Drones nas prisões. “Eram telemóveis, e se têm a ousadia de meter uma arma na cadeia?”

Drones nas prisões. “Eram telemóveis, e se têm a ousadia de meter uma arma na cadeia?”


Jorges Alves, do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, diz que o uso de drones para contrabando nas prisões é um fenómeno que já não suscita apenas preocupação, mas medo. Serviços Prisionais falam de situações “residuais”


Eram 2h25 da madrugada da última terça-feira quando foi detetada a invasão da prisão de Custóias. O drone sobrevoou o Estabelecimento Prisional do Porto e deixou cair no pátio da Ala A um pacote com três telemóveis, um carregador e uma bateria, de imediato recolhidos pelos guardas prisionais. 

Eram três Samsung topo de gama de grandes dimensões e dos mais caros no mercado, apurou o i, junto com a bateria e carregador, tudo a estrear, num embrulho engenhoso colocado dentro de um saco de plástico escuro. Um pacote de leite foi recortado para acomodar os aparelhos, envolvidos em espuma e atados com cordel, tudo preparado para amortecer o efeito do lançamento da encomenda para o interior da prisão.

Há alguns anos que o contrabando com drones nas prisões tem feito soar os alarmes a nível internacional, mas este é  apenas segundo caso confirmado  de uma tentativa de entrega de uma “encomenda” nas cadeias nacionais. O primeiro tinha sido detetado há menos de um mês, em fevereiro, na prisão de Alcoentre, também um pacote com uma bateria. Para Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional do Corpo de Guarda Prisional, o facto de haver apenas estes dois casos confirmados no sistema prisional português não significa que não tenham ocorrido outros, pelo menos é essa a convicção dos elementos que trabalham nas prisões. “Foram detetados estes casos mas outras situações foram igualmente registadas, nunca se soube é se foi deixada alguma coisa no interior das cadeias.”

E se há uns anos as notícias que davam conta do uso crescente de drones para contrabando de telemóveis e droga para o interior das prisões mereciam alertas do sindicato, Jorge Alves é perentório: “Na altura era algo que nos preocupava muito, agora passou da preocupação para o medo.”

Sem meios para cumprir o regulamento Questionado sobre o caso desta semana e as medidas que estão a ser tomadas, a Direção Geral dos Serviços Prisionais remeteu para os protocolos de atuação implementados em 2016 na sequência do regulamento que aprovou as condições de operação aplicáveis à utilização do espaço aéreo pelos sistemas de aeronaves civis pilotadas remotamente (drones). O regulamento proibiu este tipo de aparelhos de sobrevoarem um conjunto de instalações, incluindo os estabelecimentos prisionais e centros educativos da Direção -Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, “exceto quando devidamente autorizadas pelas entidades representativas desses órgãos e sem prejuízo do cumprimento do disposto no presente regulamento”. 

Com este pressuposto, foi emitida uma circular às prisões que autoriza a abater os aparelhos com balas de borracha. Jorge Alves reconhece que os procedimentos existem, mas faltam meios para que possam ter eficácia. “Diz que primeiro temos de fazer um sinal sonoro, depois tentar encontrar o operador e depois disparar. Mas as torres não têm sequer aparelhos para fazer sinais sonoros, não há megafones. Pior, não há guardas para as torres. O Estabelecimento Prisional do Porto não pode fazer sinal sonoro nem disparar para o aparelho se não tiver guardas noturnos”, sublinha o dirigente sindical. A nível nacional, diz Jorge Alves, estima-se que faltem 600 guardas nas prisões. Na cadeia de Custoias, os turnos têm em média durante a noite 15 guardas para 1200 reclusos mas há situações em que chegam a estar cinco, denuncia, considerando que este é mais um efeito da mudança do horário laboral nas prisões esta legislatura, que passou para turnos de oito horas.

Zona de interdição alargada O i tentou perceber junto do Ministério da Justiça e dos serviços prisionais se estão a ser equacionadas novas medidas, mas não foram avançadas novidades. A Direção Geral dos Serviços Prisionais informou que “as situações de sobrevoo de estabelecimentos prisionais são residuais e que, só em duas situações, os drones deixaram cair objetos nos pátios de dois estabelecimentos prisionais distintos. Situações estas que foram detetadas em tempo real e das quais resultou a deteção e apreensão de telemóveis e de carregadores”. 

Os factos desta semana foram “comunicados às autoridades competentes e puseram-se em prática orientações sobre os procedimentos de segurança a seguir em casos de avistamento e deteção de drones”. Em ambos os casos, não chegaram a ser apreendidos os drones e até ao momento os serviços prisionais só o fizeram uma vez, no que terá sido uma invasão inofensiva. Estava a ser operado por uma criança e caiu no interior de uma cadeia. 

Neste momento, a faixa de exclusão de voos de drones cobre 50 metros para além dos limites dos terrenos dos estabelecimentos prisionais. Uma proposta de lei do governo que pretende reforçar o controlo dos drones no espaço aéreo nacional prevê o alargamento da interdição de voo para 100 metros. A proposta baixou à Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas e em fevereiro foi aprovado um período de 60 dias sem votação para novas audiências, prazo  que terminará em meados de abril. 

Para Jorge Alves, mais do que interdições do espaço aéreo, é necessário avançar com inibidores de sinais nas prisões e reforço do pessoal. “O sindicato em 2010 arranjou uma empresa que colocava uma antena na cadeia de Custóias em período experimental por seis meses e na altura a direção-geral não quis. Por causa dos telemóveis, compraram-se aparelhos para detetar a emissão de sinal mas não para o bloquear. Com um telemóvel, um preso através do GPS encontra as coordenadas daquele espaço e pode dar instruções para o drone ir ao local entregar o que quiser. Se não houver guardas na periferia, o drone entra e sai sem ninguém dar por isso”, alerta. “Por acaso foram telemóveis, e se têm a ousadia de meter uma arma na cadeia? Será que a direção-geral e o ministério só vão fazer alguma coisa se houver um dano grave?”, questiona, receando que os casos continuem. “Temos cada vez mais pessoas a usar drones sobre as cadeias, andaram a testar a reação do sistema. Sabendo que não estão lá guardas, agora utilizam-nos.”

*Com Joaquim Gomes