Três mulheres negras no Parlamento


Um parlamento deve procurar refletir a população do país que representa. Por via de quotas, uma medida que defendo, grupos historicamente desempoderados podem e devem garantir a sua representatividade política.


Nunca houve três mulheres negras no Parlamento. Celebremos. Num Parlamento cada vez mais paritário graças aos avanços da lei da paridade de género, a eleição de três deputadas negras transformou-se um dos factos mais importantes das legislativas de 2019.

A celebração da chegada de três mulheres negras ao Parlamento como um acontecimento histórico é reflexo do deserto de representatividade política da população racializada em Portugal. Num paralelo que pode ser estabelecido com a subrepresentatividade das mulheres até aos avanços impostos pela lei da paridade de género, a composição do Parlamento mede a democracia de uma sociedade.

Um parlamento deve procurar refletir a população do país que representa. Por via de quotas, uma medida que defendo, grupos historicamente desempoderados podem e devem garantir a sua representatividade política. Mas quando isso acontece quer dizer que pertencemos automaticamente a uma sociedade menos racista? Ou menos machista? A centralidade desta questão motivou muitos debates ao longo do tempo, dentro e fora dos próprios movimentos.

Não se pode retirar razão a alguns dos argumentos desse debate. É evidente que a política não é necessariamente mais feminista por haver mais mulheres no Parlamento. É evidente que a presença de negros em lugares de destaque nas grandes empresas não muda a condição geral de exploração da maioria da população negra. Da mesma forma, a eleição de mulheres negras, por si só, não diz muito sobre a alteração das condições de vida do conjunto as mulheres negras do país.

Sabemos isto porque temos compreensão das discriminações como sistemas de poder que interagem uns com os outros, a desigualdade de género, o racismo, ou o colonialismo. E de como o capitalismo as utilizou para criar ordens sociais assentes na superexploração de alguns grupos. E, porque sabemos isto, quando vemos que as mulheres negras são as primeiras a apanhar os transportes públicos não procuramos explicações abjetas nas culturas ancestrais destas pessoas. Sabemos que isso acontece porque elas têm os piores empregos. Porque tiveram menos acesso à educação. À habitação. À saúde.

A isto chama-se exclusão social. As democracias modernas, e a esquerda em particular, passaram as últimas décadas a estudar e a tentar combater a relação entre a pobreza e o preconceito, a desmascarar os mecanismos através dos quais a desigualdade social se reproduz.

Mas enquanto nós tentamos acabar com a exclusão social, os ultraconservadores tentam justificá-la, torná-la aceitável aos olhos da maioria da população. Sem se autodenominarem racistas ou machistas, palavras geralmente associadas a assassinos, reinventaram eufemismos e bodes expiatórios. Ideologia de género aqui, parasitismo social ali, o objetivo é sempre o mesmo: justificar a exclusão social por categorizações biológicas e morais. Naturalizar as desigualdades sociais. Um retrocesso civilizacional.

Estas eleições tiveram um pouco desse cheiro a enxofre. Mas eu escolho celebrar a eleição destas três mulheres negras. Não apenas porque ela significa um avanço na representatividade política da população negra, e portanto na democracia. Mas porque não se trata de um acaso. A eleição destas três deputadas negras corresponde ao crescente protagonismo das lutas anti-racistas no país, ao fim do silêncio sobre a violência racista e ao fim do disparate de que Portugal não é um país racista.

Escolho celebrar, porque se não quisermos ser arrastados pelos ventos conservadores que começam a soprar em Portugal, o melhor é marchar contra eles. Em tempos obscuros na Europa, está aqui um país que resiste.

Deputada do Bloco de Esquerda