As duas irmãs de dez anos que até há dias viveram numa garagem, num ambiente de violência, estavam sinalizadas desde 2013 pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, a família já tinha sido sinalizada ao MP em 2016 e soube-se entretanto que nunca frequentaram a escola.
Se a discussão sobre as falhas do Estado tem sido, nos últimos tempos, mais vezes arma de arremesso partidário e passa-culpas do que o princípio de um debate construtivo, este é mais um momento em que se impõe reconhecer que o Estado falhou e perceber como foi possível uma situação destas – que faz lembrar os casos de cativeiro que são noticiados lá fora e que achamos que estão longe da realidade em que vivemos.
Se até casos tão amplamente sinalizados se arrastam no tempo, muito haverá a fazer em termos de prevenção, acompanhamento e sensibilização. Tardam as explicações: por esta altura, Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, a Procuradoria-Geral da República e os próprios ministros da Segurança Social e da Educação já poderiam ter vindo a público clarificar os contornos do caso e como é possível duas crianças perderem-se no sistema, num país em que tanto se gabam as simplificações administrativas.
Mesmo sendo uma explicação naturalmente sensível, por envolver menores, haveria certamente maneira de aclarar o que se passou e que mecanismos existem para que situações destas não ocorram, usando da mesma proatividade que se viu, por exemplo, durante a crise energética, em que não faltaram rostos disponíveis para as explicações da posição assumida pelo Governo.
Faltam meios? Falta articulação? Infelizmente, e não é a primeira vez, quando casos sinalizados acabam por não ter o acompanhamento que deviam ter – e muitos terão, basta dizer que, no ano passado, as CPCJ diagnosticaram 13 mil crianças e foram aplicadas 14 mil medidas de promoção e proteção –, assiste-se a comunicados lacónicos e silêncio institucional que, esse sim, fragiliza mais o Estado do que assumir falhas.