Imagine uma obra de arte, por exemplo, Guernica, de Picasso, o livro Amada, de Toni Morrison, ou ainda descobertas científicas como a teoria da relatividade de Einstein ou o elemento radioativo rádio de Marie Curie. Todas elas começaram com uma boa ideia. Numa primeira análise, podemos certamente dizer que todas estas pessoas eram geniais e, portanto, não é surpreendente que estas boas ideias tenham surgido naturalmente. Podemos até afirmar que para ter boas ideias é preciso talento. Mas, de facto, vão bastante para além do talento os requisitos necessários para o aparecimento de boas ideias.
Na verdade, todos nós temos o potencial para criar boas ideias. Curiosamente, na grande maioria das vezes, ficamos com a impressão de que as boas ideias aparecem de repente, vindas do nada, num local completamente aleatório. E, frequentemente, ficamos frustrados quando ouvimos uma boa ideia e pensamos porque não tivemos essa mesma ideia antes. Em muitas situações, os elementos necessários para que surja uma boa ideia existem já no subconsciente. Todavia, temos uma grande dificuldade em fazer as conexões apropriadas. Parece que resistimos muitas vezes, condicionados por uma série de fatores. Mas então porquê? Essencialmente porque as boas ideias são o corolário de um processo complexo, como veremos a seguir.
Em primeiro lugar, é importante desenvolver a curiosidade. Este processo eleva o cérebro a um estado de abertura mental que permite fazer perguntas pertinentes, reter uma vasta quantidade de informação, reduzir preconceitos e aumentar a autoconfiança. Desde crianças, a curiosidade faz parte da condição humana. Porque é que o céu é azul? De onde vem o vento? Como é que as pessoas nascem e crescem? Estas são algumas das questões profundas que demonstram curiosidade e que colocam muitas vezes os pais em situações desconfortáveis. Contudo, parece que, com a idade, vamos perdendo a curiosidade. Na verdade, as rotinas diárias, a formação de ideias preconcebidas, as respostas superficiais, distantes e/ou agressivas às nossas perguntas e a penalização exacerbada do erro não permitem que as pessoas desenvolvam a sua imaginação e mantenham a sua curiosidade ativa.
Em segundo lugar, para que surja uma boa ideia é preciso arrojo mental, escapar às normas vigentes, arriscar. Este processo pode parecer simples, mas é, de facto, bastante difícil e muito condicionado pelo ambiente em que vivemos. Imagine, por exemplo, o que terá sido para Pitágoras idealizar em 500 a.C. que o planeta Terra não era plano, como todos pensavam, mas redondo. Por isso foi considerado uma pessoa excêntrica no seu tempo e, por consequência, foi perseguido. Hoje em dia, em sociedades centralizadas, paternalistas, extremamente hierarquizadas e conservadoras, as boas ideias surgem mais dificilmente, dado que o diálogo e a troca de informação não se fazem naturalmente, em particular “de baixo para cima”. A ausência de elogios, a crítica destrutiva, a exposição ao ridículo ou o simples ignorar destroem uma boa ideia rapidamente.
Adicionalmente, as boas ideias exigem períodos de intensa interação com diferentes formas de pensar, múltiplas áreas do saber e culturas distintas daquelas que herdámos, intercalados com fases de isolamento. O período de interação obriga-nos a olhar para uma situação de uma nova perspetiva, ajudando a relacionar eventos e a fomentar as conexões apropriadas para o aparecimento de boas ideias. O processo é particularmente eficaz quando ocorre num ambiente informal, relaxado, jovial, fora das rotinas, como, por exemplo, numa mesa de café. Por outro lado, o isolamento é necessário para que se processe a autorreflexão, desencadeando no cérebro a apreensão de toda a informação captada anteriormente, mesmo que seja apenas ao nível do subconsciente. É um estado de harmonia entre o conhecimento mais antigo já existente e o novo, promovido pela interação dinâmica com outras pessoas. Esta fase manifesta-se pela transformação de pura informação em pensamento crítico, o que permite aceitar novos conceitos e formular boas ideias.
Afinal de contas, não podemos prever quem será o próximo Mozart, o fundador da próxima Google ou a próxima Coco Chanel. Na verdade, poderá ser um dos leitores ou uma das leitoras deste artigo. Contudo, o mais importante é não perdermos a oportunidade de ter boas ideias: por isso, arrisque. Não se esqueça de que, no início, as boas ideias são difíceis de descrever e frequentemente parecem absurdas, mas são elas que mudam o mundo.
Professor catedrático, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa Diretor do Centro de Microscopia Avançada, Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), Braga Professor catedrático, The University of Texas at Austin, EUA