Anita vai a Bruxelas


O governo quer ir além das metas de Bruxelas, por isso prefere ter mil milhões de folga orçamental a investir no reconhecimento das carreiras ou a reforçar o SNS. Felizmente, a Anita não precisou de uma consulta.


É impossível viver na obsessão com a redução do défice e garantir o investimento público necessário aos serviços públicos. O Partido Socialista sabe isso, pelo menos a avaliar pela afirmação recente de António Costa de que “o euro foi maior bónus que a Europa deu à Alemanha” e pela rejeição do Tratado Orçamental votada pelos eurodeputados do PS no Parlamento Europeu.

Em relação à Europa, António Costa proclama a vontade de reforma do euro, mas, em Portugal, o governo vai além das metas. O Partido Socialista anda a patinar entre o discurso crítico e o cumprimento absurdo das regras orçamentais europeias. É justo perguntar então qual das versões é para levar a sério. E é legítimo antecipar a resposta.

Ela é-nos dada por Mário Centeno, um crente na disciplina orçamental europeia. Se dúvidas houvesse, teriam sido todas dissipadas pela entrevista que deu ao Público. Como eurogrupista convicto, Centeno não tem pudores em afirmar que não há alternativa ao cumprimento das metas orçamentais europeias e deixa claro que a prioridade do país é o défice zero.

Deixemos de lado as ilusões de grandeza do CR7 do eurogrupo, não deixa de ser a mesma opção de subserviência a Bruxelas partilhada com a direita. Prova disso é a dificuldade de Rui Rio em opôr-se à estratégia de consolidação orçamental do governo, entalado entre as acusações simultâneas de despesismo e austeridade. O PSD bem tenta gritar que a redução do défice deveria ser muito mais acelerada, o problema é que esbarra na percepção popular – legítima e factual – de que é preciso mais investimento público.

Mário Centeno não ignora esse paradoxo, mas quer esconder a mão da sua opção política. É por essa razão que desvaloriza os acordos com os partidos à sua esquerda, como se não tivesse sido obrigado a recuar no programa liberal e a devolver rendimentos. E é por isso que prefere tomar-nos por tontos com a gracinha do “isto não é o Anita vai às compras”. Há muitas maneiras de ganhar um debate sem se ter razão, e uma delas é infantilizar o discurso para criar simpatia por um argumento que de outra forma seria apenas falso. É digno de Schopenhauer mas não serve o debate sobre o país.

Mesmo passando ao lado da manobra manhosa de culpar o Parlamento pela falta de investimento, como se o principal problema fosse o teto de despesa aprovado e não a mão pesada do Ministro na hora de enfiar os pedidos na gaveta. O que é mais espantoso é que o ministro das finanças quer fazer-nos acreditar que se há falta de investimento público é porque os concursos são demorados e às vezes ficam desertos.

Qualquer aluno da Secundária Camões consegue explicar a Centeno que se o concurso para reabilitação da sua escola tivesse sido lançado no início da legislatura em vez de no final, o dinheiro previsto para a obra não teria andado 4 anos a ser apresentado em Bruxelas como “consolidação orçamental”. Nem vale a pena entrar na lista de aquisições, investimentos, contratações e valorização dos profissionais para as quais só faltou vontade política. O problema não é a existência de “travões e aceleradores orçamentais”, como diz Centeno, mas a opção política de quem manda nos pedais.

Neste caso, quem manda é um governo que quer ir além das metas de Bruxelas. Por isso prefere ter mil milhões de folga orçamental a investir no reconhecimento da carreira de professores, enfermeiros ou polícias, a contratar funcionários para as escolas ou a reforçar o Serviço Nacional de Saúde. Felizmente a Anita não precisou de uma consulta.

Mas se há tantas necessidades no país e se tinha mil milhões na carteira, torna-se irresistível perguntar – por que razão não foi Anita às compras? A resposta, a la Centeno, é fácil – porque estava em Bruxelas a mostrar um défice de 0,5% ao qual nos querem amarrados como o Pantufa, por uma trela”.

Nas interpretações mais benévolas, o cumprimento das metas poderia custar ao país, mas seria um instrumento de credibilidade para mudar as regras a partir de Bruxelas. Por ridículo que seja, há quem acredite que atingir o défice zero é um caminho para acabar com a obrigação do défice zero. No entanto, com a legislatura a chegar ao fim, a Europa continua igual e já não dá para procurar ingenuidade na escolha do PS. Torna-se claro que a  contenção orçamental se transformou apenas num fim em si mesmo, para alegria de Mário Centeno e de muito poucos.

