SNS. 50 mil doentes à espera de cirurgia para lá dos prazos

SNS. 50 mil doentes à espera de cirurgia para lá dos prazos


Lista de espera para cirurgia tem vindo a aumentar. Governo garante que hospitais estão a fazer mais consultas e operações. Aumento da atividade aos sábados “em estudo”.


A lista de espera para cirurgia no Serviço Nacional de Saúde tem crescido nos últimos anos e os hospitais não estão a conseguir aumentar a resposta o suficiente para acompanhar as necessidades dos doentes. Em agosto, o número de utentes a aguardar por uma operação para lá dos prazos máximos de resposta previstos na lei ultrapassou pela primeira vez os 50 mil – um aumento de 18% desde o início do ano. Havia nesse mês 245 mil pessoas à espera de cirurgia no SNS, mais cinco mil do que em janeiro.

Os dados foram atualizados nos últimos dias no Portal da Transparência do Ministério da Saúde e revelam que a maioria dos hospitais estão com mais dificuldades em garantir os tempos de resposta para cirurgia. Das 46 unidades hospitalares do SNS, apenas 14 apresentavam indicadores iguais ou melhores do que no início do ano no que diz respeito ao número de utentes em lista de espera para cirurgia dentro dos chamados tempos máximos de resposta garantidos (TMRG). Nas restantes aumentou o universo de doentes cujo tempo de espera excede os prazos previstos na lei, que no caso das cirurgias de prioridade normal e não oncológicas baixou de 270 para 180 dias no início de 2018.

Contactado pelo i sobre esta evolução, numa altura em que o programa do Governo se compromete com uma melhoria do acesso – considerando que “o desrespeito pelos tempos máximos de resposta garantidos mina a confiança nos serviços” –, o Ministério da Saúde remeteu para o reforço da atividade hospitalar nos últimos meses, dando conta de um aumento das consultas e também das cirurgias. Até outubro, referiu o gabinete da ministra da Saúde, os hospitais do SNS fizeram 10 381 000 consultas (+1,7% do que no mesmo período de 2018) e 587 300 cirurgias, mais 23 700 do que no mesmo período do ano passado – uma subida de 4,2%.

No ano passado, o número de cirurgias nos hospitais públicos caiu pela primeira vez e os dados da tutela apontam agora para uma recuperação, superando não só a atividade de 2018, mas também a de 2017. Ainda assim, o reforço das cirurgias não acompanha o aumento das inscrições para operação, que têm estado a subir, com o consequente aumento da lista de espera.

Balanço só em 2020 Em março, o Governo anunciou um plano para recuperar cirurgias e consultas em que os doentes estivessem à espera há mais de 12 meses, garantindo que teriam resposta até ao final do ano. Na altura havia 21 mil doentes à espera de operação nessas circunstâncias e 99 mil pessoas à espera de consulta há mais de um ano.

Questionado sobre se a meta será cumprida, o Ministério da Saúde não deu resposta, dizendo que o plano para recuperação de consultas e cirurgias “está a ser monitorizado continuamente e será avaliado no início de 2020”. Também a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) remeteu para uma avaliação no início de 2020, assinalando que o aumento das entradas para lista de espera aumenta a pressão sobre a resposta e que, ainda assim, a média de espera dos doentes operados em setembro se mantém em linha com o ano de 2018 – pouco acima dos três meses. Os tempos de espera até à cirurgia variam bastante entre hospitais e chegam a ser bastante superiores (ver texto ao lado). Já no caso do acesso às consultas, a ACSS adianta que em outubro havia 713 728 pessoas à espera de consulta de especialidade, das quais 87 mil há mais de um ano.

“Dificilmente se consegue fazer mais” O programa do Governo prevê novas medidas para melhorar o acesso ao SNS, como os hospitais terem atividade programada ao sábado – medidas que o ministério disse ao i estarem “em estudo”, não se comprometendo com uma data para implementação.

Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, diz ao i que, com os atuais meios, “dificilmente se consegue fazer mais”. A falta de recursos humanos e as limitações às contratações, não só de médicos e enfermeiros, mas também de assistentes operacionais, condicionam a capacidade de resposta e de agendamento, explica, antevendo dificuldades de operacionalização de mais atividade ao fim de semana, quando o recurso a horas extra e prestação de serviços já está em valores recorde.

A mobilização para as urgências acaba por penalizar a atividade programada, acrescenta. “Enquanto não for resolvido o problema das urgências, por exemplo com equipas dedicadas, as áreas médicas e cirúrgicas ficam condicionadas”, diz Alexandre Lourenço, alertando que há outros fatores que dificultam a resposta nos hospitais, como equipamentos obsoletos. “As únicas hipóteses que vemos é o reforço do investimento e alterar o modelo de remuneração dos médicos para um modelo baseado no desempenho, assim como introduzir um índice de penosidade nas remunerações que permita atrair profissionais para os hospitais mais periféricos”.

Em abril, o relatório do grupo técnico independente criado pelo Ministério da Saúde para avaliar os sistemas de gestão do acesso a cuidados de saúde do SNS alertou que a decisão de rever os tempos máximos de resposta, não tendo sido assegurado o aumento proporcional da capacidade de resposta dos hospitais, teria como resultado uma maior circulação de doentes entre o setor público e o setor privado e social. Fontes hospitalares ouvidas pelo i admitem que na ausência de um reforço de contratações e do aumento da produtividade nos hospitais será essa a consequência.

Esgotado 75% do tempo máximo de espera, os doentes recebem um vale-cirurgia mediante o qual podem ser operados no setor convencionado, ainda que alguns o declinem, quer pelas distâncias a percorrer, quer pela vontade de continuarem a ser seguidos nos hospitais de origem. No ano passado, o número de doentes operados no setor convencionado após transferência do SNS subiu 25%.

A longa espera para ser operado

Cirurgia vascular, tratamento cirúrgico da obesidade, ortopedia ou otorrinolaringologia são algumas das especialidades em que os hospitais apresentam tempos médios de espera para cirurgias de prioridade normal mais elevados. De acordo com a página de monitorização dos tempos de espera do SNS, que tem disponíveis dados de janeiro a agosto, o tempo médio de espera por uma cirurgia vascular ultrapassa os 400 dias no Hospital Garcia de Orta e no Hospital Distrital de Santarém. No Hospital de Évora, as cirurgias de obesidade estão a demorar este ano uma média de 691 dias, o pior registo nesta especialidade. Cirurgia vascular, tratamento cirúrgico da obesidade, ortopedia ou otorrinolaringologia são algumas das especialidades em que os hospitais apresentam tempos médios de espera para cirurgias de prioridade normal mais elevados. De acordo com a página de monitorização dos tempos de espera do SNS, que tem disponíveis dados de janeiro a agosto, o tempo médio de espera por uma cirurgia vascular ultrapassa os 400 dias no Hospital Garcia de Orta e no Hospital Distrital de Santarém. No Hospital de Évora, as cirurgias de obesidade estão a demorar este ano uma média de 691 dias,