No Programa de Estabilidade, o Governo reviu em baixa o PIB para este ano para 1,9%, uma descida de 0,3% face ao que era estimado no OE. Era expectável?
Era impossível não haver revisão, só se o ministro quisesse ser ainda mais mentiroso, mas agora está a tentar ser mais verdadeiro como quando fala em línguas estrangeiras. Agora sem brincar, com a conjuntura internacional e com a expectativa de redução da taxa de crescimento do PIB na zona central da Europa que é o mercado maioritário para onde exportamos – neste momento, o PIB português depende 43% ou 44% de exportações, das quais dois terços, ou seja, 70% são para a Europa – era impossível não rever. Estamos muito dependentes do ciclo europeu em termos de taxa de crescimento do PIB e havendo um arrefecimento nessa zona e com os alarmes a tocarem no Banco Central Europeu era inevitável que se fizesse uma revisão, a não ser que não quiséssemos ser minimamente sérios. Depois há umas questões no programa que podem levantar dúvidas: faz-me alguma espécie que, apesar de tudo, se continue a prever um crescimento do investimento tal como o que está previsto. Não havendo investimento público acentuado, e acredito que não irá aumentar, e havendo uma redução de receitas por causa da queda do consumo o que é o Governo vai fazer? Vai virar-se novamente para o investimento que não vota e contraí-lo. Não estou a ver grandes hipóteses para o investimento público poder ganhar algum fôlego. Já o investimento privado normalmente reage a expectativas então porque é que o Governo pensa que irá reagir tão bem se as perspetivas não são boas? É admirável. E depois há outras questões como, por exemplo, o crescimento da produtividade. Ainda esta semana li que há uma expectativa de crescimento da produtividade para níveis de 1,6% nos próximos anos. Como é que isso é possível quando tem estado nos últimos anos sempre em valores negativos?
Seria um milagre esse crescimento?
Sem dúvida. As pessoas ficam muito preocupadas quando se fala da segurança social e das pensões de reforma, principalmente quando um dos caminhos é aumentar a idade de trabalho. Há três formas de mexer no problema: uma é aumentar as contribuições, a outra é reduzir as pensões no futuro e, por último, aumentar a idade da reforma. As duas primeiras mexem com fluxos financeiros. A única que aparentemente não mexe nos fluxos financeiros é dilatar o período de descontos do trabalho e, por isso, é que os governos tentam gerir aí. Além disso, as pessoas não sentem já esse efeito, a não ser aquelas que estão à beira de atingir o limite de idade e nesse caso terão de prolongar. Claro que esses ficarão desolados porque essas pessoas já estão a viver antecipadamente aquela coisa de não voltarem a trabalhar e seriam confrontados com a necessidade de terem de trabalhar mais um ano ou um ano e meio. Normalmente, estas medidas não são feitas de forma a terem de prolongar mais três anos para quem está quase a atingir a reforma.
Haveria um período de transação…
Exato, mas mesmo assim, essas pessoas ficariam muito desanimadas. Tirando esses que são uma franja relativamente pequena acabariam por ser mais poupados do que todos os outros. Para uns porque ainda falta muito tempo e terão de se mentalizar e porque outros já se reformaram.
