A marcar passes, os riscos de um bom impulso


A desproporção de meios financeiros disponibilizados para a concretização dos passes municipais e metropolitanos em Lisboa, quando confrontados com outros territórios, gera uma perceção de injustiça.


A mobilidade é uma questão central da vivência das comunidades e da sua relação com os territórios. É a mobilidade que sublinha a inadequação de muitos dos modelos de organização do Estado e dos serviços, compartimentados em espaços que já não fazem nenhum sentido em função das realidades e das dinâmicas. Continuamos apegados ao espaço quando a referência das pessoas, das empresas e de muitos dos intervenientes nas dinâmicas comunitárias é a do tempo. Tendo meios de mobilidade, ninguém pergunta quantos quilómetros são, mas quanto tempo se demora a percorrer um determinado trajeto.

A criação de um passe metropolitano, a redução dos valores dos passes individuais ou de família e a afirmação de uma lógica integrada dos transportes são um impulso positivo, mesmo em período pré-eleitoral. É positivo, mas tem riscos.

Desde logo, o risco de ampliar uma procura sem capacidade de resposta no atual quadro de transportes públicos existente. Não há dia em que o Metropolitano de Lisboa não tenha problemas de circulação, não há dia em que a Carris não seja confrontada com bloqueios no fluxo do trânsito. Este risco de a casa ser construída pelo telhado, depois de muitos anos de desinvestimento nos transportes públicos, pode levar a que exista desilusão em relação à capacidade de acolhimento dos novos utentes pelos recursos existentes. Este é um risco individual.

Mas existem riscos nacionais. A desproporção de meios financeiros disponibilizados para a concretização dos passes municipais e metropolitanos em Lisboa, quando confrontados com outros territórios, gera um quadro de desagregação e de perceção de injustiça a que importa estar atento. Não se pode ter um discurso de valorização do território do interior e não ter uma ação que introduza progressivamente correções. Sem impulso de correção nacional que se some ao esforço das autarquias locais, nunca haverá a geração espontânea de alterações do atual quadro de desertificação, despovoamento e insuficiente atratividade para a fixação de população. Os passes geram um sentimento de injustiça, mais um, que alimenta a perceção de anos e abre a porta aos oportunismos e populismos políticos. Rui Rio nem hesitou.

Os passes sublinham que é possível decidir de acordo com uma visão global e integrada em relação às respostas para as pessoas e para os territórios, suscitando de imediato a perplexidade de questionarmos, se é assim com a mobilidade, porque não se consegue que seja similar em áreas relevantes para a vida das pessoas? É certo que, no essencial, esta é uma solução em que nenhuma das partes teve de abdicar de nada, mas o caminho de um futuro sustentável, com recursos limitados e crescentes questões a exigirem resposta, levará ou à inação até ao limite da rutura ou à ação integrada e em rede, numa lógica de partilha em que o tempo de acesso se sobrepõe ao espaço e aos egos.

Há ainda o designado risco de eleitoralismo, até porque os passes Navegante-família só estarão disponíveis a partir de 1 de julho de 2019. É esquisito que, 45 anos depois da implantação da democracia em Portugal, persista uma deriva de menorização das capacidades cognitivas dos eleitores quando, em diversos momentos eleitorais – em especial, ao nível local –, já demonstraram fazer muito bem as destrinças entre órgãos autárquicos, modelando o seu voto em função dos protagonistas, das propostas e dos cargos. Também aqui há um desfasamento entre as dinâmicas sociais e os modelos de organização do Estado, dos serviços e dos acontecimentos, ou as democracias que têm campanha eleitoral até ao dia da eleição são democracias menos. O problema é que os modelos estão esgotados, mas não foram encontradas novas formas de organização e isso aplica-se também ao funcionamento de anacronismos como a Comissão Nacional de Eleições ou à forma como os partidos políticos organizam as suas campanhas eleitorais. Cada vez mais transformadas em onerosas operações logísticas sem os pretendidos resultados de mobilização dos apaniguados e de sintonização dos cidadãos com a proposta política.

É preciso novos passes e novos passos, sustentáveis de preferência, para que não reincidamos na lógica do ioiô: ora tem, ora não tem porque não há dinheiro.

 

NOTAS FINAIS

APEADEIRO São muitas as paragens da semana: de solidariedade com o povo moçambicano, confrontado com os impactos devastadores do ciclone Idai, de incredulidade com o processo do Brexit e de vómito pela programação televisiva e pelo diz-que-é-uma-espécie-de-jornalismo.

 

ESTAÇÃO A Feira do Porco Alentejano decorre em Ourique, de 22 a 24 de março. É uma fantástica montra de afirmação de um mundo rural resiliente, positivo e com sentido de futuro. Pensar que há uma década estava no limiar da decadência e que agora se afirma como marca de identidade e pilar da economia local. Vale bem a pena uma ida a Ourique.

 

PASSAGEM DE LINHA De vez em quando, os média efabulam com personagens políticos, alimentam-nos e são confrontados com realidades que também os caracterizam. O caso de Adolfo Mesquita Nunes é só o único depósito vazio dos média. Endeusaram; agora que vai para administrador da Galp, apesar de manter a coordenação do programa eleitoral do CDS, cai em desgraça. Tanta estampa para isto.

 

Escreve à quinta-feira