A imprudência do sr. Prudent


PARIS – Baudelaire falava do spleen de Paris e esse tal spleen era algo muito dele que, depois, passou a ser também dos outros, até do divino Eça. Explicou-se, numa carta à mãe: “O que eu sinto é um imenso desânimo, uma sensação de isolamento insuportável…” Essencialmente práticos, os ingleses ligam mais o spleen a…


PARIS – Baudelaire falava do spleen de Paris e esse tal spleen era algo muito dele que, depois, passou a ser também dos outros, até do divino Eça. Explicou-se, numa carta à mãe: “O que eu sinto é um imenso desânimo, uma sensação de isolamento insuportável…” Essencialmente práticos, os ingleses ligam mais o spleen a uma espécie de ressaca. Afinal, spleen significa baço e, como todos sabemos, há baços muitos sensíveis ao excesso de libações alcoólicas.

Vim muitas vezes a Paris em trabalho (muitas delas por causa de Platini) e o meu spleen aqui, confesso, terá sido mais inglês do que francês. Paris faz sentir muitas coisas a muita gente, até aos parisienses, e recordei-me de monsieur Prudent e da noite em que, de repente, não fez jus ao nome e espancou um irlandês, por acaso escritor, chamado Samuel Beckett. No dia seguinte, presente em tribunal, Prudent justificou- -se: “Je ne sais pas pourquoi, monsieur. Je m’excuse”.

Beckett deixou-o ir em paz, sem queixa, convencido de que se tratava de um homem honesto.

Talvez tenha sido invadido por um certo spleen próprio de Baudelaire. Uma aura benfazeja que fez esquecer as dores das bordoadas aplicadas no toutiço. Não lhe deu a bílis negra, segregada pelo baço e que provoca irritação. Tal como irritadiço é spleen em alemão.

Saio para a rua. Chove. Pessoas encolhidas debaixo de guarda- -chuvas não parecem felizes. “Quando a chuva, caindo a cântaros, parece/ D’uma prisão enorme os sinistros varões/ E em nossa mente em febre a aranha fia e tece/ Com paciente labor, fantásticas visões”. Para tudo serve o spleen. Já o baço, não sei ao certo para que serve. Nunca tinha escrito sobre ele.