O problema das reformas tem estado na ordem do dia…
É muito importante para os governos não tocarem em determinadas portas. Eles não querem abrir as portas e dizer que vão baixar mais as pensões de reforma porque as pessoas ficam em estado de choque. Então a hipótese poderá passar por as pessoas terem de trabalhar mais ou então pela conjugação destas várias alternativas. A única alternativa de podermos de alguma forma compensar estes movimentos é através da produtividade para podermos eventualmente vir a obter mais rendimento por unidade de capital empregue para assim poder ser mais suave o eventual aumento da sobrecarga que possa recair sobre aqueles que vão ficar a trabalhar. O que interessa é que alguém que esteja no ativo sustente aqueles que vão deixar de trabalhar e a forma mais simples e suave é aumentar muito a produtividade. É fundamental esta luta de aumento da produtividade e tem de ser um objetivo do país. Estabilizadas as contas públicas o que é que o senhor Costa vai fazer? Este objetivo acabou. Arrumámos a casa e agora o que vamos fazer? Uma festa? O quarto estava todo desarrumado, arrumámos o quarto e agora é para estudar ou é para fazer uma festa? É para fechar a porta e não mexer lá? Essa é a grande pergunta que devíamos fazer aos políticos para que possam responder sobre o que estão a pensar em fazer nos próximos quatro anos. As pessoas deviam falar nisso e quem diz um senhor Costa diz um senhor Rio.
Estamos a um mês das eleições europeias e não se ouve ideia nenhuma para a Europa…
É uma vergonha, mas é porque o primeiro-ministro não quer. Diz que estas eleições são para sufragar o Governo, mas o que é isto? Não, estas eleições são para eleger os nossos representantes na Europa e que vão lutar por uma coisa na Europa. Não tem nada a ver com o Governo. A meu ver, isto é um atentado à orgânica e à organização política do país. Estas eleições não são para a junta de freguesia, nem para a autarquia ou para o governo nacional ou para eleger o Presidente da República. Imagine o que seria agora Rui Rio dizer que estas eleições eram para sufragar o mandato do Presidente da República e para votarem no PSD porque Marcelo até era do PSD. As pessoas achavam isto bem? Acha que isto é normal? Costa está louco! Quanto muito pode-se dizer que houve uma pessoa que esteve no Governo, tem um determinado percurso político até como membro desse Governo, o que lhe atesta uma determinação para fazer qualquer coisa na Europa. Por exemplo, dizer que nos últimos três ou quatro anos empenhou-se a fazer o aeroporto e fez. Ou empenhou-se a fazer a mudança da ferrovia e fez. Mas só serve para isto, não serve para mais nada porque ele agora vai ter um papel completamente diferente. E mesmo que o senhor tivesse feito as pontes todas, as ferrovias, as estradas, etc., o que é que isso servia? O senhor não vai fazer nada disso na Europa, os deputados europeus têm de estar inseridos em famílias e estas famílias deveriam querer fazer da Europa alguma coisa. Era assim que as pessoas se deviam apresentar e era isso que se devia discutir, é muito triste não discutirem isto. Agora é que são as europeias e não é em outubro que vai dizer ‘agora vamos votar as eleições europeias’. Só posso responder: oh meu caro, você anda aí com um jet lag de meses. Não faz sentido e depois há uma série de fait-divers e de coisas mais ou menos agradáveis e mais amigas ou inimigas dos políticos, como a questão da familygate ou a dos combustíveis, mas que no fundo vão mostrando o que é realmente Portugal.
Foi o que aconteceu com a crise dos combustíveis?
Mais uma vez mostrou que não temos estruturas nenhumas, nem planeamento nenhum e isto é uma brincadeira de crianças. Até quando se anunciaram medidas muito concretas, como dizer que os serviços mínimos eram de 40%, as pessoas perguntavam 40% do quê? De cada um? 40% do combustível que descarregam em cada bomba? 40% dos portugueses e 60% ficariam de fora? Como não planearam nada, não sabem nada, deu o caos que deu. Mais, criaram uma rede estratégica de postos de abastecimentos que até aqui não havia.
Os tais 310 postos…
Sim, mas mesmo estes postos não faziam a mínima ideia do que iam fazer. Acha que estes postos estavam definidos para criarem linhas exclusivas? Por exemplo, se vamos com um pesado não podemos abastecer na zona dos ligeiros, o que quer dizer que há linhas dedicadas exclusivamente para determinado tipo de transporte. Também podiam criar, na zona dos ligeiros, linhas exclusivas para ambulâncias ou o que quer que fosse. Mais, estes postos deviam estar pensados em termos de localização. Mas não, alguns estavam metidos no meio das povoações, em ruas pequenas, onde uma pequena linha fora do espaço já entupia tudo. E nada funcionava. Houve cenas caricatas: filas nas autoestradas, a polícia a dizer ‘o senhor tem de sair daqui’ e responderem ‘tire o carro porque não temos combustível’.
