Taki’h Antigoni Dhyandeepa. “Por detrás de cada experiência má, há uma lição para ser aprendida”

Taki’h Antigoni Dhyandeepa. “Por detrás de cada experiência má, há uma lição para ser aprendida”


A terapeuta e professora de tantra Taki’h Antigoni Dhyandeepa, que já foi diplomata da OMS, esteve recentemente em Portugal 


O nome Taki’h Antigoni Dhyandeepa dá poucas pistas sobre a naturalidade desta mulher e é compreensível que assim seja: Taki’h é o resultado de um caldeirão cultural. Filha de pai grego e mãe boliviana, nasceu na Virgínia, passou a infância na Grécia e formou-se nos EUA. Aos 12 anos, a mãe levou-a à Bolívia, onde percebeu que queria trabalhar na área do desenvolvimento que se focasse essencialmente no papel das mulheres. Já como diplomata da Organização Mundial da Saúde (OMS), é enviada para a Índia, onde as questões começam a ser mais que as respostas. Até aí, só lhe tinham falado dos impactos negativos da sexualidade, mas a nossa energia sexual pode ser usada também para curar. Isto descobriu Taki’h depois de parar, estudar – tantra e outros ramos – e ouvir o que tinha dentro de si. Afinal, diz, todos temos questões por resolver e muito por espreitar por detrás das máscaras. Hoje, aos 43 anos, a “tântrica” é considerada uma espécie de guia, mas continua a estudar e a aprofundar o conhecimento que tem de si própria. Viaja pelo mundo a ensinar o que aprendeu em workshops onde trabalha também com pessoas que passaram por experiências traumáticas, como violações. Por mais dolorosa que sempre a vivência, há sempre coisas a aprender com tudo o que nos acontece, defende. Taki’h esteve recentemente em Portugal para um fim de semana de workshops, mas a conversa decorreu por telefone. Tinha chegado a Helsínquia, onde reside atualmente, na véspera.

Onde nasceu? O que começou por estudar?

Nasci nos Estados Unidos, na Virgínia, perto de Washington D.C. A minha mãe e o meu pai já estavam a viver na Grécia nessa altura, mas acordaram que queriam que eu nascesse nos EUA por uma questão de oportunidades. Eles tinham–se conhecido nos EUA, quando eram os dois emigrantes lá – o meu pai tinha ido da Grécia, a minha mãe é da Bolívia. Portanto, fui só mesmo aos EUA para nascer, porque cresci na Grécia. Só aos sete anos é que fui morar para os EUA. Depois estudei lá e acabei por seguir Desenvolvimento Internacional com o foco em Estudos de Género. Estava principalmente interessada nos temas subordinados às mulheres e ao desenvolvimento na América Latina. Nos primeiros anos de licenciatura não é comum haver já um foco de estudo, quase uma especialização, por isso procurei um sítio onde o pudesse fazer. Sabia que era isto que queria desde que tinha 12 anos e fui à Bolívia.

Decidiu aos 12 anos o que queria fazer, com esse grau de especificidade?

Sim. (risos) Bem, claro que aos 12 anos não sabia exatamente como o faria, mas soube que o que queria seguir teria a ver com desenvolvimento, crescimento, tudo o que ajudasse as pessoas a ter uma vida melhor. E foi quando a minha mãe me levou à Bolívia pela primeira vez para conhecer esse lado da família – até aí, só conhecia o grego. Então levou-me a mim e ao meu irmão, e apaixonei-me pela cultura do local, mas também percebi imediatamente o elevado nível de pobreza, os problemas de saúde e a falta de acesso à educação, que atingiam particularmente as mulheres. Aos 16 candidatei-me à universidade, sabia exatamente o que queria fazer, e só havia uma que tinha esse programa. E candidatei-me.

Qual era a universidade?