Deputada do Bloco de Esquerda

 

 

 

 

 

 

 

 


Anita vai a Bruxelas


O governo quer ir além das metas de Bruxelas, por isso prefere ter mil milhões de folga orçamental a investir no reconhecimento das carreiras ou a reforçar o SNS. Felizmente, a Anita não precisou de uma consulta.


É impossível viver na obsessão com a redução do défice e garantir o investimento público necessário aos serviços públicos. O Partido Socialista sabe isso, pelo menos a avaliar pela afirmação recente de António Costa de que “o euro foi maior bónus que a Europa deu à Alemanha” e pela rejeição do Tratado Orçamental votada pelos eurodeputados do PS no Parlamento Europeu.

Em relação à Europa, António Costa proclama a vontade de reforma do euro, mas, em Portugal, o governo vai além das metas. O Partido Socialista anda a patinar entre o discurso crítico e o cumprimento absurdo das regras orçamentais europeias. É justo perguntar então qual das versões é para levar a sério. E é legítimo antecipar a resposta.

Ela é-nos dada por Mário Centeno, um crente na disciplina orçamental europeia. Se dúvidas houvesse, teriam sido todas dissipadas pela entrevista que deu ao Público. Como eurogrupista convicto, Centeno não tem pudores em afirmar que não há alternativa ao cumprimento das metas orçamentais europeias e deixa claro que a prioridade do país é o défice zero.

Deixemos de lado as ilusões de grandeza do CR7 do eurogrupo, não deixa de ser a mesma opção de subserviência a Bruxelas partilhada com a direita. Prova disso é a dificuldade de Rui Rio em opôr-se à estratégia de consolidação orçamental do governo, entalado entre as acusações simultâneas de despesismo e austeridade. O PSD bem tenta gritar que a redução do défice deveria ser muito mais acelerada, o problema é que esbarra na percepção popular – legítima e factual – de que é preciso mais investimento público.

Mário Centeno não ignora esse paradoxo, mas quer esconder a mão da sua opção política. É por essa razão que desvaloriza os acordos com os partidos à sua esquerda, como se não tivesse sido obrigado a recuar no programa liberal e a devolver rendimentos. E é por isso que prefere tomar-nos por tontos com a gracinha do “isto não é o Anita vai às compras”. Há muitas maneiras de ganhar um debate sem se ter razão, e uma delas é infantilizar o discurso para criar simpatia por um argumento que de outra forma seria apenas falso. É digno de Schopenhauer mas não serve o debate sobre o país.

Mesmo passando ao lado da manobra manhosa de culpar o Parlamento pela falta de investimento, como se o principal problema fosse o teto de despesa aprovado e não a mão pesada do Ministro na hora de enfiar os pedidos na gaveta. O que é mais espantoso é que o ministro das finanças quer fazer-nos acreditar que se há falta de investimento público é porque os concursos são demorados e às vezes ficam desertos.

Qualquer aluno da Secundária Camões consegue explicar a Centeno que se o concurso para reabilitação da sua escola tivesse sido lançado no início da legislatura em vez de no final, o dinheiro previsto para a obra não teria andado 4 anos a ser apresentado em Bruxelas como “consolidação orçamental”. Nem vale a pena entrar na lista de aquisições, investimentos, contratações e valorização dos profissionais para as quais só faltou vontade política. O problema não é a existência de “travões e aceleradores orçamentais”, como diz Centeno, mas a opção política de quem manda nos pedais.

Neste caso, quem manda é um governo que quer ir além das metas de Bruxelas. Por isso prefere ter mil milhões de folga orçamental a investir no reconhecimento da carreira de professores, enfermeiros ou polícias, a contratar funcionários para as escolas ou a reforçar o Serviço Nacional de Saúde. Felizmente a Anita não precisou de uma consulta.

Mas se há tantas necessidades no país e se tinha mil milhões na carteira, torna-se irresistível perguntar – por que razão não foi Anita às compras? A resposta, a la Centeno, é fácil – porque estava em Bruxelas a mostrar um défice de 0,5% ao qual nos querem amarrados como o Pantufa, por uma trela”.

Nas interpretações mais benévolas, o cumprimento das metas poderia custar ao país, mas seria um instrumento de credibilidade para mudar as regras a partir de Bruxelas. Por ridículo que seja, há quem acredite que atingir o défice zero é um caminho para acabar com a obrigação do défice zero. No entanto, com a legislatura a chegar ao fim, a Europa continua igual e já não dá para procurar ingenuidade na escolha do PS. Torna-se claro que a  contenção orçamental se transformou apenas num fim em si mesmo, para alegria de Mário Centeno e de muito poucos.

Deputada do Bloco de Esquerda