Estava à espera que ganhasse estas proporções?
Ao princípio não. Agi ao contrário, mas depois várias vezes pensei ‘já me arrependi’. Mas o que é certo é que ainda ando com o meu meio depósito de combustível. Fiz um bocadinho de poupança naqueles dias, na quarta-feira não saí de casa, reorganizei a agenda, e a partir daí tenho estado a fazer um esforço, que agora já é mesmo por autoimposição, por ter uma média de consumo baixíssima. E fiquei de boca aberta com aquilo que consigo poupar. Não é muito, mas se conseguisse fazer isto em 80% dos meus percursos era o ideal. Isto para dizer que fui daqueles que tentou evitar o caos porque achava que aquela situação teria de se resolver, mas depois comecei a ficar muito aflito, não por mim, mas preocupado pelo país porque comecei a ver aquilo a agravar-se e a histeria a alargar-se a outros setores, como aos supermercados. Para mim houve uma grande incúria, e acho que tudo isto devia ser revisto. E nesta crise toda houve o acidente na Madeira. Vi um casal que sobreviveu porque fizeram uma coisa muito simples: cumpriram o protocolo, primeiro com o cinto de segurança e depois, com o perigo, baixaram-se como se faz nos aviões. Safaram-se. Se não tivessem cumprido o protocolo provavelmente eram mais dois que tinham morrido. Temos que cumprir os protocolos mas estes têm que ser pensados e testados. Estas simulações são más e desagradáveis, têm custos acrescidos, mas preparavam-nos. Se houver um terramoto, ninguém está preparado para nada, ninguém sabe o que é que há de fazer, não temos nada, zero. E depois estamos muito descansados porque somos bons a desenrascar.
Porque sabemos que reagimos no imediato…
Mas não pode ser assim. É muito bom manter essa capacidade, mas devemos também tratar do resto.
E esta paralisação abre portas para outros setores?
Sem dúvida. Porque é que os professores sentem que têm o direito de pedir a reposição dos vencimentos? É porque há um discurso e há uma prática que leva a pensar que se somos todos iguais então temos de ter todos tratamento igual. Era bom que o Governo dissesse que não somos todos iguais e quem não quer isso então terá de votar nas próximas eleições.
Se o Governo assumir isso terá consequências nos resultados eleitorais…
Alguém vai ter de pagar a fatura ou é politicamente através dos votos ou é depois através dos impostos. Nós agora pagamos mais impostos sobre o PIB do que pagávamos. E alguém nos disse isso? Não, até pelo contrário, garantiram-me que o plano do PS e dos sete magníficos economistas que elaboraram o plano que era possível uma redução do esforço fiscal porque projetavam um crescimento do PIB muito superior àquilo que se veio verificar.
E Portugal até beneficiou de uma série de conjunturas favoráveis…
Certo, mas não devemos estar contentes com os resultados que conseguimos. As pessoas estão contentes com o país que têm? Se estão contentes com o país que têm, com o serviço público que têm, com o nível e qualidade do emprego que têm e com a remuneração então façam o favor de ficarem muito contentes sempre que sai um dado do PIB com crescimentos anémicos. Acho que não devemos estar contentes e devemos continuar a lutar para melhorar os indicadores.
Mas o que falhou então? A carga fiscal está a nível recorde, nem a economia cresceu tanto como estava previsto…
Foi um problema de produtividade, de investimento e de qualificação do investimento.
Investimento público?