American University, em Washington D.C., que é para onde vão os diplomatas. Depois fui durante dois anos para o Peru com uma bolsa completa de estudos. Consegui patrocínios para o meu projeto, que era sobre os impactos da violência doméstica na saúde reprodutiva na mulher. Por isso, aos 21 anos, depois de passar quatro anos a estudar estes temas, tinha as ferramentas para trabalhar nos assuntos que me tinham despertado interesse aos 12. Depois dos quatro anos, podemos fazer mestrado, um PHD (grosso modo, equivalente ao doutoramento em Portugal), é assim que funciona o sistema educativo nos EUA, e então resolvi fazer dois mestrados: um em Relações Internacionais, mais formal, e outro em Saúde Pública, particularmente focado em saúde sexual e reprodutiva – isto já em Nova Iorque, na Universidade Columbia, e como era em Nova Iorque tive acesso à sede das Nações Unidas. Comecei com um estágio lá; depois, no verão, fui para outro estágio nas Caraíbas, em Trindade e Tobago, em África, no Burundi e no Quénia; e depois de acabar os mestrados arranjei um trabalho na Organização Mundial da Saúde. 

Como diplomata?

Sim. Foi aí que fui enviada para a Índia, e primeiro fui para o chamado regional office. Não gostei, era muito burocrático, e consegui mudar para o country office na Índia, onde conseguia fazer mais trabalho de campo e estar mais próxima quer das populações, quer dos médicos e dos enfermeiros. Trabalhei aí durante quatro anos e nesse período descobri a meditação, descobri o desen-volvimento pessoal.
Diria que foi na Índia que o seu caminho começou a mudar, para a levar até ao que faz hoje em dia?
Sim. Se não tivesse ido para a Índia como diplomata, não sei se teria percebido isto, por isso a existência foi muito gentil para mim. Acredito no destino e nessas coisas, mas fico feliz por Deus ter querido que, se eu tinha de ir para a Índia, “vamos lá mandá-la como diplomata, que ela há de dar a volta e perceber o que está realmente destinada a fazer. (risos)

Como diplomata, nessa altura, já trabalhava principalmente com saúde sexual. Quais eram os casos que mais lhe passavam pelas mãos?

A Índia tem uma realidade muito específica porque há uma enorme população. O nosso trabalho na OMS centrava–se nas gravidezes e na escolha, se uma mulher queria efetivamente levar a gravidez a termo, e ainda no planeamento familiar. Outro ponto era o aborto, especialmente de bebés já muito desenvolvidos, porque havia muitas mulheres que não queriam ter mais meninas, só rapazes, era uma realidade ainda muito prevalente. Trabalhávamos ainda com muitos casos de noivas-crianças, o que gerava o problema de engravidarem muito cedo e ainda se situava na linha entre o consentimento e o que é uma violação. Havia muitas implicações culturais. Era muito interessante trabalhar o tema da saúde reprodutiva e sexual na Índia, em particular, porque é uma sociedade tão fechada onde as pessoas não falam de sexo e este está por todo o lado, claro. É um dos países mais densamente povoados do mundo, por isso, obviamente, as pessoas andam a fazer sexo. (risos)

Quando percebeu que queria seguir outra via – não sei se lhe hei de chamar professora ou terapeuta –, o que começou a fazer para chegar lá?

Bem, tinha um trabalho muito interessante nesta área de que gostava, mas a mudança mais interessante para mim foi que descobri no caminho do tantra e do desenvolvimento pessoal que a sexualidade e a energia sexual podem ser usadas como energia curativa – como curadores, vá. E isso era radicalmente diferente de tudo o que tinha estudado ou experienciado antes. Antes, só tinha lidado com os impactos negativos da sexualidade: gravidezes indesejadas, abortos, doenças sexualmente transmissíveis. Todas as coisas que eram erradas, más, mas que decorriam do sexo, era nisso que estávamos focados. E, com o tantra, a minha perspetiva sobre a sexualidade mudou totalmente. Comecei a pensar: “Espera lá, nós nunca falámos sobre prazer, nem sobre alegria, nem sobre processos de cura, nem sobre o lado sagrado da sexualidade”. E assim que tive um vislumbre desse conhecimento, porque percebia-o de perspetiva diferente, já que o tinha estudado e trabalhado durante tanto tempo, senti um tal impacto que percebi que isso faria parte da minha própria cura. No início, nunca pensei que ia ensinar ou partilhar estes conhecimentos com outras pessoas, só queria aprofundá-lo pessoalmente, fazer essa mudança dentro de mim.

