O petroleiro Montepio


O grupo que tem responsabilidades na mutualista preferirá afundar o petroleiro e generalizar a derrama, a que os buracos sejam descobertos e reparados


O Banco de Portugal condenou Tomás Correia a pagar 1,25 milhões de euros, aplicou coimas menores a oito administradores e condenou o Montepio a pagar 3,5 milhões de euros na sequência de um processo de investigação por “irregularidades graves” na administração daquele banco. A condenação sobre actos de gestão realizados entre 2008 e 2015 chega em 2019, três meses depois de Tomás Correia conseguir, por poucos votos, manter-se à frente da Associação Mutualista Montepio e uns dias antes do fim da maturidade de vários investimentos mutualistas.

Depois das eleições estive presente na assembleia geral da mutualista realizada em dia discreto entre o Natal e o fim de ano. Sob a batuta de Vítor Melícias, cujas responsabilidades não devem ser esquecidas, assisti a um cerimonial equiparável às assembleias de Benfica e Sporting em tempos de Vale e Azevedo e Bruno de Carvalho. Das trincheiras de Tomás Correia sucederam-se intervenções iradas proferidas por homens de proveta idade. A cada tentativa de contraditório, Melícias transformava-se num zeloso cumpridor de tempos ou interrompia com comentários jocosos acicatando os ânimos sempre que a plateia amolecia a tensão.

Estou esclarecido quanto à possibilidade da instituição se regenerar a partir de quem tem, actualmente, responsabilidades na mutualista. Além de todos os intervenientes em prol da dupla Melícias/Correia estarem geracionalmente confinados – os mais jovens seriam sexagenários –, constituem um pequeno grupo que confunde o Montepio com o seu quintal e que ainda vai conseguindo acumular votos das dependências financeiras criadas. Preferirão afundar o petroleiro e generalizar a derrama, a que os buracos sejam descobertos e reparados.

Na sequência das notícias sobre as várias condenações, o presidente da reguladora manifestou-se incompetente para se pronunciar. No mesmo dia o Ministério das Finanças emitiu um comunicado a desmenti-lo, responsabilizando-o pela análise de risco e avaliação de idoneidade da administração mutualista. Importa não esquecer que nas últimas eleições para a associação mutualista a atitude do governo e do Banco de Portugal foram decisivas para manter Tomás Correia. Os associados votaram sem estar na posse da informação necessária e a entrada na administração da ex-deputada do PS e ex-secretária de Estado Idália Serrão enunciava um vínculo da lista de Tomás Correia ao governo.

Nos últimos 10 anos a associação mutualista construída para apoiar as classes médias a partir de investimentos prudentes foi transformada na patrocinadora da alta finança e dos seus investimentos de maior risco. Almeida Serra (ex-administrador do Montepio) afirmou temer que o Montepio se transforme no “BES do mutualismo” num processo que criaria 650 mil lesados.

Montepio, banco e associação mutualista, são instituições fundamentais para a nossa sociedade se deixarem de querer repetir o negócio da banca comercial. O anunciado Banco de Empresas Montepio para entidades com volumes de negócio acima dos 20 milhões de euros é exactamente o contrário do que deve ser o banco da mutualista. Para estas empresas, toda a banca comercial tem soluções financeiras!

Com tantas suspeitas e denúncias que pendem sobre a actual administração (a condenação desta semana é uma pequena parte do que está a ser investigado) seria caso único se se revelasse infundado e que se provasse a total competência e inocência dos seus administradores.

Infelizmente, esta história parece-nos igual a tantas outras. Nas suspeitas e nos silêncios. Quanto mais tarde se começar a limpeza, maiores serão os danos provocados.

 

Escreve à segunda-feira