Não, o investimento público é uma desgraça. É do próprio investimento privado que, mesmo assim, até tem estado melhor do que estava à espera, ainda assim, não é suficiente para dar uma dinâmica de crescimento ao país, nem de otimismo. Estamos numa água morna. Já em relação ao investimento público fiz umas contas muito engraçadas: calculei a soma do investimento realizado e não o anunciado. Somando o investimento efetivo que o INE publicou conclui que foi investido nos últimos três anos: 10 mil e 400 milhões de euros. Isto foi o triénio mais baixo desde 1995. Se compararmos com o período da Troika houve uma quebra de 6%, mas se compararmos com a média dos últimos 20 anos, de 95 a 2015, então houve uma quebra de 30%. Isto a preços de 95 porque, em termos reais, as quebras são superiores a 40% no período com a Troika e quase 50% face ao período anterior à entrada da Troika. O investimento público, de facto, foi o patinho nem é feio, é inexistente.
Também não há grandes obras nem grandes investimentos…
Há muitos milhões a serem anunciados, mas depois não são executados. E isto tem consequências. Claro que pode dizer-me ‘ah mas não há dinheiro’, mas não há dinheiro porquê? Porque se preferiu redirecionar todo o dinheiro cobrado nos impostos para dar dinheiro às famílias e depois estas que façam o que entenderem com o dinheiro. E o que fazem? Compram produtos fora e aquele dinheiro não volta.
E a dívida continua na mesma a aumentar…
Exatamente! Podíamos até dizer ‘vendemos as empresas, mas limpámos o problema da dívida’. Não! Já viu a desgraça que isto foi? Vendemos as coisas, agora a remuneração do capital, os dividendos vão para aqueles que compraram as empresas, os juros das obrigações vão para quem financiou Portugal e comprou essas obrigações e por aí fora.
Acha que o Programa de Estabilidade podia ter ido mais além do que foi?
O ministro diz que não é um programa de Governo, diria que é para cumprir calendário. Qual é o desígnio até lá? Não percebo.
Mas faz promessas: redução do IRS e aumentos salariais…
Isso não é um destino de um país. Isso é resultado de uma estratégia. Anunciar que vou dar rendimento às pessoas não significa nada, até pode ser altamente perverso porque a pergunta é o que é que se quer fazer de Portugal. Se perguntassem isso aos nossos reis que estiveram à frente da expansão e dos descobrimentos não tenha dúvidas nenhumas que saberiam responder. Ao contrário do senhor Costa e do senhor Rio, sei o que Jerónimo de Sousa e Catarina Martins querem fazer de Portugal. Eles próprios definiram que este era um período de aceitação de um percurso que não é deles. Admitiram isso para afastar a direita do poder e abdicaram, de alguma maneira, dos seus objetivos. Houve aqui uma cedência durante um período, congelaram os ideais e agora hão de vir esses ideais outra vez ao de cima. O que continuo sem saber é qual é o desígnio de Portugal nos partidos que acabam por estar sempre envolvidos no poder. O mesmo acontece com o CDS, já vimos um CDS europeísta e um CDS antieuropeu. Como é que estes partidos veem Portugal? É a Florida da Europa? É um asilo para velhotes? Ou é uma economia pujante?
O PS acena com números: défice de 0,2% e crescimento de 1,9%…
Como disse foi o arrumar a casa, o problema é que as pessoas não querem fazer reformas. Se agora olharmos para trás, o que mudou mais em Portugal foi claramente o mundo empresarial. Foram mais as empresas que se ajustaram ao mercado externo e começaram a exportar. Também houve um mindset na juventude muito virado para fora, os jovens começaram a perceber que, uma boa parte da sua vida, vai ser feita fora de Portugal. O que não mudou foi a administração pública.