Também precisava de sarar, então?

Absolutamente. Deixei as Nações Unidas e durante os quatro anos seguintes não trabalhei de todo, vivi das minhas poupanças, principalmente na Índia, embora também tenha viajado pela Europa para frequentar alguns workshops. Foquei-me na minha própria cura e isso, para mim, é o mais importante relativamente a alguém que anda por aí a partilhar, a ser professor ou guia, qualquer que seja o título que lhe queiras dar: tens de passar tu primeiro pelo teu próprio processo de cura e fechar as feridas, as sombras, os limbos, o que for. Quando estou a apoiar outras pessoas, não lhes dou respostas nem lhes falo do que li ou ouvi, mas do que vivi.

E o que viveu? O que fez nesses quatro anos para encontrar o lugar onde habita agora e que a faz sentir legitimidade para ajudar os outros?

Esses quatro anos foram dedicados exclusivamente à minha “cura” – e, passados 13 anos, ainda estou nesse caminho. Às vezes vou a workshops como participante. É importante ir mais fundo, e acredito que, se deixar de o fazer ou achar que encontrei a luz… (risos) Bem, considero essa aprendizagem constante parte da minha vida. Serei sempre uma estudante da vida e descobrirei sempre alguma coisa nova dentro de mim mesma. Para mim, a sexualidade foi uma das grandes partes do meu processo de cura, e para tal fiz muito trabalho de tantra, neotantra. Curar feridas da infância foi outro dos grandes desafios – coisas que ficam da relação com a mãe e o pai. 

Quase toda a gente tem esse tipo de questões dentro de si?

Sim, para mim, toda a gente tem questões por resolver com os pais e com a sua sexualidade. Relativamente às minhas questões de infância, tive primeiro um terapeuta de “análise de transações” e, devagarinho, comecei a treinar. Ela treinou-me para ser, de certa forma, também uma terapeuta, e esse treino está na base de tudo o que faço, é uma pedra–de-toque. 

O que significa ser ‘tântrica’?

Para mim é um compromisso de aceitar que, para lá da minha condição e dos véus de ilusão, consigo encontrar conexão e unidade dentro de mim própria, com os outros e com Deus.

Esteve recente em Lisboa para dar workshops. O que podem as pessoas encontrar nesses workshops?

A minha aproximação ao trabalho interior é a de removermos o que temos dentro de nós mas que autenticamente não somos nós, ou seja, quaisquer que sejam as máscaras, condicionantes ou feridas que carregamos. Essas coisas não fazem parte de nós, e se as removermos conseguimos ter acesso ao nosso verdadeiro eu, à nossa essência – à nossa alma, se quisermos dizer assim, ou ao nosso coração. Para a maioria das pessoas é mais fácil encontrarem a conexão dito assim. Basicamente, é isso – às vezes trabalhamos em sessões só para mulheres, que abordam a feminilidade, outras vezes em sessões de casais, outras com grupos mistos. Há muitos tipos diferentes de aproximação mas, no final, todas têm a ver com a mesma coisa: quem és tu realmente. Isto também significa ter liberdade, termos o uso pleno de nós próprios, não aquela versão aceitável e funcional com que vamos vivendo. E conhecermos a nossa verdade: o que é verdadeiro para mim em oposição ao que fomos ensinados a acreditar. No meu caso, eu adorava o meu trabalho nas Nações Unidas, mas tinha tantas questões a oprimir-me: quem sou? Qual é o meu propósito neste mundo? Porque estou aqui? E quando isso se tornou mais forte do que o dinheiro ou qualquer posição diplomática a que pudesse almejar, não consegui fazer mais nada com o meu tempo que procurar respostas. E é isso que partilho. As pessoas que vêm trabalhar comigo não devem esperar experiências transcendentes de alegria, mas sim de onde vem tudo quando tiramos as máscaras. Para mim é importante guiar as pessoas para a sua verdadeira autenticidade para, a partir daí, elas poderem ligar-se a outros com verdade. Mas claro que daí vem um incrível amontoado de prazer e alegria e uma vontade de viver a vida plenamente. E depois podemos aplicar isso na vida de todos os dias, no nosso trabalho, com os nossos filhos.

