a alma do negócio. O sistema bancário português tem sido um sorvedouro do erário público, depois de décadas de desmandos, as opções de gestão são cada vez mais afastadas dos clientes e, escudados no segredo, muito pouco é explicado aos contribuintes, com perdões de dívida pelo meio, que chocam o comum dos mortais obrigados ao rigor das regras dos empréstimos bancários para a habitação. É público que o Novo Banco vai pedir ao Fundo de Resolução uma injeção de 1.037 milhões de euros relativos ao exercício de 2019, num momento em que a administração diz já estar “no Cabo da Boa Esperança”. Em bom rigor nem o Cabo foi das Tormentas, nem o Adamastor existe quando se tem os contribuintes a suprir as heranças dos desmandos de quem continua por ser sentenciado. O tempo deveria ser de mais transparência e mais explicação do que está a ser feito com o dinheiro de todos. O tempo deveria de ser de senso e explicação.

Num país em que quase tudo parece ser de geometria variável não se pode deixar de estranhar que a CMVM possa ter dúvidas sobre a OPA em curso no Sport Lisboa e Benfica, mas que ninguém questione os dinheiros angolanos em Alvalade ou a participação acionista do líder da SAD do Portimonense na SAD do Dragão. Ou que o Parlamento chumbe a nomeação de Vitalino Canas para o Tribunal Constitucional quando já validou um membro de um órgão máximo executivo de um partido para o Conselho Superior do Ministério Público. A persistência de demasiadas nebulosas empastela o país, não se pode persistir na aparente observâncias das regras formais, estabelecidas para todos, e depois constatar-se que na realidade as situações são objeto de manigâncias de contorno da lei. Nem se pode continuar a permitir que, perante as dúvidas, os protagonistas pululem na vida pública alegremente, sem prestar esclarecimentos. No país da mão invisível, nem sempre percetível nos processos, mas identificável nos resultados, Nuno Artur Silva foi um dos principais distribuidores de jogo, condicionadores dos fluidos democráticos e parte ativa em distorções das dinâmicas esporádicas da sociedade portuguesa. Influiu, influenciou e foi recompensado. Por muito que lhe custe, não devia ser possível persistirem as nebulosas em relação à continuidade de relações comerciais das suas “antigas” empresas com áreas que tutela no governo. O tempo deveria ser de coerência, idoneidade e equidade.

O país apresenta-se empastelado, quando deveria estar num registo adequado aos desafios estruturais, à emergência de novas realidades e os riscos incontornáveis de uma epidemia que terá impactos na vida das pessoas e nas economias. Quase tudo soa a descabido, a falta de senso e a remendo. Perceciona-se uma crescente falta de consistência, de senso e de clareza no discurso e na ação, que afetam a credibilidade dos protagonistas e das mensagens, o caldo adequado à emergência dos “ismos” que pairam na sociedade portuguesa.

NOTAS FINAIS

MARCHA ATRÁS. Não é deste ou daquele governo, é um aviso comunitário, entre 2000 e 2018, Portugal foi ultrapassado pela Estónia, Lituânia, Eslováquia, Eslovénia, República Checa e Malta, em termos de rendimento por habitante, face à média europeia. Entre quem veio de anos de ditadura salazarenta e de ditadura comunista, estes aproveitaram melhor as oportunidades da construção europeia.

TIROS AO LADO. A exigência comunicacional da epidemia do Covid-19 tem contado com uma intervenção institucional genericamente positiva, com dois tiros ao lado. No quadro individual, comunitário e mediático de alarmismo, não lembra ao Menino Jesus vir falar em cenários de 1 milhão de infetados, a menos que ideia fosse a de ampliar a expectativa para depois a realidade ser inferior. Não faz muito sentido persistir na conversa do estar preparado, em vez de afirmar que se está a trabalhar para estar preparado. Com a voragem mediática existente e os passivos acumulados no SNS alguma coisa terá que falhar sempre e, nessa ocasião, cairá o Carmo e a Trindade.

PELA CALADA DA NOITE, EXPLICA MUITA COISA. O FC Porto divulgou o Relatório e Contas Consolidado do 1.ª semestre 2019/2020 e revelou que apresentou um resultado líquido negativo de 51.854 milhões de euros.

Escreve à segunda-feira