Portugal e o acólito


Portugal, que já foi mais católico e agora no papel é laico, está cheio de acólitos. Ajudam à missa dos populistas que pretendem minar a democracia quando, ao fim de quatro anos, pedem desculpa quando deviam ter agido.


Portugal, que hoje invocamos a par de Camões e das Comunidades Portuguesas no Mundo, está cheio de missas e de acólitos.

Há os que, fiéis aos guiões e aos estados da arte, não toleram quem possa pensar, escrever ou agir diferente, logo os apelidando, no mínimo, de aziados.

Há os que, no conforto da situação, se investem em guerreiros contra tudo o que possa perturbar a ordem normal das coisas, o seu exercício do poder, as suas propostas ou iniciativas e um exercitar maniqueísta de rotular como fracasso tudo o que surja de origem alheia.

Portugal, que já foi mais católico e agora no papel é laico, está cheio de acólitos.

Ajudam à missa dos populistas e dos extremistas que pretendem minar a democracia quando, ao fim de quatro anos, pedem desculpa quando deviam ter agido, anunciam que vão tentar resgatar a qualidade dos serviços públicos básicos como o da emissão de documentos oficiais de cidadania, ou quando insistem em ver incompatibilidades entre a narrativa vigente e a realidade concreta das pessoas nos transportes, no acesso à saúde ou à segurança social.

Ajudam à missa da degradação da política e dos políticos quando as suas opções políticas, por exemplo na reversão de privatizações como a TAP, não constituem garante de uma gestão em linha com os padrões que dizem querer desenvolver ou quando as divulgações públicas de informações do Estado e da sua relação com as empresas participadas já se inscreve no domínio dos posicionamentos e das pré-lutas de poder interno no PS, num quadro pós-António Costa. Aliás, um quadro de referência cada vez mais projetado no presente, com prejuízo do foco na resolução dos problemas dos serviços públicos e na concretização de respostas para as pessoas. Ele é o “quem quer casar com o lugar de presidente da Assembleia da República”, “a tua cara não me é estranha para líder parlamentar” ou o “querido, mudei a composição da lista de deputados”.

Ajudam a uma missa de mínimos denominadores comuns, quantas vezes em ziguezague, que pode funcionar num quadro de conjuntura internacional favorável, de animada alegria popular por confronto com a desgraça anterior e de debilidade dos mecanismos de escrutínio, de oposição e de exercício de um jornalismo qualificado, mas que tem tudo para ser insuficiente perante a alteração das circunstâncias. É certo que o acólito vive virado para a lua, mas há sempre um momento em que a sorte acaba. Ou alguém acha ser sustentável e compatível com a participação europeia a excitação vencedora do Bloco de Esquerda ou a perdição eloquente do Partido Comunista depois de mais um mau resultado? Ou que o certificado de crise incrustada da direita, passado pelo Presidente da República, vai durar perpetuamente?

Um dos grandes problemas de sempre é o do exercício político do turno. Exerce-se o poder para ser um político de turno, fazer algo diferente que os anteriores, aproveitar as circunstâncias políticas ou da conjuntura e não mexer com boa parte das questões estruturais, mesmo quando se diz que se faz ou se pretende fazer. De tanto entretenimento com a missa, o acólito joga tudo nesse momento. Na partilha de estados de espírito, na força da palavra não escrutinada e no regresso para renovadas missas, com novas dimensões de mais do mesmo, quantas vezes alheio deliberado das dinâmicas envolventes e das realidades.

O acólito de turno quer agora uma missa sem grandes ondas, para ver se a ambição da maioria absoluta se concretiza ou se, ganhando pela primeira vez nas legislativas, uma pequena muleta parlamentar é suficiente para renovado turno. Até lá, não faltarão missas. A da Europa, que é um chamamento, com alegada crescente influência, mas Portugal está primeiro. A da impulsiva mitigação de problemas, muitos deles gerados pela cativação de verbas destinadas à gestão corrente dos serviços e de iniciativas relevantes para o pulsar das comunidades. E muitas outras em que o acólito conta com a aquiescência dos cidadãos com a profusão de irritantes decorrentes das incoerências, das meias verdades e da navegação de turno.

A habilidade do acólito é insuficiente para os desafios com que o país está confrontado, mas muito povo gosta. Viva Portugal!

NOTAS FINAIS

Arraial. O pós-europeias está um espetáculo. Uns a aumentar o tom das reivindicações de fim de festa, outros, perdidos nos resultados, a culparem alheios, a inovarem na representação de brancos e nulos – o que não seria se aplicado internamente no PSD – e a derivarem nas propostas que sustentam, mandatos por atribuir em função de brancos e nulos, etc.

Sardinha assada. É da época, mas o pior são as amnésias de sempre de quem protagonizou o sistema bancário nos últimos anos. É deplorável o exercício, o fartar vilanagem e a generalizada falta de respeito por quem diariamente tem de trabalhar para ganhar algum e escapar aos acossos dos bancos perante os empréstimos bancários da casa ou do carro.

Manjerico. A tentação de cheirar diretamente dez anos de correspondência digital do Benfica, de a truncar para obter agitação mediática e de saber informação comercial de uma instituição cotada na bolsa acaba de ser penalizada em primeira instância. O porta-voz do crime organizado, agora condenado nessa função que lhe valeu um Dragão de Ouro, quiçá já no prego, é cada vez mais um personagem de Miguel Cervantes, só, sem Sancho Pança, contra moinhos imaginários, mas com demasiados burros na contenda efabulada.

 

Escreve à segunda-feira