Motoristas de matérias perigosas. Acabou  a “paz social”

Motoristas de matérias perigosas. Acabou a “paz social”


Depois do comunicado da ANTRAM que falava em salários de 700 euros, o sindicato suspendeu as negociações e vai enviar um pré-aviso de greve para dia 23 de maio.


O acordo de paz social foi alcançado esta terça-feira durante a segunda ronda de negociações, mas não chegou a durar 24 horas. Parece que agora, as duas partes envolvidas – ANTRAM e Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) – voltaram a falar línguas diferentes. Já o Governo – que serve de mediador – mantém-se em silêncio.

A história é complexa e já tem vários capítulos. O melhor é começar pelo fim: o SNMMP garantiu ao i que vai suspender as negociações e entregar um pré-aviso de greve com início no dia 23 de maio. “A ANTRAM está a atrasar o tempo e a lançar comunicados que são completamente falsos. Não estamos para andar com estes jogos e vamos enviar para as autoridades competentes um pré-aviso de greve com data de início a 23 de maio”, disse ao i Pedro Pardal Henriques, vice-presidente do SNMMP.

A ameaça do sindicato surge na sequência de um comunicado da ANTRAM enviado às redações durante a manhã de ontem. No documento, os patrões disseram que foi apresentada durante a segunda reunião uma nova proposta cujo salário base indicado é de 700 euros – muito menos do que os 1200 euros que os motoristas exigiam desde o início dos protestos e só mais 70 euros daquilo que os motoristas ganham atualmente.

Pedro Pardal Henriques, vice-presidente do SNMMP, pouco tempo depois de ter terminado a segunda reunião, revelou ao i que “em princípio, em janeiro de 2020 os motoristas estarão a fazer descontos sobre os 1400 euros, em 2021 sobre os 1550 euros, e em 2022 sobre 1790 euros”.

Os valores indicados pelos dois organismos não batem certo e as declarações também não. À saída da reunião, o vice-presidente do sindicato disse aos jornalistas, ainda no Ministério das Infraestruturas e Habitação, que o encontro permitiu acordar um valor “muito, muito” aproximado daquele que têm vindo a reivindicar. A postura do sindicato relativamente à ANTRAM foi esta terça-feira muito diferente da assumida na semana passada, quando quiseram – logo na primeira reunião – suspender as negociações. Já a ANTRAM saiu a dizer que os valores inicialmente pedidos muito dificilmente seriam aceites, mas que ambos os organismos iriam discutir as propostas com os respetivos associados.

A questão que não é clara refere-se apenas ao valor dos salários dos motoristas. Se até aqui estes trabalhadores sempre pediram o valor de 1200 euros, qual a razão para darem, pelo menos, 500 passos atrás e aceitarem a proposta dos tais 700 euros? “Não é aquilo que falámos. Eles (ANTRAM) acham que por seremos um sindicato novo podem andar a brincar como andaram a brincar com a FECTRANS durante 20 anos, mas connosco não vão brincar mais”, disse Pedro Pardal Henriques.

Também em comunicado, a ANTRAM referiu que os termos gerais do contrato coletivo de trabalho assinado em setembro do ano passado entre a ANTRAM e a Federação dos Sindicatos de Transporte e Comunicação (FECTRANS) se mantêm, “ainda que reforçando, em sede de seguros, exames de saúde e subsídio diário adicional a criar, a proteção dos trabalhadores afetos ao transporte de mercadorias perigosas em cisterna”. E estes pontos fazem parte, aliás, da proposta apresentada pelo SNMMP.

O i contactou o gabinete de Pedro Nuno Santos – que representa o Governo nas negociações entre patrões e motoristas –, mas não foi adiantada qualquer informação.

 

O que queriam os motoristas no início

Os trabalhadores que fizeram greve no mês passado e conseguiram parar o país, pedem uma remuneração bem acima da atual – pretendem passar dos 630 euros para os 1200 euros mensais. Além disso, a redução da idade para pedir a reforma e o subsídio de operação de matérias perigosas – de 240 euros –, estavam também em cima da mesa. São estes alguns dos pontos que constam na proposta de acordo coletivo apresentada formalmente na semana passada à ANTRAM.

Alcançar um novo acordo coletivo surge na sequência da insatisfação dos trabalhadores face ao acordo coletivo assinado em setembro entre a FECTRANS e a ANTRAM – motivo que acelerou a concretização da greve. O acordo coletivo assinado no ano passado foi também o motor para a criação do SNNMP que, antes de setembro, era uma associação. A discórdia que se gerou levou os motoristas a sindicalizarem-se no SNMMP – sindicato que hoje, com sete meses de existência, conta com cerca de 900 filiados.

Recorde-se que no passado dia 15 de abril os camionistas iniciaram uma greve que paralisou o país, deixando os postos de abastecimento secos, e os aeroportos sem combustível para os aviões levantarem voo. Foi por essa razão que o Governo decretou a requisição civil, recorrendo até a militares da GNR para levarem combustível para o aeroporto de Faro. Quando em muitas estradas se viram enormes filas de carros à procura de abastecer, entrou em ação Pedro Nuno Santos, que desbloqueou a situação conseguindo que as partes envolvidas no diferendo assinassem o cachimbo da paz. Pelo vistos, foi por pouco tempo.

Entretanto, a ANTRAM enviou novo comunicado a dar conta do seu empenho em "construir uma solução negocial de consenso".

Sobre o documento da associação que representa as transportadoras e que falava em 700 euros de salário base, sublinhou ainda que este “não teve o intuito de obstaculizar ou prejudicar as negociações que estão a decorrer com este sindicato num clima de boa-fé negocial”. E explicou que se sentiu “no dever de comunicar aos seus associados pontos relevantes da proposta apresentada” pelo sindicato para evitar dúvidas e “agitação”.

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