Mas a folga que houve no OE foi para responder à administração pública…
Exatamente. E a conversa é sempre a mesma: não temos quadros suficientes. Veja o que diz Ana Avoila, o anseio dela é aumentar a remuneração dos trabalhadores da administração pública e completar a atual administração pública com os lugares que faltam dentro dos quadros desenhados há uns 20 ou 25 anos. É imaginável alguém pensar que há 25 anos desenhei um determinado quadro de pessoal e quero que hoje seja exatamente igual. Algumas funções já nem sequer existem.
Estava à espera que nestes últimos meses houvesse este descontentamento geral? Juízes, médicos, professores, polícias…
Uns são os movimentos independentes, aqueles sindicatos que apareceram e de facto estão a fazer um bocado de estrago e fazem estrago no Governo e naqueles que apoiaram o Governo. Eles nasceram aparentemente do nada, depois são financiados, depois ficamos todos incomodados porque são financiados.
Foi a classe que deu o maior abanão?
Sim. Mas agora temos os motoristas que, de uma forma independente, reuniram-se e afirmaram-se. E depois há aqueles movimentos que estão associados claramente à CGTP e onde se percebe que, apesar de terem feito parte da solução, agora querem ser parte do problema, mas fazendo à mesma parte da solução. Isto é estranhíssimo, é um comportamento que não se consegue perceber. Aliás, até já criou um mal-estar dentro do Partido Comunista. Há alguns militantes que não conseguem perceber este comportamento. Isto parece psicótico: apoia-se o Governo, mantém-se o Governo no poder, mas depois vêm para a rua contestar o poder. O que é isto? É esquizofrénico.
Mas estes movimentos intensificaram-se nos últimos meses. É por estarmos em ano de eleições?
Os sindicatos sentem que é agora que têm de fazer mais pressão e sentem que têm mais poder. Por exemplo, os sindicatos dos transportes, dos pilotos anunciam greves quando se aproxima o Natal.
No caso dos professores nota-se que é no arranque do ano ou em época de exames…
Os professores travam as coisas na data dos exames. Vamos ver o que vai acontecer este ano. É ano de eleições e o tic-tac do relógio está a contar no sentido de se criarem problemas graves na educação quando chegarmos à altura dos exames finais. E aí vai ser dramático. Prevejo que os pais dos jovens que estejam em períodos de exames vão sofrer muito e não vão achar piada nenhuma porque vão ver o seu planeamento todo desfeito. Aquela coisa organizada das viagens, das casas, etc., fica tudo estragado. Se os exames forem adiados esfanicam as férias e acredito que os professores vão jogar com isso. E o Governo das duas uma: ou vai ter centenas de milhares de famílias desagradadas ou vai ter de lhes dar o dinheiro.
Mas tem havido alguma resistência por parte do ministro das Finanças em ceder…
O ministro das Finanças é um ‘mão-de- vaca terrível’ e tem mostrado isso. Não abre mão de nada e é isso que faz cumprir o défice, que é o seu objetivo. Mesmo que António Costa lhe diga: ‘Olha que há mais vida para além do défice’. Quando daqui a 20 anos olharmos para trás e formos ver as contas vamos ver que houve basicamente um objetivo e que foi mantido como o objetivo de Portugal: a redução do défice. O objetivo não é dar rendimento às pessoas, esse é um objetivo que se cumpre com determinadas condições, como preferir fazer despesa para dar rendimento às pessoas do que optar pelo investimento público.
A única tarefa que o ministro fez neste mandato foi só essa?
Não, esse foi o seu objetivo. Se virmos o gráfico dos défices é muito engraçado: aquilo é uma linha reta. E só é uma linha reta porque há uma manutenção de uma estratégia. Nas outras variáveis não é assim, não são consistentes como essa.
Acha que Mário Centeno está disponível para manter a pasta caso o PS vença as eleições?
Acho que ele quer mesmo é saltar daqui para fora.
