Sílvia Nunes. “Os enfermeiros têm de ser reconhecidos, seja em que parte do mundo for”

Sílvia Nunes. “Os enfermeiros têm de ser reconhecidos, seja em que parte do mundo for”


Chegou a Inglaterra praticamente sem saber falar inglês e começou por trabalhar em limpezas, sem desistir do sonho de enfermagem. Aos 33 anos, a portuguesa natural de Vila do Conde foi eleita a melhor enfermeira do Reino Unido nos Great British Care Awards e acredita que só a existência do prémio é uma forma de…


“A Sílvia representa o melhor que há de enfermagem num ambiente de cuidados residenciais. É inovadora, criativa, apaixonada e dá sempre uma milha extra pelos residentes, pelas famílias e pela sua equipa. Dá às pessoas o valor e a dignidade que merecem. Esforça-se para promover a enfermagem de elevada qualidade dentro da sua equipa e é um excelente modelo”.

Foi desta forma que a organização dos Great British Care Awards, um prémio promovido pela rede de cuidados independentes Care England, distinguiu no último sábado a enfermeira portuguesa Sílvia Nunes com o “The Good Nurse Award”. Quando saiu de Portugal em 2014, estava longe de imaginar que seria notícia, contou ontem ao i a enfermeira de 33 anos, natural de Vila do Conde. Aterrou em Inglaterra recém-licenciada, praticamente sem saber falar inglês e começou por trabalhar em limpezas, até conseguir trabalho como auxiliar numa rede de lares. A autorização para exercer enfermagem no Reino Unido chegou passados dez meses e no espaço de pouco mais de um ano chegou a gerente adjunta de um lar em Thetford, no distrito de Breckland, duas horas a nordeste de Londres.

É lá que trabalha e foram os colegas e patrões que a nomearam para o prémio, diz Sílvia, que em 2018 já tinha sido distinguida com o título de “melhor enfermeira” do leste de Inglaterra nos prémios regionais do mesmo galardão. Desta vez, só percebeu que tinham voltado a nomeá-la quando chegou a finalista. “Tenho recebido palavras simpáticas e os meus colegas dizem na brincadeira que trabalham com a melhor enfermeira de Inglaterra.”

Agora parece fácil mas não foi. “O que me trouxe para Inglaterra foi o facto de não ter encontrado trabalho em Portugal. Tinha um apoio domiciliário em part-time mas nunca consegui exercer a minha profissão de enfermagem em lado nenhum”, lembra Sílvia.

Enviou currículos para unidades de cuidados continuados e hospitais de todo o país mas nunca a chamaram. “Uns era porque era recém-licenciada, outros nunca soube porquê porque nunca me contactaram de volta.” Como a família do marido vivia em Inglaterra há alguns anos, começou a pensar na hipótese de se mudarem. “Foi na altura que Passos Coelho disse para a gente emigrar, não que eu tenha seguido o conselho dele, vim porque quis. Mas foi de certa forma o próprio país que me obrigou a vir para outro país.”

O destino era Thetford, onde vivia a mãe e as irmãs do marido, português. Apesar de ter apoio, saiu com mágoa de deixar a família e amigos.

Hoje não se arrepende. A entrega do prémio quase coincidiu com a marcha branca dos enfermeiros na passada sexta-feira e tem acompanhado à distância as reivindicações dos colegas. Além das condições financeiras, foi precisamente a oportunidade de progressão na carreira que encontrou no Reino Unido e sente que não teria em Portugal. “Encontrei uma disponibilidade por parte dos ingleses completamente diferentes. Compreenderam o facto de eu dizer que não falava inglês mas que estava disposta a aprender, todo um apoio que não tinha tido em Portugal. A parte da legislação é muito diferente, tive de aprender bastante, mas nunca ouvi uma palavra de desagrado. O que ouvia é ‘tu vais aprender, tens tempo e nada se aprende de hoje para amanhã, do dia para a noite’. E assim foi.” Quando diz que não falava inglês, não é exagero. “Falava o básico, dizia bom dia, olá e adeus”, lembra.

Estudou e depois de seis meses a trabalhar no lar já como enfermeira, foi promovida a diretora. Passado oito meses, concorreu a diretora adjunta do lar onde trabalha atualmente, que integra uma rede de lares privados com acordo com serviço de saúde inglês e pertence a uma empresa familiar, a Slow HealthCare.

Com cinco anos de experiência em Inglaterra, é direta na hora de apontar diferenças. “Em termos remuneratórios, o custo de vida também é maior, mas ganhamos 16 libras à hora. Mas não é tanto nisso, é a possibilidade de formação e progredirmos na carreira. Uma coisa que admiro bastante na chefia inglesa é que dizerem-nos exatamente o que esperam de nós e, se atingimos esses objetivos, são francos. Há sempre um reconhecimento, uma palavra. A minha chefe sugere-me áreas para eu progredir. A avaliação é uma constante.”

No local onde trabalha, acredita que também faz a diferença os meios que têm. Para 43 doentes, cada turno tem dois enfermeiros, um auxiliar de enfermagem e nove auxiliares. “Há mais meios cá, há um rácio enfermeiro-doente mais baixo e o enfermeiro pode dedicar-se ao trabalho de enfermagem como deve ser.”

Admite, porém, que a realidade da instituição onde trabalha pode não ser o reflexo de todo o sistema inglês, até porque o Brexit tem levado muitos profissionais de saúde a regressarem aos países de origem, testemunha. Apesar de até aqui não ter pensado nisso – já conseguiu autorização de residência para mais cinco anos – a visibilidade que tem tido já lhe fez chegar algumas propostas de trabalho portuguesas, do setor privado. “Gostava de voltar. Portugal é o meu país de origem, mas não foi o país que meu deu as oportunidades quando eu precisava. Por isso muito que eu gostasse de voltar tenho de pensar em quem mais me ajudou quando eu precisei. Está tudo em cima da mesa. Por muito que queiramos ir, é preciso pensar terra a terra.”

Com essa visibilidade que tem tido com o prémio, acredita que é um testemunho de que as oportunidades existem mesmo – o seu caminho pode ter sido “rápido”, mas é possível para outros. Gostava, também, que fosse uma forma de mostrar como a profissão pode ser valorizada. “Acho que a principal mensagem a tirar do prémio é que os enfermeiros têm de ser reconhecidos, seja em que parte do mundo for. Haver prémios destes em Inglaterra mostra o quanto respeitam a nossa profissão.”