Os cargos que as mulheres não conseguem alcançar

Os cargos que as mulheres não conseguem alcançar


Cada vez há mais mulheres na política, mas no Dia Internacional da Mulher de 2019 os cargos mais importantes continuam a ser ocupados por homens. Portugal nunca teve uma mulher na presidência da República. As maiores autarquias do país também têm sido lideradas por homens


No dia 24 de julho de 1979, a manchete do “Diário de Lisboa” era uma pergunta: “Quantas mulheres vão para São Bento?”. Ainda na primeira página, o jornal anunciava que, para além de Maria de Lurdes Pintasilgo, o governo poderia vir a ser constituído por “algumas das mulheres da intelligentzia portuguesa numa experiência sem precedentes nos governos da República”.

Maria de Lourdes Pintasilgo, que foi indigitada pelo Presidente da República, Ramalho Eanes, foi até hoje a única mulher que exerceu o cargo de primeira-ministra em Portugal. Em 45 anos de democracia, aumentou bastante a participação das mulheres na vida política, mas alguns cargos cimeiros continuam a ser ocupados em exclusivo por homens. Nenhuma mulher chegou à presidência da República e apenas uma vez a presidência da Assembleia da República foi exercida por uma mulher. Curiosamente, Assunção Esteves, que exerceu o cargo entre 2011 e 2015, só foi eleita depois de os deputados terem chumbado duas vezes o nome de Fernando Nobre.

No poder local, o cenário também não é animador. As duas maiores câmaras do país, Lisboa e Porto, nunca tiveram uma mulher eleita como presidente. Dos 308 municípios do país, apenas 32 mulheres foram eleitas, nas últimas autárquicas, para a presidência.

“As coisas vão-se alterando, mas levam o seu tempo. Daqui a uns anos, quando houver mulheres na política já em paridade absoluta, o percurso fica com menos obstáculos. Há muitos obstáculos que se colocam quando as pessoas não estão nos percursos políticos que levam às lideranças e as mulheres não têm estado. Só mais recentemente é que começaram a entrar nesses espaços”, diz ao i Elza Pais, presidente das Mulheres Socialistas.

A também deputada socialista considera que “Portugal tem feito um percurso extraordinário que se deve, sobretudo, à adoção de leis positivas”, mas “as culturas políticas levam mais tempo a alterar-se do que as próprias leis e os obstáculos ainda são muitos”. Elza Pais realça que não basta as mulheres ocuparem determinados cargos, é preciso que tenham poder. Só há igualdade quando as mulheres participarem ativamente nos processos de decisão. “Queremos que as mulheres estejam nos processos políticos, mas que estejam com um poder igual ao dos homens”, diz a socialista.

A boa notícia é que Portugal está acima da média da União Europeia em relação ao número de mulheres no governo e no parlamento. Contas feitas, o governo liderado por António Costa tem 17 ministros e cinco são mulheres.

No parlamento existe um equilíbrio maior, principalmente devido à lei da paridade, aprovada em 2006. Dos 230 deputados, 82 são mulheres e 148 são homens. O PSD tem 30 mulheres e 59 homens. Os socialistas 31 mulheres e 55 homens. PCP e Bloco têm seis mulheres no parlamento e o CDS oito.

As lideranças dos partidos também têm sido dominadas por homens. Foram precisos 34 anos de democracia para uma mulher chegar à liderança de um dos grandes partidos. Manuela Ferreira Leite venceu as eleições internas no PSD, em 2008, e tornou-se a primeira mulher a dirigir o PSD e um partido político. Catarina Martins, em 2012, e Assunção Cristas, em 2016, também chegaram à liderança dos seus partidos.

O PS e o PCP nunca tiveram uma mulher na liderança. “Não vejo, nas próximas gerações, a hipótese de uma mulher liderar o PS”, disse recentemente, em entrevista, Gabriela Canavilhas. A ex-deputada socialista referiu que o PS “é um partido de homens. Isso sente-se, no dia a dia, nas bancadas do grupo parlamentar e nas reuniões”.