Mesmo depois de ter sido chamado o Ronaldo das Finanças…
Por isso mesmo, ele acha que já cumpriu e agora é a altura de saltar daquipara fora. Claro que Costa, tendo a noção de que ele é das pessoas que acabou com mais credibilidade no Governo, não o quer largar e quer continuar a vender esta ideia de que ele vai ser ministro das Finanças. Se calhar já lhe disse assim: ‘Está descansado que no dia das eleições, depois de ganhar, despacho-te para a Europa. Mas até lá tu estás calado…’
A maior parte dos portugueses tem sempre uma aversão muito grande aos ministros das Finanças – Teixeira dos Santos, Vítor Gaspar, Maria Luís Albuquerque –, mas dá-me a ideia que este reúne um maior capital de simpatia em relação aos outros ou não?
Sim, é possível até porque ele consegue fazer uma coisa: dar com uma mão e tirar por trás. Este ministro é altamente liberal e se os portugueses gostam de Mário Centeno é porque ele é um liberal, não é por ser socialista. E é um liberal porquê? Porque entrega o dinheiro às pessoas e depois dá-lhes liberdade para escolherem o que querem fazer. Um liberal entrega-lhe o dinheiro e diz-lhe que você tem capacidade para decidir o que quer fazer com o seu dinheiro. O que o Mário Centeno faz é isto: dá dinheiro, mas depois cobra com os impostos.
Temos uma taxa de impostos indiretos altíssima.
Claro! Fuma um cigarro, mas paga dois. Os impostos sobre o consumo são elevados, mas ele também não diz que tem de consumir. Um ministro de orientação mais socialista o que faria? Vou reter-lhe o dinheiro em imposto de IRS, vou redistribuí-lo da forma como eu quero. Mas não foi isso que aconteceu, não mexeu nas taxas de IRS, ele diz isso e é verdade, até baixou em termos de volume arrecadado. Acabou por devolver mais dinheiro às pessoas do que o aumento do imposto cobrado, mas depois compensa da outra maneira. Um Governo supostamente socialista até tributa mais, retém-lhe o imposto para garantir que este é cativado ali para que possa dar a necessária e adequada orientação, ou seja, não dá escolha. Onde é que o Governo não é liberal? Não é na política de rendimentos, mas é em algumas políticas. Por exemplo, na saúde. Dizer que vou acabar com as PPP é acabar com a saúde privada para dar sempre exclusividade a um serviço que é público.
E como vê a situação de os partidos de esquerda aceitarem uma nova injeção de capital no Novo Banco?
Então, mas isso foi negociado por este Governo, apoiado pelo PCP e pelo BE. Eles apoiaram a solução.
Mas estariam à espera de montantes destes?
Para isso deveriam ter dito que haveria barreiras vermelhas e que, a partir daí, não estariam disponíveis. Mas acho que eles já sabiam todo aquele valor que potencialmente teria de ser injetado. Portanto isto é um teatro que eles fazem aqui.
Não seria desejável outra solução além daquela que foi encontrada?
Ainda estou para perceber porque é que o Governo e o Banco de Portugal acabaram por aceitar aquela solução quando se falava anteriormente de potenciais compradores que estariam disponíveis a dar valores muito superiores. Não consigo perceber. Essa história há de um dia ser contada. Não conheço os detalhes da negociação. O Sérgio Monteiro, que andou nas negociações, é que pode justificar. Aliás, ele é que devia ser chamado a justificar porque teve o processo nas mãos e também ganhou bom dinheiro para isso. Não percebo porque é que primeiro se prolongou tanto a venda, com uma deterioração tão grande do valor do banco, depois apareceram vários candidatos é selecionado um e as condições que são dadas a este já não são as mesmas que aquelas que foram anunciadas ao conjunto daqueles que se candidataram.
Em relação à CGD ficou surpreendido com os resultados da auditoria?
Não estava à espera. Admito que as pessoas tenham algum pudor e tentem fazer uma gestão de informação, mas com limites, porque a partir de determinados limites começa-se a trilhar campos que já são inadmissíveis. Não consigo perceber como é que há tantos casos e tão volumosos onde aparentemente não foram cumpridas as regras de boa gestão bancária.
