Uma questão de ética


É verdade que Portugal é um país pequeno. Mas sermos todos “primos e primas” só fica bem na velhinha canção A Minha Aldeia.


“Na minha aldeia/ não há ódios, mas estimas/ tem-se amor pela vida alheia/ todos são primos e primas.”
                                                                                                                                                           
Silva Tavares

 

Na passada quarta-feira demitiu-se o adjunto do secretário de Estado do Ambiente pelo facto de ter sido conhecida a sua ligação familiar ao membro do governo: era seu primo.

Repare-se que a demissão não se deve, ao que tudo indica, a mais nenhuma causa senão esta: o laço familiar ter sido noticiado pelo jornal Observador. 

Portanto, aquilo que, segundo o primeiro-ministro, não passa de algumas coincidências sem importância e que, concluímos nós, não preocupam nem causam qualquer mossa no governo, acaba por motivar a demissão de um adjunto do gabinete de um secretário de Estado. 

Estranho, no mínimo. 

A verdade é que estas “coincidências” já não podem continuar a ser ignoradas. 

Num recente debate televisivo, o advogado Ricardo Sá Fernandes lembrou que nunca nos governos da democracia, da ditadura, da i República ou da monarquia constitucional se sentaram, lado a lado, marido e mulher ou pais e filhos. 

António Costa ficará na história política portuguesa por ter conseguido algo que se considerava impossível: congregar as esquerdas para viabilizar um governo.

Mas também não deixará de ser recordado por ter chefiado um governo com um verdadeiro recorde de laços familiares.

É verdade que Portugal é um país pequeno, muitas vezes comparado a uma aldeia. Mas sermos todos “primos e primas” só fica bem na velhinha canção A minha aldeia, com letra de Silva Tavares e música do maestro Belo Marques, composta em 1938 para a revista Rosmaninho, interpretada por Maria Helena Matos, filha da grande atriz Maria Matos. 

A pergunta que muitos fazem, para tornear a questão, é esta: será isto ilegal? 

E a resposta é: não!

Está em causa a competência de alguns dos visados? Também não!

Mas, mais uma vez, é de ética e de transparência que falamos – em resumo, algumas das caraterísticas essenciais que separam a verdadeira democracia de outros regimes. 

 Como nos lembra Fernando Savater, um dos maiores pensadores espanhóis da atualidade: 

 “A ética não pode ficar à espera da política”.

 

Jornalista