Lalanda usou amigos de longa data para que Octapharma dominasse

Lalanda usou amigos de longa data para que Octapharma dominasse


O MP pede agora que além de perderem a favor do Estado tudo o que ganharam de forma ilegítima, o antigo presidente do INEM Cunha Ribeiro e a médica do São João Manuela Carvalho sejam afastados das suas funções.


Lalanda de Castro queria que a Octapharma dominasse no mercado do plasma humano português e para isso aliciou Luís Cunha Ribeiro e Elsa Morgado (farmacêutica amiga e sócia de Lalanda), ambos amigos de longa data. Segundo o Ministério Público, Cunha Ribeiro, “logo com o [Concurso Público] 9/2000, em função das posições que tomou, recebeu a atribuição de 3 frações de imóveis da Convida (detida por Lalanda de Castro), compradas expressamente para ele, e por ele escolhidas, e posteriormente recebeu outros bens” – estes imóveis foram doados aos filhos, segundo a acusação, para dificultar qualquer ligação futura. Cunha Ribeiro beneficiou ainda, segundo o MP, entre 2004 e 2015, de um imóvel em Lisboa da Convida – as rendas eram pagas pelo próprio Lalanda de Castro. 

Por outro lado, Lalanda de Castro viu ainda Helena Lalanda de Castro (irmã de Lalanda) ser contratada para o INEM e posteriormente para a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) quando Cunha Ribeiro saiu de presidente daquele instituto para liderar esta entidade. 

Segundo a acusação, com a sua atuação, tanto Cunha Ribeiro como Elsa Morgado, como ainda Manuela Carvalho, médica do Hospital de São João, arrecadaram benefícios de Lalanda de Castro a que não tinham direito: Cunha Ribeiro – 914 446,80 euros; Elsa Morgado – 340 136,60 euros; e Manuela Carvalho – 72456,64 euros.

“Lalanda de Castro através dos benefícios atribuídos, conseguiu que os arguidos defendessem os seus interesses de negócio na Octapharma e Octapharma AG, obtendo esta uma posição de privilégio no mercado português dos hemoderivados e de monopólio quanto a Plasma Humano Inativado, este só quebrado, em parte (50%), com a inativação in house no Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), IP, mantendo, no entanto, a inativação da outra parte do plasma resultante das colheitas de sangue do IPST e hospitais coletores (50%)”, referem os investigadores.

No caso de Elsa Morgado, o MP refere que embora trabalhasse no setor privado, exercia funções de interesse público e que “em momento algum, nos concursos, funções e lugares que ocupou, incluindo no IPST, IP, a arguida invocou qualquer incompatibilidade para o exercício das funções que era chamada a exercer”.

A investigação concluiu ainda que Lalanda de Castro foi ainda beneficiado por Luís Cunha Ribeiro na empresa ILS.

Todos os acusados na Máfia do Sangue Lalanda de Castro foi acusado por três crimes de corrupção ativa, cinco de recebimento indevido de vantagem, sete crimes de falsificação, quatro de branqueamento e ainda uma tentativa de branqueamento e outra de falsificação. O antigo presidente do INEM e da ARSLVT foi acusado de dois crimes de abuso de poder, três de recebimento indevido de vantagem, dois de falsificação, dois de branqueamento e ainda uma tentativa de branqueamento e outra de falsificação.

Neste processo foram ainda acusados Elsa Morgado, Manuela Carvalho, Helena Lalanda de Castro e o advogado Paulo Farinha Alves, por tentativa de falsificação e branqueamento, e ainda a sociedade Convida, de Lalanda de Castro, que era detentora do imóvel no Edifício Heron Castilho onde Cunha Ribeiro residia – e onde também José Sócrates vivia.

O MP pede ainda que Cunha Ribeiro e Manuela Carvalho fiquem proibidos de exercer funções públicas e que os arguidos restituam ao Estado o dinheiro recebido indevidamente – no caso de Lalanda de Castro e Convida, o valor total pedido ascende a 4 milhões. Já a Cunha Ribeiro, além das perdas, é solicitado que pague indemnizações ao INEM e à ARSLVT.

A investigação continua no que diz respeito a crimes de fraude fiscal e o MP justifica não ter acusado a Octapharma com o facto de Lalanda ter agido sempre no seu interesse.

Segundo o MP, empresa de diretor do Polígrafo fazia consultoria de Lalanda

Fernando Esteves, diretor do site Polígrafo e ex-jornalista da Sábado, e Pedro Coelho dos Santos, antigo assessor do INEM e da ARSLVT, são dois dos nomes referenciados nas mais de mil páginas do despacho de acusação do caso Máfia do Sangue. Segundo o Ministério Público, a empresa de ambos, a Alter Ego, prestou serviços de consultoria e comunicação à Octapharma e ao próprio Lalanda de Castro, agora acusado. Na altura em que a empresa prestou estes serviços, Fernando Esteves era jornalista na revista Sábado e Pedro Coelho dos Santos estava no Instituto Nacional de Emergência Médica. Em Portugal, aos jornalistas com carteira profissional está vedada a atividade de assessor de imprensa.

No despacho de acusação pode ler-se ainda que houve um encontro em Londres entre Fernando Esteves (que estava a escrever o livro A Sangue Frio sobre a Operação Marquês), Pedro Coelho dos Santos e Lalanda de Castro com o objetivo de este último poder reabilitar a sua imagem. 

“Luís Cunha Ribeiro entendia importante [o agendamento de tal reunião] por Fernando Esteves estar a preparar um livro com o título A Sangue Frio, sobre José Sócrates, a Operação Marquês, onde o próprio Paulo [Lalanda de] Castro era visado”, refere a acusação.

Ontem, tanto Fernando Esteves como o seu ex-sócio reagiram nas redes sociais à notícia avançada pela Sábado. O diretor do Polígrafo disse que a empresa de que não era gerente praticamente deixou de funcionar depois de no início ter tido alguma atividade e que, nessa altura, o seu amigo de faculdade Pedro Coelho dos Santos lhe perguntou se podia “faturar as atividades privadas dele através da empresa, uma vez que lhe era benéfico em termos fiscais”. 

Fernando Esteves acrescenta que lhe deu uma resposta positiva “sem lhe perguntar o que quer que fosse, nomeadamente quem eram os seus clientes”.

“Escusado será dizer que nunca ganhei um tostão relacionado com os clientes que ele legitimamente mantinha”, acrescentou ainda. Sobre o encontro em Londres, diz que foi tão secreto que o revelou abertamente no seu livro.

Também o seu ex-sócio reagiu às referências de que ambos são alvo na acusação, atestando que Fernando Esteves nunca soube da assessoria que ele prestava à Octapharma e a Lalanda de Castro e que, por isso, o diretor do Polígrafo “nunca recebeu qualquer tipo de gratificação monetária” por tais serviços.