E depois ninguém é responsável…
Parece que ninguém assume coisa nenhuma. Inicialmente pensei que o problema da banca vinha mais do problema sistémico da economia. A economia a cair, as pessoas a não terem dinheiro para pagar, a entregarem as casas, as pequenas empresas e os pequenos empresários sem terem capacidade para venderem e para pagarem os compromissos financeiros que tinham, etc. Mas depois fiquei admirado com a dimensão daqueles poucos casos de grande dimensão.
A lista dos grandes devedores é relativamente pequena, mas o montante é muito elevado…
Exatamente, fiquei admirado. Posso não ter muito tempo para avaliar um pequeno projeto de uma papelaria que me pede um dinheirito, mas nesta lista estão grandes projetos ou grandes números onde deveria ter existido maior atenção.
Uma análise de risco mais rigorosa?
Exatamente. Muito rigorosa. É claro que os bancos também têm de entrar nas grandes operações, mas fiquei admirado como é que houve tantas operações, aparentemente, em incumprimento de regras e de boa prática de concessão de crédito.
Acha que a culpa, mais uma vez, vai morrer solteira?
Só conheço um preso neste momento. Um preso que foi bastante inábil com certeza (risos).
Porque o resto conseguiu passar pelos pingos da chuva…
É uma coisa extraordinária. Há as coimas do Banco de Portugal, que são pesadas, já foram aplicadas, não sei se já foram pagas, se calhar ainda estão em recurso. Ou seja, arrasta-se o problema mais para a frente. Não temos sido muito bons a calcular a execução rápida destes processos. Não sei, tem-se discutido muito isso, a questão dos megaprocessos etc, mas quando aquilo entra no processo judicial, começa-se a embrulhar, depois aparece a Operação Marquês, parece que está tudo ligado à Operação Marquês. A Operação Marquês qualquer dia é maior que o Marquês de Pombal (risos).
Foi membro da comissão fiscalizadora do Sporting. Que balanço faz?
Fui lá parar porque um dia recebi um telefonema do Henrique Monteiro. Perguntou-me se reunia as condições formais para ser membro da comissão de fiscalização: sócio há mais de 25 anos e quotas em dia – e desafiou-me para ser membro essa comissão de fiscalização. O Sporting estava a implodir e achava que já se tinha ultrapassado tudo o que eram limites e acabei por aceitar. No dia 13 de junho de 2018 anunciei na televisão que Bruno de Carvalho estava suspenso por decisão da comissão de fiscalização. Era feriado municipal, o anúncio foi feito à hora de almoço e aquilo foi assim uma notícia um bocado forte. Sempre disse que só faria parte de uma equipa que merecesse respeito e confiança e com a condição que ele também fizesse parte. Os outros três não conhecia assim tão bem, mas contávamos com um conjunto de cinco pessoas muito diferentes e acabámos por criar uma amizade muito forte.
Ficou surpreendido com o estado financeiro do Sporting?
Não, não me surpreendeu nada. Quando eu cheguei lá comecei a saber algumas coisinhas. Na prática estive lá de maio até ao dia a seguir às eleições no início de setembro, ou seja, três meses, não soube muitos detalhes, não tivemos que nos pronunciar sobre contas e naqueles três meses não houve contas. Mas tivemos que nos pronunciar sobre um orçamento que tinha sido feito por Bruno de Carvalho com pressupostos que, na altura, dissemos que estavam todos errados. Não era um orçamento que se apresentasse e estamos a falar do clube, porque a Comissão de Fiscalização era só sobre o clube, não era da SAD. Muita gente perguntava-me coisas da SAD e eu dizia ‘Eu não sei da SAD, não sou auditor da SAD, não tenho nada a ver com a SAD, portanto desculpem-me’. O do clube estava assente em pressupostos de que iria continuar a crescer. Era de loucos, estava tudo mal feito. Como é que iríamos dar um parecer positivo sobre isto? Demos portanto um parecer negativo e nem houve assembleia para votar aquele orçamento porque era ridículo. Então decidimos adiar e quando entrou a nova direção lá se fez um orçamento novo. Apercebi-me logo que o sistema de gestão do clube daria azo a tudo e mais alguma coisa: super centrado numa pessoa, era de loucos. Imagine o que é um clube ter todas as despesas, mas todas as despesas, assinadas pelo presidente? Está tudo dito. Se quisessem comprar uma lâmpada tinham que pedir autorização ao presidente. Isto é um clube? Isto é de loucos. Mas depois tinha saldos de tesouraria em cash elevadíssimos. Assim que soube disse percebi logo que tinha tudo para correr mal.
