Poder, dinheiro e família


Será bom que a velha trilogia salazarista “Deus, Pátria e Família” não seja substituída por uma outra: “Poder, Dinheiro e Família”.


Em 1938, já lá vão 80 anos, o Secretariado de Propaganda Nacional editou uma série de sete cartazes que coincidiam com dez anos de Salazar no poder (quatro nas Finanças e seis na chefia do Governo), com o título geral de “As lições de Salazar”.

Os cartazes, que glorificavam a obra do ditador nas várias áreas da sociedade, foram distribuídos para serem afixados em todas as escolas do país.

Um desses cartazes glorificava a família, um dos pilares da trilogia “Deus, Pátria e Família”, que marcou a ideologia do Estado Novo.

Passaram, como vimos, 80 anos. Portugal vive hoje em democracia.

E o que sobrou dessa “trilogia da Educação Nacional”, que marcou a vida portuguesa ao longo do século passado?

Deus não é hoje, certamente, uma imposição. A sua existência ou a sua negação constituem opções livres e íntimas. O clima religioso em Portugal é de grande tolerância, o que só nos dignifica.

A Pátria é hoje um tema delicado, que tende a ser rapidamente confundido com nacionalismo extremista, quando o que ela deve simbolizar é um saudável orgulho e, sobretudo, uma sã afetividade, um genuíno sentimento de pertença.

E a Família?

Quando muitos vaticinavam o fim desta instituição, pelo menos nos seus moldes tradicionais, eis que ela ressurge mais vigorosa, com um conceito mais alargado.

A Família reinventou-se.

Vem isto a propósito do assunto da atualidade: o excesso de laços familiares no Governo e áreas circundantes.

Será legítimo sentar no conselho de ministros, casais, pais e filhos?

Será ético nomear para assessorias governamentais familiares diretos de membros desse mesmo Governo?

Na verdade, não sendo caso virgem, é, sem dúvida, um caso de estudo, tendo em conta a sua quantidade.

As justificações que têm sido apresentadas são, nalguns casos, caricatas. E quando se passa ao ataque, justificando a existência de laços familiares em cargos políticos noutros partidos, então atinge-se o grau da insensatez absoluta.

Nada disto contribui para o fortalecimento da democracia, para a transparência do exercício dos cargos públicos e, sobretudo, para que seja a meritocracia a prevalecer, contra o nepotismo e a mediocridade.

Será bom que a velha trilogia salazarista “Deus, Pátria e Família” não seja substituída por uma outra: “Poder, Dinheiro e Família”.

 

Jornalista