Qualquer pessoa que tenha o mínimo conhecimento da justiça portuguesa e que não seja fanática politicamente sabe perfeitamente que um dos períodos mais negros do Ministério Público ocorreu durante o consulado de José Sócrates, quando Pinto Monteiro era procurador-geral da República, e Noronha Nascimento presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Mas se dúvidas existissem, eis o que disse, ao Expresso, António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público: “É o regresso ao tempo do dr. Pinto Monteiro e das decisões secretas e inexplicáveis”. Porquê? “Porque de futuro não se saberá se quem assina as peças processuais é efetivamente o autor ou um superior hierárquico, na sombra, a dar ordens no processo, sem qualquer conhecimento dos juízes ou dos advogados. É gravíssimo”. Ventinhas refere-se ao parecer que o conselho consultivo da PGR fez a pedido de Lucília Gago, a atual procuradora-geral da República, sobre se os magistrados devem ou não obediência aos superiores hierárquicos, mesmo que discordem das ordens destes. “Este parecer revoga o que foi definido pela anterior PGR, é o fim da magistratura como a conhecemos até agora”, acrescentou Ventinhas ao semanário. E o que diz o parecer? “A subordinação hierárquica dos magistrados do Ministério Público foi consagrada na Constituição da República Portuguesa logo em 1976 (…) A autonomia interna, isto é, a margem de autonomia decisória de cada magistrado não foi expressamente consagrada na Constituição”. Brilhante. Para quem tinha dúvidas, percebe-se agora muito bem a razão de Joana Marques Vidal ter sido corrida do cargo de PGR. A história deste parecer, publicado no site da PGR no dia 4 de fevereiro, teve origem no caso de Tancos. Os dois procuradores encarregados da investigação queriam ouvir como testemunhas o Presidente da República e o primeiro-ministro, e o superior hierárquico, Albano Pinto, então diretor do Departamento Central de Investigação Penal, não permitiu tal ousadia, alegando a “dignidade” dos cargos de Marcelo e Costa. Para Rui Cardoso, ex-presidente do sindicato do MP, não há mesmo dúvidas: “Ontem, 04.02.2020, foi o dia mais negro da história democrática do Ministério Público português: morreu como magistratura. Nasceu uma verdadeira autocracia, com um nível de hierarquia que nem na administração pública existe. Todos os agentes do Ministério Público (que não mais podem ser chamados magistrados) são apenas uma longa mão da vontade do/a Procurador/a-Geral da República”, escreveu no Facebook. E mais ninguém diz nada? Será que Rui Rio concorda com este parecer? E o resto da oposição?
O dia mais negro da magistratura
Para quem tinha dúvidas, percebe-se agora muito bem a razão de Joana Marques Vidal ter sido corrida do cargo de PGR.