Para algumas pessoas há muita dor nesse processo de escavação dentro de si próprias, por isso preferem não olhar. Sente isso nos seus workshops? 

Absolutamente. Se esses momentos maus e energias ficarem congelados no tempo, as pessoas vão sempre carregá-las. Têm de ser vividos, e não recalcados, para depois serem extraídos. Se não pensarmos neles de uma forma consciente, só estamos a traumatizar-nos a nós próprios. Mas quando abraçamos a compaixão por nós próprios, quando aceitamos o que nos aconteceu e revivemos isso por nossa escolha, com consciência, isto é fulcral, é o caminho para nos libertarmos. Mas temos de escolher, com o nosso livre-arbítrio, fazer esse caminho, independentemente da dor que possa causar-nos reviver na nossa cabeça certas experiências, sejam elas quais forem. Podemos aprender com a dor: por detrás de cada dor, de cada experiência má, há uma lição para ser aprendida. Mas não as aprendemos; por isso, Deus, ou como quiseres chamar-lhe, continua a lembrar-nos que temos algo a aprender. Só que, se não tivermos as ferramentas, não vamos aprender e a dor só continua a crescer. Claro que é muito difícil. Por exemplo, pessoas que foram vítimas de abuso sexual ou violadas: reviver isso de forma consciente e tentar perceber “o que tenho eu para aprender aqui” é difícil. Mas por mais horrível que seja a experiência de cada um – o pai ter abandonado a casa, traumas sexuais, por aí fora –, essas situações não só são reais como devemos aprender.

Nesses casos traumáticos que referiu é preciso uma coragem imensa.

Sim. É preciso as pessoas entrarem nesses sítios escuros com uma lanterna, e essa lanterna é feita de amor, aceitação, consciência, presença, e com a intenção plena no coração de que se sabe que vamos sair crescidos da experiência. Que, quando sairmos, já não seremos as vítimas, que não desperdiçaremos mais o nosso poder. E isso dá força.

Da sua experiência, sente que as pessoas precisam desse mergulho dentro de si mesmas para, por exemplo, começarem a ter relações estáveis e saudáveis? As pessoas que vão ao seu workshop dão-lhe esse tipo de feedback?

Absolutamente. Costumo dizer que, se as suas vidas não mudarem para melhor depois disto, devolvo o dinheiro. (risos) Não estou interessada em que as pessoas vão lá ter uma experiência momentânea ou alívio temporário. Honestamente, isto muda a vida de alguém. Obviamente que não estou a dizer que uma pessoa vem a um workshop e fica curada, mas sim que fica algo dentro dessa pessoa que a faz fazer um scan à sua vida e a quem é de verdade. Quando vivemos mais com a nossa verdade, ao invés daquela que outras pessoas pensam que devemos viver, claro que seremos mais felizes.

Podemos dizer então que os workshops são o primeiro quilómetro do caminho?

São desenhados para se ajustar tanto a quem está apenas a começar e procura, de uma forma honesta, uma mudança na sua vida, mas também a alguém que já trabalha estas questões há uma década e simplesmente quer ir mais fundo. Por isso, acredito que qualquer pessoa que venha – desde que a sua verdadeira intenção seja fazer uma mudança na sua vida para melhor – consegue retirar alguma coisa.