Sente-se agora mais tranquilo com o novo presidente?
Ah, sim. Muito mais. Pelo menos, parece-me uma pessoa mais normal. E depois há uma coisa que acho que é muito importante e o futebol tem essa característica: os clubes representam muito mais do que formalmente são. São sociedades cujo património, as receitas e os sócios são muito menores face ao tempo que ocupam nas discussões, nos meios de comunicação social, nos tempos de antena. Não é proporcional. Além disso, as culturas, os países também se ajudam a educar muito pelo exemplo e pela forma de estar. A gestão por litigância permanente, pelo conflito e pelo mau estar com os adversários é uma coisa que é má. As pessoas não devem viver assim. Estamos cá por um período de tempo e não é para estarmos em guerra constantemente. Faço guerra quando me obrigam porque se me atacam demasiado tenho que reagir. Mas fazer por princípio de vida, o litígio, o azedume, o mau estar, o ataque constante isto não é nada. As pessoas têm que perceber que uma coisa é um jogo e outra coisa é a gestão das instituições. O jogo é uma coisa e a gestão das instituições é outra. Mas ali estavam a gerir a empresa e a atividade como se estivessem no campo. Bruno Carvalho criava essa gestão de conflito e de ódio permanente a todos. Os jogadores começaram a sair em massa, nunca tinha visto isto, e escreviam cartas onde acusavam o presidente. Uma coisa inimaginável. E eu não vejo assim o desporto. O desporto é uma forma de entretenimento e não aceito que uma pessoa que por ter perdido um jogo chegue cá fora e esfaqueie outro ou mate alguém. O que é isto? Assim não há entretenimento nenhum. E mais, estes indivíduos, com estas agressividades, transformam aquilo que é uma festa num desastre. Acabam com o negócio. O negócio passa a ser apenas televisivo porque ninguém quer mais ir ver um jogo de futebol para não estar exposto a ataques. Que mundo é este? Isto é quase transformar as arenas dos romanos ao contrário. Os animais cá fora e os outros lá dentro. Aquilo é uma inversão total.
A antecipação das contas da NOS será a tábua de salvação para equilibrar mais as contas?
Sem dúvida. O Sporting estava com problemas sérios de tesouraria e precisava de cumprir prazos, aliás já estava com um problema com o Guimarães que ameaçava requerer a falência da sociedade. Acho que no fim disto tudo é um milagre o Sporting ainda existir formalmente. Este Sporting tal como nós temos. Podia criar-se outro Sporting. O clube estava a implodir: oito ou nove jogadores a saírem porta fora, o treinador também. Estava tudo a desmoronar-se, mas o que é inacreditável é que três meses depois o Sporting já estava outra vez a competir e fez uma temporada normal face às anteriores. E o Sporting não está lutar para o título agora por umas coisinhas leves. Porque o Sporting quase que se arriscava a estar a competir mesmo pelo título. Ganhou a taça de inverno, está na final da Taça de Portugal, coisa que nem o Benfica está. Há um ano estava tudo de pantanas e por isso acho que foi um percurso admirável.